quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O Quilombo do Rio Moquim

No dia 20 de novembro passado foi celebrado, em todo o país, o Dia da Consciência Negra.

De acordo com os dados do censo populacional realizado pelo IBGE no ano 2000, cerca de 40% da população de Mimoso do Sul se declarou como sendo negra ou parda.

Certa vez, anos atrás, conversando com Márcia "Anu" Gomes, orgulhosa com a sua negritude, discutíamos que Mimoso do Sul não possuía nenhum "símbolo" negro. Falávamos até da concentração de negros que existia na região de Dona América, pequeno distrito do Município.

Hoje não sei, mas na época não tínhamos movimentos negros articulados em Mimoso. Tomara que, atualmente, já o tenhamos.

Enfim; após o intróito supra, vamos ao tema. É assunto de total desconhecimento em Mimoso do Sul. Sinceramente, nunca vi nenhum autor ou estudioso mimosense citar textualmente, ou mesmo verbalmente, acerca da matéria. Ao contrário de Muqui, onde se referencia o fato.

Por volta de 1844, provavelmente alguns anos antes dessa data, uma comunidade quilombola começou à se formar nas cabeceiras da serra que separa as vertentes dos rio Muqui e Muqui do Sul. A origem dos negros e pardos que afluíram ao Quilombo é diversa; segundo relatos contemporâneos, haviam negros fugitivos do norte da Província do Rio de Janeiro, e até um padre pardo originário de Minas Gerais, que estava lá homiziado. Certamente deveriam haver também negros escravos fugidios de algumas das recém abertas fazendas cafeeiras das proximidades.

No final de 1848, um fazendeiro estabelecido no norte do Município de Campos/RJ organizou "uma diligência com capitães-do-mato e agregados de sua propriedade, com vistas a destruir um pequeno quilombo no sertão de Pedra Lisa" (1), lá capturando três escravos fugitivos que estiveram antes no tal Quilombo do Rio Moquim.

Segundo o relato colhido dos mesmos, em inquérito, verificou-se que o Quilombo do Moquim chegou à ter cerca de 300 cativos fugitivos, dos quais 4 mulatos, muitos deles nascidos já na região. Não é muito provável que existisse tanta monta de gente, mas certamente havia lá um número considerável de negros. Tinham eles roças e pequenas lavouras que os proviam de sustento; comercializavam com alguns fazendeiros estabelecidos nas proximidades, de quem conseguiam chumbo e pólvora para a caça. Inclusive, prestavam alguns serviços para esses mesmos fazendeiros.

Não existem mais muitas informações sobre o Quilombo do Rio Moquim. Não há menção à nenhuma expedição posterior à do fazendeiro de Campos/RJ. Sabe-se que o fazendeiro Justino de Sá Vianna, estabelecido com propriedade no rio Muqui do Sul, mantinha contato e, inclusive, acoitava os escravos fugitivos que habitavam o Quilombo. Sá Vianna era, inclusive, ele mesmo fugitivo da Justiça fluminense; acusavam-no de acoitar os cativos fugidios para deles se servir de trabalho em suas roças e plantações.

Fato é que os documentos silenciam-se. Continuamos pesquisando, procurando elementos que possam subsidiar que fim levou o referido Quilombo.

Questão interessante é uma "pequena" coincidência que pudemos verificar. Um dos homens que ajudou à combater e extinguir a revolta escrava conhecida como de Manoel Congo, em Vassouras/RJ, chamado José Pinheiro de Souza Wernek (conhecido como o primeiro desbravador do Município de Muqui), já estava estabelecido com propriedade em Muqui desde 1849, pelo menos. Segundo pesquisa da historiadora muquiense Ney Rambalducci, foi por volta deste ano que Wernek desbravou e formou suas roças na região. A data mais remota para a presença de Wernek no Muqui, apresentada em pesquisa recente por Sandra Cirillo, seria o ano de 1845/46 (vide edit com correção). De João Corumbá, caboclo posseiro estabelecido por ali com pequena roça, Wernek adquiriu terras no Sumidouro/Muqui. (2)

Vejam só as coincidências:

1 - José Pinheiro de Souza Wernek, experiente em combate contra escravos fugitivos, chega na região do rio Muqui em 1845/46.

2 - Em 1848 um dos "cabeças" do Quilombo do Moquim é preso no sertão de Pedra Lisa, em Campos/RJ, após viver anos no referido Quilombo.

3 - Desde 1844 já se falava da existência de um Quilombo nas cabeceiras do Rio Moquim, que deságua ao norte do Itabapoana.

4 - Depois de 1849 não se fala mais no Quilombo do Rio Moquim, como se por mágica ele tivesse simplesmente desaparecido da face da terra.

Os fatos, digamos, se encaixam perfeitamente, não acham?


Desenvolvemos a teoria que o Quilombo do Moquim foi desbaratado por uma expedição de Wernek, em alguma data entre os anos de 1846 e 1848, mais provavelmente nesse último ano. Todavia, ainda estamos procurando documentos e subsídios que possam fundamentar, definitivamente, essa teoria.

Gerson Moraes França


EDIT (04/12/2010)

Sou daqueles que preza muito pela citação de fontes, quando encontramos trabalhos, pesquisas ou documentos "garimpados" por um pesquisador. Não posso, portanto, incorrer em erro que eu reprovo.

Mas, ressalte-se: meu erro não foi de má-fé; mas sim, por desconhecimento. Não creditei a pesquisa mais recente à pesquisadora que a executou. E aqui, retrato-me.

As informações colhidas sobre José Pinheiro de Souza Wernek, no tocante às datas mais remotas de sua chegada em Muqui, são fruto de recentes pesquisas realizadas pela Vice-diretora do Museu Dr Dirceu Cardoso, Muqui e sua História, a pesquisadora e memorialista Sandra Cirillo. É importante que eu cite esse fato, pois Sandra Cirillo, juntamente com a historiadora Ney Rambalducci, são responsáveis pelo "garimpo" e preservação de rico acervo documental sobre a história do município de Muqui.

O Museu Dr Dirceu Cardoso, Muqui e sua História foi fundado, inclusive, por Ketty Cirillo, mãe de Sandra Cirillo, no ano de 1983. Atualmente, possui também acervo virtual, com fotos, documentos e textos, que pode ser visto clicando-se no link que segue abaixo:
http://www.camaramuqui.es.gov.br/museu_virtual.asp

Retratação feita! =)


Fontes -
(1) Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro
Por Flávio dos Santos Gomes - 2006

(2) Acervo virtual do Museu Dr Dirceu Cardoso, Muqui e sua Hitória
Disponível em:
http://www.camaramuqui.es.gov.br/museu_virtual_HistoriaMuqui_municipio_historia.asp


EDIT (25/12/2023)

Este edit já devia ter sido aqui postado há muito tempo. Pois já há alguns bons anos que, revendo criticamente esse post, percebi que fui imprudente nas minhas suposições.

Naquela época eu pesquisava e escrevia sobre história, mas não era um historiador. Exercia eu o mister de pesquisador e memorialista. Sem querer, já empregava técnicas e metodologias da história, mas também praticava equívocos crassos de um memorialista jovem e sedento de novidades.

É tentador ao memorialista tecer ilações, mesmo que sem base que não seja mais do que seu "achômetro". O feeling de um pesquisador não deve ser desprezado, mas não pode se sobrepor à metodologia; se não, seu trabalho se transforma em ficção.

No caso presente, associei um dos primeiros moradores do território que hoje integra o município de Muqui/ES à um suposto quilombo que existiu no "rio Moquim", do Itabapoana. O fiz sem nenhuma base documental, à não ser minha mera ilação. Como disse mais acima, caí na tentação.

Os dois fatos históricos (o primeiro fazendeiro no alto Muqui e o quilombo do rio Moquim, mais ou menos contemporâneos) são documentados, embora o segundo precise ser bem contextualizado. Hoje posso informar com toda a seriedade de um historiador que usa das técnicas da metodologia da História: Werneck, o primeiro grande fazendeiro do Sumidouro em Muqui, não combateu quilombos em seus primeiros anos no interland do sul do Espírito Santo.

Grande abraço,
Gerson França

3 comentários:

  1. A consciência negra é um tema que renderia horas de conversa a fio, de uma informação podemos partir para inúmeras linhas de pensamento e com certeza discutir muito cada uma delas, tenho até medo de começar.

    Parabéns pelo blog, não o abandone.

    Nefe.

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  2. Gérson, sou memorialista, há muitos anos faço pesquisa sobre a história de Muqui, gostaria de entrar em contato direto por e-mail. Faria a gentileza de escrever para conversarmos sobre detalhes da minha pesquisa? museudrdirceucardoso gmail.com
    Sandra Cirillo

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  3. Olá Sandra!
    Já lhe respondi por e-mail!
    Grande abraço,
    Gerson

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