quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Muqui e a Revolta do Xandoca (Parte 1)

São João do Muquy, por volta de 1910
Foto: Museu Virtual de Muqui


AS ELEIÇÕES DE 1916 E A REVOLTA DO XANDOCA

Esse ano de 2016 foi de eleição municipal. Em Muqui, as eleições correram tranquilas; a campanha foi morna, a votação foi ordeira, e as comemorações do vencedores - bem como os lamentos dos vencidos - foram sem excessos. Tirando um, ou outro, mais apaixonado, o clima foi de civilidade. Mesmo agora, quando ainda há indefinição se o candidato que venceu o pleito será empossado, ou se haverá novas eleições, o clima político geral da cidade é tranquilo. Aguarda-se a decisão dos recursos apresentados pelos candidatos, junto à Justiça Eleitoral, para que haja uma definição.

Quem acompanhou as eleições municipais desse ano, e acredita que sempre foi assim, nem imagina como era uma eleição antigamente. A disputa era ferrenha, quando havia. Ocorria coerção e fraudes. Na chamada República Velha (1889-1930), quando havia competição acirrada, acontecia às vezes de grupos rivais até pegarem em armas. Foi o que aconteceu no Espírito Santo, nas eleições de 1916. Há cem anos atrás.

Naquele ano, o que aconteceu, grosso modo, foi isto: uma facção política que detinha o poder no Estado, chefiada pelo ex-presidente (assim se chamavam os governadores, à época) Jerônimo de Sousa Monteiro (presidente entre 1908 e 1912), lançou o irmão deste (Bernardino de Sousa Monteiro) para suceder o então governante, Marcondes Alves de Sousa (presidente entre 1912 e 1916). Todos eles eram representantes de um grupo político que, como acontecia naqueles tempos, tomou firmemente o poder no Estado: a oligarquia dos Monteiro. A representação federal do Estado (senadores e deputados federais) que, até então, era aliada aos Monteiro, rompeu com esses. Com a simpatia do Presidente da República, o mineiro Wenceslau Braz, essa dissidência resolveu apoiar o lançamento de uma candidatura de oposição aos Monteiro: José Gomes Pinheiro Junior, que já era oposicionista à alguns anos.

Tanto Jerônimo e Bernardino, quanto Pinheiro Junior, tinham suas bases políticas originais em Cachoeiro de Itapemirim, então próspera e rica cidade do sul do Espírito Santo. A história dessas eleições é bem movimentada. Situacionistas e oposicionistas fizeram uma campanha dura, acusando-se mutuamente de cometerem excessos. Houve confronto armado entre os adversários. Houve duplicata de Câmaras, Congresso Legislativo (a atual Assembléia Legislativa) e de Presidência do Estado. Havia constante ameaça de uma intervenção federal. Bernardino e Pinheiro Junior, cada qual, declarou-se vencedor no pleito. Ambos se declararam empossados no cargo. O governo pinheirista, após conflito armado com o governo monteirista em Vitória, capital do Estado, transferiu-se para Colatina, no norte do Espírito Santo. Durante alguns meses, e até que fosse julgada a questão no Senado federal em favor de Bernardino Monteiro, houve duplicata de Governos no Estado, e o governo de Pinheiro Junior em Colatina "dominou" uma parte do território espírito-santense.

Esse é um pequeno resumo do que foi a "Revolta do Xandoca". Esse nome advém do então candidato à vice-presidente da chapa pinheirista, chefe político de Colatina chamado Alexandre Calmon, de apelido Xandoca. Após a instalação do governo de Pinheiro Junior em Colatina, este foi ao Rio de Janeiro, então capital federal, para advogar uma solução em prol de sua situação. E, em Colatina, assumiu então o seu vice Alexandre Calmon, que governou até que, derrotados os pinheiristas, suas forças se refugiaram no vizinho Estado de Minas Gerais.

Nessa época, as eleições para o governo estadual e para os governos municipais (prefeito e vereadores) eram realizadas na mesma data. Assim, as lides eleitorais estaduais reverberavam diretamente nas eleições dos municípios. E as lutas políticas, também. Foi nessa conjuntura que foram realizadas as eleições em Muqui, naquele ano de 1916. Vamos agora contar, aqui,como foram.


AS ELEIÇÕES DE 1916 EM MUQUI - ANTECEDENTES

O município de São João do Muquy era de criação recente. Embora a ocupação de seu território para a formação de grandes fazendas cafeeiras date da metade do século XIX, a região foi parte do município de Cachoeiro de Itapemirim até 1912. Nesse ano, com o beneplácito do recém empossado Presidente Marcondes Alves de Sousa, até então chefe político monteirista do Distrito de São João do Muquy, foi criado e instalado o município. Muqui era, nessa época, uma importante e próspera Vila do sul do Estado, com economia ancorada na produção cafeeira. O povoado crescera muito alguns anos após a construção da estrada de ferro que ligava Cachoeiro ao Estado do Rio e a inauguração de sua Estação, em 1902. Era um município de pequena extensão territorial, mas muito rico em virtude da sua grande produção de café: a "Suíça espírito-santense", como alguns muquienses comparavam na época.

Marcondes Alves de Sousa havia se estabelecido no povoado de Muqui (ainda chamado coloquialmente de "Arraial do Lagarto") no ano de 1895, com estabelecimento comercial e, depois, com fazenda. Quando Jerônimo Monteiro aliou-se ao então presidente estadual Henrique Coutinho (1904-1908), Marcondes foi alçado à posição de chefe político do Distrito de São João do Muquy. Embora não possuísse raízes fortes dentre os muquienses, a imposição "de cima para baixo", prática comum naquele tempo, fez com que grande parte das famílias antigas de Muqui, proprietárias das grandes fazendas de café, apoiassem o seu novo "chefe político". Quando Jerônimo Monteiro se tornou presidente do Estado em 1908, Marcondes passou a desempenhar importante papel político no município de Cachoeiro, do qual Muqui era parte. Sem descuidar dos assuntos políticos entre os muquienses, Marcondes aliou-se a um jovem agrimensor que havia se mudado para Muqui em 1903, chamado Geraldo de Azevedo Vianna. Marcondes, então, quando se tornou presidente do Estado em 1912, e com o aval de Jerônimo e Bernardino, elevou Geraldo Vianna à condição de "chefe político" em Muqui.

E foi assim, com Geraldo Vianna como chefe político de Muqui e como "preposto" de Marcondes, e com o beneplácito dos Monteiro, que deu-se a criação e a instalação do município de São João do Muquy. Em 1912 foi realizada a primeira eleição para a constituição de sua Câmara Municipal. Nessa época, os partidos ou grupos formavam uma chapa com os nomes dos seus candidatos, e não se votava em um só candidato. Eram cinco vagas de governadores municipais (vereadores) nas Vilas, e cada eleitor podia votar em até quatro nomes da chapa. Mulheres e analfabetos não podiam votar. Somavam-se os sufrágios, e os cinco mais votados eram eleitos. E até a reforma constitucional de 1913, quando foi criado o cargo de Prefeito, eram os presidentes das Câmaras municipais que exerciam o poder executivo local.

Em 1912, a chapa governista (do PRES - Partido Republicano Espírito-Santense, filiado ao nacional PRC - Partido Republicano Conservador) conquistou todas as cadeiras da Câmara municipal de Muqui. A oposição (amalgamada em uma agremiação chamada de "Oposições Coligadas") não lançou chapa, embora tenham sido apresentados alguns candidatos avulsos governistas e independentes. Geraldo Vianna foi o vereador mais votado, e foi eleito presidente da Câmara pelos seus pares. Iniciava-se a vida administrativa autônoma do município.

A primeira Câmara de Muqui foi formada por Geraldo Vianna, já citado; por Fortunato José Ribeiro, fazendeiro; Mathurino Evangelista de Carvalho, também fazendeiro; Luiz Siano, comerciante e representantes da "colônia" italiana no município; e por Zehy Simão, também comerciante, da colônia sírio-libanesa. Matheus Xavier Monteiro de Paiva, grande fazendeiro, foi eleito para o cargo de Primeiro Juiz Distrital.

Em 1914, fruto da reforma constitucional de 1913, foi realizada a primeira eleição para Prefeito em Muqui. O partido governista lançou o nome de Emílio Coelho da Rocha, que não teve opositor. A oposição, ainda pouco articulada no município, não apresentou candidatura. E, mesmo se apresentasse, considerando as práticas político-eleitorais da época, seria derrotada pela situação. Candidato único, Emílio Coelho foi eleito com 215 votos, dos quase 600 eleitores alistados.

No decurso da legislatura, foram aparecendo fissuras entre os governistas. Grosso modo, estes estavam divididos em duas correntes políticas principais, ambas governistas, que haviam se entendido em 1912 na divisão dos espaços do poder em Muqui. Na Câmara, o grupo de Geraldo era formado por Fortunato Ribeiro, Luiz Siano e Zehy Simão; o outro grupo incluia o vereador Mathurino e o Primeiro Juiz Distrital Matheus Paiva. Este último tinha papel importante nas eleições, pois presidia a Junta de Alistamento Eleitoral e tinha influência na indicação dos membros das Mesas Eleitorais.

Essa divisão se refletia, também, na representação do município no Congresso Legislativo (Assembléia estadual): uma delas representada por Geraldo Vianna (eleito deputado estadual em 1913), ligado ao presidente Marcondes e à Bernardino, alçado à chefia política do município; e a outra por Cezar Vieira Machado (deputado desde 1909), mais ligado à Jerônimo. Parte da corrente representada por Cezar, sentindo-se preterida, formou uma oposição local à Geraldo, embora o próprio Cezar tenha se mantido leal aos governos estaduais até 1920.

Foi essa fissura que, aliada à oposição abrigada no Partido Republicano Liberal (fundado em 1913 e chefiado no Estado pelo ex-presidente estadual Muniz Freire), rompeu definitivamente com os governistas locais e estaduais quando do lançamento e/ou do fortalecimento da candidatura oposicionista de Pinheiro Junior. E, no próximo post, contaremos como foi essa história e os fatos ocorridos nas eleições de 1916.


Gerson Moraes França

domingo, 6 de novembro de 2016

Vinte Anos de Pesquisa

Não me lembro exatamente quando foi. Desde que me entendo por gente, sempre fui apaixonado por história. Já nos primeiros anos do ensino fundamental, lembro-me de incluir, dentre a lista dos livros que deveriam ser comprados para o ano letivo, um exemplar de Atlas Histórico, ou algo do gênero como um Mapa-Mundi ou um Globo Terrestre para me localizar melhor.

Essa paixão foi aumentando. Depois disso vieram a aquisição de Enciclopédias. Do meu contato com a Conhecer e a Barsa iniciou-se a paixão, também, pela pesquisa da história. Ainda coisa de criança. As revistas do Astérix - as quais, por sinal, eu possuía a coleção completa - só aumentaram essa coisa que comecei a considerar como sendo uma espécie de "dom".

Nessa época de criança, minhas leituras ficavam adstritas às histórias mais difundidas, como Roma antiga, partes da Idade Média européia, as Guerras Mundiais, Egito e Mesopotâmia, essas coisas. Residualmente, história do Brasil colonial, América pré-Colombiana, com pitadinhas de China e Índia. Enfim, com o passar dos anos, fui aumentando o meu conhecimento sobre a história de todos os lugares que eu pude encontrar algo para ler.

Em algum momento do início da década de 1990, brotou em mim o interesse por conhecer e estudar a história do Espírito Santo. Tão antigo quanto o restante do Brasil, apaixonei-me, também, pela nossa história regional. Daí comecei, novamente, um novo "ciclo" de leituras e de procura de materiais onde eu pudesse encontrar algo. Eram tempos que a Internet ainda engatinhava, e o acesso à matéria só podia ser feito indo às Bibliotecas e adquirindo algumas obras nas Livrarias.

E aí veio o ano de 1996. Como disse quando abri esse texto, não me lembro exatamente quando foi. Só me lembro que foi depois das eleições municipais daquele ano, que em Mimoso do Sul deram a vitória ao "nosso candidato" para prefeito à época, Ronan Rangel. Foi em algum momento de fins desse ano que despertei o interesse por conhecer e estudar a história de Mimoso do Sul. Eu não conhecia nenhuma obra, nenhum escrito, nenhum trabalho sobre a história local mimosense. Mãos à obra: comecei a garimpar tudo que podia.

Aproximei-me de pessoas que tinham a mesma paixão e que já pesquisavam nossa história: Rosângela Guarçoni, Dr Pedro Antônio de Souza, dentre outros. Residindo em Vitória, iniciei minha pesquisa sobre a história de Mimoso do Sul. Na época, meu foco principal era a "Tomada da Comarca" em 1930. Fucei bibliotecas e arquivos; entrevistei pessoas e visitei lugares. Daí em diante, nunca mais parei.

E assim, em fins desse ano de 2016, faz vinte anos que pesquiso a história de Mimoso do Sul e de São Pedro do Itabapoana, bem como, subsidiariamente, a história do vale do Itabapoana, de Muqui e do sul do Estado do Espírito Santo em geral.

Embora eu, por vezes, escreva algo aqui no Blog sobre história mimosense, minha intenção inicial era produzir uma obra sobre a História de Mimoso. Acreditem, a tarefa não é fácil. Escrever pequenos textos sobre pequenos recortes temporais ou espaciais, ou sobre fatos específicos e bem situados, não é difícil. Mas escrever uma obra geral demanda muito tempo e critério.

Assim, pensei em modificar o modo de executar meu sonho. Ao invés de uma obra, pensei em começar a colocar, na Internet, seja num Blog ou algum Site, as coisas que pesquisei. Desde fontes primárias, até as conclusões que cheguei. Guardar o conhecimento para si não faz sentido; é preciso difundi-lo. E, no mundo de hoje, qual a melhor forma de compartilhar o conhecimento? A resposta é fácil: colocando na Internet.