sábado, 9 de julho de 2011

O Espírito Santo na Revolução Constitucionalista


Trincheira legalista em Silveiras/SP
Hoje, dia 09 de julho, é feriado em São Paulo. Esse ano, deram azar: o dia 09 caiu num sábado. O feriado é por causa da Revolução de 1932, que começou oficialmente nesse dia. São Paulo acabou sustentando, quase que só, uma guerra de cerca de 3 meses contra o Governo Provisório de Vargas e o resto do país. O movimento foi derrotado pelo Governo Central, e ficou conhecido, nos anaes da história, como Revolução Constitucionalista.

Quando estourou a revolução, o negócio ameaçou ficar feio. São Paulo aderiu em peso, inclusive com a maioria das guarnições federais. No sul do Mato Grosso, criaram até um novo Estado, que subsistiu por pouco tempo: Maracajú, mais ou menos o que se tornaria o Mato Grosso do Sul. Nomes importantes estavam implicados no movimento, nomes inclusive que ajudaram a fazer a Revolução de 1930. Houve luta armada no Rio Grande do Sul, onde Borges de Medeiros resistiu por um bom tempo. Também em Minas Gerais, liderada por Arthur Bernardes. Mas a adesão do Rio Grande do Sul não veio, porque Flores da Cunha acabou decidindo-se por apoiar o Governo Central. Nesse Estado e em Minas Gerais, logo os grupos revoltosos foram isolados. E Vargas pôde mandar tudo o que tinha contra São Paulo. No meio desse "tudo o que tinha", estavam os recursos humanos e materiais do Espírito Santo. São Paulo, isolado, conseguiu resistir por três meses, em uma guerra que ceifou centenas de vidas e destruiu mais um tanto enorme de propriedades.

No Espírito Santo, logo o Interventor Bley prestou solidariedade ao Governo Vargas, e se dispôs a auxiliar na luta contra os revoltosos. Foram presos alguns líderes ligados à Bernardes, e pessoas suspeitas de ligação com o movimento. Simpatizantes também foram detidos. Por exemplo, em Muqui foram presos Geraldo Vianna e Belizário Lima, proprietário e redator-chefe do jornal Muquyense, de grande circulação no sul do Estado. O jornal ficou fechado de 18 de agosto a 16 de outubro. Vianna, revolucionário de 1930 que fazia oposição ao Governo Bley, foi preso no dia 08 de agosto e só foi solto no dia 01º de setembro. Belizário ficou preso por 31 dias. Em outro exemplo, o Delegado de Polícia de João Pessoa (atual Mimoso do Sul), Florício Paulo dos Santos, teve que correr até o distrito de Conceição do Muqui, região muito ligada à Muqui e onde estava sendo organizada uma pequena "tropa" de simpatizantes; "tomou logo providência e vigia alguns implicados no trama", pois Conceição tinha "os seus revoltosos", como anunciava o Delegado.

E logo o nosso Estado tratou de enviar tropas para o front em São Paulo. Num primeiro momento, inúmeros voluntários se apresentaram, ou foram despachados para a capital pelas autoridades do interior. Os voluntários foram tantos, que no dia 14 de julho o Interventor Bley teve que começar a telegrafar aos Municípios pedindo para que não enviassem mais homens para Vitória. Muitos foram aproveitados, mas quase todos foram dispensados ou colocados em "reserva". O RPM criou mais dois Batalhões (um em 15 de julho e outro em setembro). Assim, o Regimento Policial Militar (atual Polícia Militar) e o 3º Batalhão de Caçadores (atual 38º Batalhão de Infantaria, guarnição do Exército) foram mobilizados para a luta, e enviaram seus efetivos para a guerra.

Afora isso, foram criados "batalhões patrióticos" em vários municípios, assim como muitos criaram suas Guardas Municipais para policiar e suprir o chamamento dos destacamentos policiais que foram recolhidos para a capital. Em São José do Calçado, por exemplo, o "batalhão patriótico calçadense" foi criado no dia 13 de julho reunindo um efetivo de 56 homens (26 deles, reservistas). Em Alegre, além da remessa de quase 50 voluntários para Vitória, foi criada uma Guarda Municipal com o efetivo de 20 homens. Pouco depois, os "batalhões patrióticos" foram dissolvidos, ou tiveram seu efetivo reduzido nas localidades que não criaram suas Guardas Municipais. Continuando com o exemplo de Calçado, seu "batalhão patriótico" foi dissolvido já no dia 14, e depois recriado com um efetivo de 10 homens para auxiliar o policiamento.


NOSSAS TROPAS NA GUERRA

O 3º Batalhão de Caçadores lutou no flanco esquerdo do setor do vale do Paraíba, e depois no setor do noroeste paulista. Esteve em Bananal, Sertãozinho, Barreiros, Silveiras, Queluz, Barra Mansa, Ouro Fino, Mogi-Mirim, Piteiras, Artur Nogueira e Limeira. O 1º e o 2º Batalhões do RPM lutaram no Setor da Serra do Mar e depois rumaram para o vale do Paraíba. Estiveram em Paraty, Cunha, Lagoinha, São Luiz de Paraitinga, Taubaté, Cataguá e Pindamonhangaba. O 3º Batalhão do RPM serviu de reserva no Vale do Paraíba, acantonado em Lorena. Nossas unidades militares estavam integradas em Comandos Superiores, que eram integrados por outras unidades, de vários lugares do país.

Focando nas operações de nosso Regimento Policial Militar, a missão foi árdua e importante, e de muito impacto no desenrolar da guerra. O setor de Cunha foi ferozmente defendido por São Paulo, pois seu rompimento ameaçava a linha principal do Vale do Paraíba, onde estavam concentrados os maiores esforços dos revolucionários e dos legalistas. O RPM atuou junto com os Fuzileiros Navais na operação principal do Destacamento Mixto, que era tomar Cunha, subindo a serra do mar a partir de Paraty. Atuaram principalmente no flanco esquerdo do avanço. A tropa chegou a entrar em Cunha e avançar para Lagoinha (em julho), mas depois uma contra-ofensiva paulista desalojou os legalistas de suas posições (em agosto). Após reorganizar a força (no início de setembro), nova e forte ofensiva legalista foi realizada, e a cidade de Cunha foi tomada novamente. Os Batalhões do RPM, após tomarem parte na conquista e ocupação de Cunha, ficaram com a missão de seguir para o oeste, para a tomada de Lagoinha e São Luiz de Paraitinga, enquanto os FN forçavam a ofensiva em direção ao vale do Paraíba.

Nossos soldados capixabas cumpriram a missão. Entraram em Lagoinha sem grande resistência, mas tiveram que lutar por 3 dias para tomar São Luiz de Paraitinga. Pouco depois a guerra terminou, com a rendição de São Paulo. Essas cidades, quando tomadas, estavam desertas, pois a população civil havia abandonado suas casas ante o avanço da força legalista. Interessantemente, por alguns dias estas duas cidades foram administradas por capixabas, umas vez que os Comandos nomearam os Prefeitos Militares das mesmas após suas respectivas ocupações. Em Lagoinha, no dia 25 de setembro, foi feita a nomeação e posse do Prefeito Militar interino, o 2º Tenente Rosental Machado Alves - apenas dois comerciantes paulistas, que não fugiram, estiveram presentes na posse. Em 01º de outubro foi feita a nomeação e posse do Prefeito Militar interino de São Luiz de Paraitinga, o 2º Tenente Plácido Azevedo, na presença de apenas um morador.

Pouco depois de terminada a guerra, nossos soldados voltaram para casa. Os três Batalhões do RPM chegaram em Vitória no dia 18 de outubro de 1932. Foram três meses em operação na guerra. O Regimento Policial Militar nesses dias de guerra esteve com um contingente de 1.328 homens, entre regulares e voluntários. Desses, 926 foram mandados para lutar em São Paulo. 727 homens estiveram em operação diretamente na linha de frente. Nossa tropa espírito-santense sofreu com 58 mortos, 78 feridos e 156 extraviados ou desaparecidos, num total de 292 baixas.

[mais tarde, colocarei aqui um mapinha que estou fazendo]

Gerson Moraes França


Fontes:

História da Polícia Militar do Espírito Santo
1985 - Sônia Maria Demoner

Diário Oficial da União
(julho a outubro de 1932)

Jornal Diário da Manhã
(julho a dezembro de 1932)

Interventoria (Governadoria)
APE - telegramas expedidos e recebidos (1932)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Domingos Martins - uma questão controversa




Estava escrevendo aqui sobre Domingos Martins, focando no ano e numa controvérsia sobre a localidade de seu nascimento. Salvei o documento para continuar mais tarde. Como sempre, ao reler, não gostei. Inclusive, achei que estava ficando quase que uma "tese de mestrado", grande demais e com linguajar pesado, com múltiplas reflexões e conclusões caucadas em mais umas tantas fundamentações e documentos. Pensei: "porra, isso aqui é um blog informal!". E daí resolvi "arquivar" o texto que estava escrevendo, e iniciar esse aqui. Sem muita formalidade, sem quilômetros de fundamentações, citações e interpretações. Sem linguagem rebuscada e "técnica". Resolvi ficar mais na conclusão, naturalmente com alguma fundamentação. Informal, porém.

O texto anterior continua aqui guardado, nos "arquivos de rascunho". Um dia, quem sabe, não o continuo? Um trabalho de faculdade, um artigo para alguma publicação que queira publicar o texto, ou mesmo uma diversão de final de semana prolongado sem viagem. Deus, e minha disposição, é que definirão.

Vamos lá.

Primeiro, falo sobre o que me levou a escrever e levantar a questão que logo colocarei. No final de 2009, no mesmo ano que o busto do mártir Domingos Martins sumiu (fato insólito!) da praça que leva seu nome, em Itapemirim, a Prefeitura de Marataízes começou a elaborar um projeto para a construção de um monumento ao nosso herói. O monumento será (será?) erigido na localidade de Quartéis, defronte à ilha das Andorinhas, entre as praias de Boa Vista e dos Cações. O local foi escolhido porque, segundo uma tradição, Domingos Martins teria nascido dentro de um Quartel, que ali ficava localizado. O seu pai, segundo algumas fontes, teria comandado aquele Quartel, que foi construído para defender a estrada litorânea, que ligava Muribeca e Barra do Itabapoana até Itapemirim, dos ataques de grupos de silvícolas selvagens.

[Abrindo adendo; o sumiço do busto de Domingos Martins foi esclarecido pelas autoridades locais de Itapemirim: foi retirado da praça para restauração. Não sei se foi restaurado - tomara que tenha sido. Já o projeto de Marataízes, não sei como está transitando]

Ah! Importatíssimo dizer que Domingos José Martins é o patrono do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Espírito Santo. Tem até uma estátua dele na praça ao lado do Palácio Anchieta, e em outros lugares mais. Foi um dos principais dirigentes da Revolução Pernambucana de 1817, tendo sido executado no mesmo ano por ter tomado parte no levante. E assim, por ser espírito-santense, nascido em Itapemirim, tornou-se nosso herói e nosso mártir.

E aqui vem a questão. Teria Domingos Martins, realmente, nascido dentro de um Quartel no litoral sul do Espírito Santo, como é recorrente ler? Se você "googlar" na internet e pesquisar o assunto, verá que quase todos os meios de imprensa, sites culturais e/ou turísticos, e alguns Blog's também, assim atestam. É um copy/paste dos infernos! Algumas publicações chegam a apontar o próprio Domingos Martins como tendo sido o comandante do referido Quartel; erroneamente, é claro.


COMEÇANDO

Escritores antigos afirmavam que Domingos José Martins era bahiano. Realmente, tinha ligações e afinidades com a Bahia. Mas os trabalhos de Basílio Carvalho Daemon, Marcilio Teixeira de Lacerda e Norbertino Bahiense, dentre outros, afastam a hipótese bahiana. Bahiense publicou, em seu livro, documento de lavra do nosso mártir, de próprio punho, periciado e atestado como autêntico. Nesse documento fica clarividente que Domingos nasceu no Espírito Santo. Daemon colheu depoimentos de pessoas que conviveram com a família de nosso mártir, nos legando até o seu apelido, "herdado" do pai: "Bem-bem".

Domingos Martins nasceu em Caxangá, povoado onde hoje fica a cidade de Itapemirim, no ano de 1781. O ano de seu nascimento é incontroverso, pois ele tinha atestadamente 36 anos de idade quando foi executado em 1817. É só usar a calculadora, se estiver com preguiça de fazer uma continha de subtração. Domingos era filho de Joaquim José Ribeiro Martins, nascido no Espírito Santo, e de D. Joana Luisa de Santa Clara Martins, nascida na Bahia e de família bahiana importante; ambos, inclusive, eram primos.

O casamento foi acertado em Salvador, mas a cerimônia parece ter sido realizada em Vitória, onde Joaquim Martins era Oficial da Tropa de Linha da Guarnição. Logo após o casamento, segundo depoimentos colhidos por Daemon, Joaquim Martins foi para Itapemirim, destacado como oficial comandante da tropa local, com o posto de Porta Bandeira que, fazendo analogia com as patentes "quase atuais" e atuais, seria o equivalente a Alferes, hoje Tenente. Levou consigo a sua mulher, e foi lá que ela deu a luz a Domingos José Martins. Concluído o tempo de serviço na guarnição, Joaquim retornou para Vitória, onde se estabeleceu com comércio. No princípio dos anos 1800 já estava estabelecido na capital da (ainda) Capitania, com sua casa e com seu negócio, como atesta Daemon.

Há ainda certa dúvida em quanto tempo Domingos Martins residiu em Caxangá/Itapemirim. Uns afirmam que, com menos de um ano de idade, foi remetido para Salvador, juntamente com sua mãe; o que não parece verossímel, considerando que nos anos seguintes nasceram vários de seus irmãos, e que seu pai continuava integrado como oficial da tropa de linha. Outros dizem que passou parte da infância em Itapemirim, e depois em Vitória. Fato é que, cedo, assim que atingiu a idade de iniciar a sua educação, foi mandado para fora do Espírito Santo. Esteve estudando em Salvador e em Lisboa. Quando formado, retornou para Vitória, onde ficou por pouco tempo; estabeleceu-se, entre 1810 e 1812, como comerciante em Salvador, caminho também seguido pelo seu pai pouco depois, por influência da família bahiana de sua mãe. Em 1814, Domingos Martins mudou-se para Recife, onde continuou trabalhando com comércio. As datas todas são de Daemon.

E aí voltamos com nossa questão. Reiterando: teria, realmente, Domingos Martins nascido naquele Quartel situado no alto das falésias, perto da praia de Boa Vista? Eu penso que não. E a fundamentação segue agora.


LOCALIDADE DO NASCIMENTO

Primeiramente, está o fato dos autores mais antigos atestarem a localidade do nascimento de Domingos. Citam, taxativamente, o povoado de Caxangá. Caxangá era a denominação de um sítio, e também de uma povoação localizada nas proximidades do que se tornaria a primitiva sede da Freguesia de Nossa Senhora do Amparo de Itapemirim, em 1771. Por alguns bons anos, Caxangá e Itapemirim foram núcleos distintos, embora muitíssimo próximos. Em 1776 há documento que prova que os dois núcleos eram povoados diversos. A sede da Freguesia era em Itapemirim, e com o passar dos anos as duas povoações se fundiram. Mas por muitos anos, ainda, os mais antigos usavam o nome Caxangá para denominar Itapemirim. Mais ou menos como hoje, quando se fala Marapé ao invés de Atílio Vivacqua. Desde 1791, pelo menos, todo o território da Freguesia de Nossa Senhora do Amparo era chamado de Districto de Itapemirim, na organização militar da então Capitania.

Assim, ao taxar Caxangá, ao invés de Itapemirim, como local do nascimento, esses autores mais antigos estabelecem um vínculo com a localidade de Caxangá, o núcleo "caxanguense". Caxangá nunca foi sede de Freguesia. Os povoados se fundiram, mas a tradição de se cognominar "Caxangá" a uma parte da sede da Freguesia de Itapemirim persistiu por muitos e muitos anos. Tivessem citado seu nascimento em Itapemirim, ao invés de Caxangá, aí seria aberta a hipótese de Domingos Martins ter nascido fora do núcleo da sede, uma vez que a Freguesia de Itapemirim era integrada por um território que englobava boa parte do sul do nosso Estado. Os Quartéis, por exemplo, estavam situados no território da Freguesia de Nossa Senhora do Amparo, só que a três léguas de distância da sede. Mas eles citam "Caxangá", ao invés de "Quartéis". Ambas eram localidades distintas, dentro da Freguesia de Itapemirim.


ANO DE NASCIMENTO

Agora, o ano. O ano de nascimento de Domingos Martins (1781), que é incontroverso, é o maior indício de que nosso mártir não nasceu dentro de um Quartel. Já seria muito estranho, claro, que um Oficial da Tropa de Linha, destacado para comandar um Quartel literalmente "no meio do nada" e sob constante ameaça de ataque dos índios puris, levasse sua esposa/prima, filha de família rica em Salvador, para ir viver com ele nessa instalação. Efetivamente, o referido Quartel sofreu várias incurções de índios puris no início do século XIX. Também há o fato de que oficiais e praças em serviço nos destacamentos de Quartéis de estradas, isso no início do século XIX, não podiam levar família consigo.

Iria um Oficial comandante, além de levar sua esposa para um Quartel perigoso, permitir que a mesma desce a luz ao seu primeiro filho em local tão ermo e sem condições? E no meio de vários praças, gente simples e rude? E com índios hostis no entorno? Ah, não creio! Ao aproximar-se o dia do nascimento, e isso no caso de Dona Joana ter realmente vivido parte de sua gravidez no Quartel, teria ele remetido sua esposa/prima de família rica soteropolitana para o Povoado, onde haveria parteira e cuidados. Os defensores do nascimento no Quartel teriam que supor que o Porta Bandeira Joaquim Martins fosse meio "lé-lé da cuca"... poxa, mas o seu apelido era "Bem-bem"...! =)

Mas essa fundamentação acima é facilmente desqualificada. Basta alguém dizer: "Sim, o Porta Bandeira Joaquim Martins, fiel cumpridor de seu dever militar e esposo dedicado, que não queria ter sua mulher longe tendo casado a tão pouco tempo (mesmo estando grávida), e que queria presenciar o nascimento de seu primeiro rebento, chamou uma parteira e colocou os praças em vigília enquanto se processava o nascimento".

Mas aí vem outro problema. É que em 1781, quando incontroversamente nasceu Domingos Martins, ainda não existia Quartel construído naquela localidade. O Quartel referido, chamado de Boa Vista, também conhecido como Barreiras, foi construído somente depois do massacre de 1810, quando os índios puris, além e depois de realizarem vários ataques em Muribeca e em Itapemirim, mataram quase todos os integrantes de um pequeno grupo de pessoas que transitava pela estrada entre as duas localidades citadas. E foi só na época do Governo Silva Pontes (1800-1804) que foram criados os primeiros destacamentos de pedestres e os primeiros quartéis com tropa de linha para defesa das estradas e propriedades contra o ataque do "gentio botocudo" no norte.

Como poderia o pai de Domingos Martins estar comandando um Quartel que ainda não existia? Assim, o Porta Bandeira Joaquim Ribeiro Martins, Oficial de 1ª Linha da Guarnição da Capitania, que realmente comandou uma das cinco Companhias do Terço de Ordenança com sede em Guarapari, no caso a Companhia do Disctricto de Itapemirim, não poderia estar com sua mulher no Quartel de Boa Vista, ou das Barreiras, como queiram. Simplesmente porque este não existia.

Esteve, sim, com sua esposa, na sede da Freguesia de Nossa Senhora do Amparo de Itapemirim, comandando o destacamento da Companhia local do Terço de Ordenança que policiava e protegia o sul do Estado. Ou Caxangá, como ainda falavam os moradores locais. Quando o Quartel foi contruído, Joaquim Martins já estava morando em Vitória, tendo cumprido seu tempo de serviço como militar e vivendo de seu comércio na rua das Flores.


O MOTIVO DA CONFUSÃO

Em minha opinião, essa "confusão" sobre o local de nascimento de Domingos Martins foi produzida, sem má-fé, por um dos melhores e mais aprofundados trabalhos sobre a vida de nosso mártir. Norbertino Bahiense publicou seu livro "Domingos Martins e a Revolução Pernambucana de 1817" no ano de 1974. Esteve em Itapemirim, onde em 1971 entrevistou-se com o proprietário das terras que um dia sediaram o Quartel de Boa Vista. Esse morador, já idoso, mas mesmo assim nascido 120 anos depois de Domingos Martins, acabou induzindo Bahiense ao erro, após prestar seu depoimento. Interessantemente, este morador disse que o próprio Domingos Martins havia comandado o Quartel, fato que Bahiense sabia ser errôneo; mas, dando crédito ao depoimento, apenas "corrigiu" o nome do comandante - trocou Domingos e colocou Joaquim.

Como a tropa comandada por Joaquim Martins, em Itapemirim e em 1781, era destinada ao policiamento local e à defesa contra ataques dos índios, como Domingos Martins havia nascido em Itapemirim, e como o Quartel contruído mais de vinte anos depois tinha como função específica a defesa e o suporte do patrulhamento da estrada contra ataques de silvícolas, o povo local, com o passar dos anos, foi misturando os fatos. As ruínas do Quartel de Boa Vista ainda existiam na década de 1950, o que devia aumentar ainda mais a confusão - afinal, como disse eu mais acima, os residentes locais atestavam que Domingos Martins não havia só nascido no Quartel, mas sim que o próprio havia comandado o mesmo!


É isso aí. Tenho dito. Até que alguém me contradite. =)

Gerson Moraes França