domingo, 22 de fevereiro de 2015

O Boi Pintadinho de Muqui

Caro leitor, esse é um post informal. Não tratarei aqui, minuciosamente, do boi pintadinho de Muqui. Falarei apenas de minha experiência pessoal, que levou-me a pesquisar mais à fundo sobre essa manifestação popular folclórica. É apenas um registro, que resolvi tombar para que fique guardado.

Minha primeira experiência pessoal com o boi pintadinho foi na infância. Não posso precisar a data, mas certamente foi no comecinho da década de 1980. Foi em Muqui, aonde residiam meus avós maternos e aonde eu costumava passar algumas de minhas férias. Foi uma experiência bem rápida. Só lembro-me de ver o boi rodopiando sem parar, e de uma pequena turba ao seu redor, com crianças correndo das investidas.

Depois disso, nunca mais vi o boi. Eu não costumava passar os carnavais em Muqui. Lembro-me que, nessa época de infância, passávamos o carnaval em Iriri e, vez ou outra, em Conceição da Barra.

Passaram-se muitos anos, até que me interessei pelo assunto. Eu já conhecia o boi pintadinho por causa das publicações de jornais e outras mídias. Mas eu continuei não passando o carnaval em Muqui. Meu interesse maior por pesquisar e estudar o boi pintadinho deu-se já quando estava cursando minha graduação em História. Foi no início de 2013. Lembro-me de conversar com um professor sobre o assunto, e de essa conversa ter me despertado o interesse por conhecer melhor esse folguedo folclórico.

Foram dois anos de pesquisas. Li tudo o que consegui encontrar sobre o boi. Passei dois carnavais em Muqui, aonde ocorre a folia do boi. Elaborei teorias, fucei aqui e ali, fiz quadros comparativos e estatísticos. Li pesquisas de estudantes e textos de memorialistas. Vasculhei arquivos de jornais. Vi documentários. Enfim, pesquisei à fundo o tema. E, dessa pesquisa, "descobri" muita coisa bacana.

E agora, nesse ano de 2015, espero escrever e, quiçá, publicar um livro à respeito. E desde já adianto: virão algumas novidades. Quando surgiu o boi? Em que lugar? Quando o boi chegou ao Espírito Santo? Quem o trouxe, e de onde? Essas e outras perguntas eu responderei em meu trabalho. É claro que se tratam de teses, mas estão todas elas muito bem fundamentadas.

Grande abraço à todos.
Gerson Moraes França

terça-feira, 10 de fevereiro de 2015

A Origem do Futebol em Mimoso do Sul

A história da origem do futebol em Mimoso do Sul foi registrada, pela primeira vez, na famosa obra "Mimoso do Sul, um Município em Revista", de 1951, sob a direção de Ormando de Moraes e de Newton Braga. Praticamente todos os textos posteriores, que tocaram nessa matéria, usaram (e ainda usam) desse belo trabalho para retratar o início da prática do futebol e a fundação dos primeiros clubes em Mimoso. Quando foi publicada, havia mais de trinta anos que o futebol era praticado na cidade. Desse modo, muito do que foi escrito sobre as origens desse esporte em Mimoso foi baseado em memórias dos que presenciaram, ou escutaram os relatos dos que vivenciaram aqueles tempos primeiros do futebol. Na matéria da revista, o informante principal foi o sr. Augusto Monteiro de Castro, que "era um dos garotos que corriam ávidos para apanhar a bola" nos idos de 1914/18.

As memórias são uma excelente fonte para a pesquisa histórica. Mas as memórias, às vezes, são incertas; a passagem do tempo apaga, algumas vezes, dados mais precisos. No caso do surgimento do futebol em Mimoso do Sul, as memórias resgataram dois fatos principais. Um deles foi a "chegada" do esporte em Mimoso, "na época da guerra 1914/18", quando "uns holandeses que costumavam ir à São José das Torres para explorar turfas (...) ficavam batendo bola na rua". Outro foi o surgimento do primeiro clube de futebol local, assim descrito na matéria: "Quando os holandeses deixaram de aparecer ficou a ideia da fundação de um clube de futebol e foi então que surgiu o Mimosense F.C., por volta de 1918 e 1920, incentivado principalmente pelo médico Dr. Esperidião de Góis Lima".

Assim, em síntese, e de acordo com as memórias resgatadas e registradas na obra, podemos dizer que o futebol chegou em Mimoso entre 1914 e 1918, trazido por holandeses, e que, quando eles não mais voltaram, surgiu a ideia de se fundar um clube de futebol, que teria sido criado entre 1918 e 1920 com o incentivo de um médico chamado Esperidião. Foi à partir desses fatos que, então, resolvi pesquisar mais à fundo sobre o assunto, na intenção de ter dados mais precisos sobre a "chegada" do futebol em Mimoso, e sobre a fundação do primeiro clube de futebol local.

TURFAS, HOLANDESES E A CHEGADA DO FUTEBOL

Assim diz a matéria de 1951 sobre a chegada do esporte em Mimoso: "A primeira vez que Mimoso viu homens brincarem com uma bola de couro impulsionando-as com os pés, foi na época da guerra 1914/1918. Todo sábado, pelo noturno da Leopoldina, chegavam do Rio uns holandeses que costumavam ir à São José das Torres para explorar turfas. Hospedavam-se no hotel do Deoclécio Paiva e enquanto esperavam condução, (naquele tempo animais), ficavam batendo bola na rua, para grande admiração do povo que juntava em volta".

Assim, resolvi pesquisar. Teriam mesmo vindo holandeses para Mimoso? E, se sim, quando foi que esses holandeses começaram a frequentar Mimoso? Teria sido na época da primeira guerra? E abaixo está a conclusão, baseada em documentação, referendando o que o sr. Augusto Monteiro de Castro narrou aos repórteres da revista.

Durante a primeira guerra mundial houve uma mudança no comércio entre o Brasil e os países envolvidos no conflito. Bens importados pelo Brasil, como o carvão, que servia principalmente como combustível, escassearam devido ao esforço de guerra. Assim, premido pelas circunstâncias do conflito, o Brasil precisou encontrar outras fontes de combustível. E uma delas era a turfa.

Em 1913, antes de começar a guerra, um engenheiro belga chamado Emilio Lecoq estudou as jazidas de turfas, ou turfeiras, de São José das Torres, então distrito do Município de São Pedro de Itabapoana, da qual Mimoso também era distrito. Remeteu amostras para a Bélgica e Alemanha, onde constatou-se que as turfas de Torres eram altamente comburentes e de ótima qualidade. E, além de boa fonte de combustível, eram jazidas de grande largura e extensão e de fácil escoamento, seja através do do Rio Preto e do Itabapoana, seja através da estação ferroviária da Leopoldina em Mimoso, distante 23 quilômetros das jazidas. Lecoq conseguiu a concessão do Estado para explorar essas jazidas, mas seus planos foram por "água abaixo" no ano seguinte, quando começou a grande guerra e sua empresa na Bélgica não pôde enviar capitais e técnicos.

Diante do problema da escassez e do aumento de preço do carvão no mercado internacional, o Brasil passou a procurar fontes de combustível classificadas como "prata da casa", ou seja, locais. E as turfeiras de Torres "voltaram à baila"; suas jazidas eram as maiores e mais ricas até então conhecidas no país. Essa discussão teve início em julho de 1916. Em novembro do mesmo ano, o Estado aprovou uma lei regulando a exploração e o comércio da turfa de Torres como combustível, concessionando o industrial e comendador Antonio Luiz da Silva, residente no Rio de Janeiro e então proprietário da maior parte das jazidas. A concessão, com o privilégio de vinte e seis anos, implicava a construção e instalação de usinas e maquinismos para beneficiar a turfa.

Assim, em 21 de dezembro de 1916 foi constituída, no Rio de Janeiro, a empresa "The Rio Preto das Torres Land Company", que tinha como sócios o comendador, além de José Olympio de Abreu (então residente em Ponte do Itabapoana) e de João Carlos Cabral, Antonio Rolim Nunes de Azevedo e Domingos de Souza Barbosa (estes todos fazendeiros com terras em São José das Torres). Participavam da empresa, como técnicos administrativos, Carl Christian Stokle e Jacomo Arthur Gleck. Em março de 1917 começaram os primeiros trabalhos de exploração. Foi aí que apareceram os tais "holandeses" que jogavam bola em Mimoso enquanto esperavam condução para Torres.

A empresa, porém, não foi para frente. Em 1918 encerrava-se a guerra, e o fornecimento estrangeiro de combustível voltava a normalidade. Em fevereiro de 1919, o Estado ainda prorrogou em quinze meses o prazo para a "The Rio Preto das Torres Land Company" montar os maquinismos para o processamento da turfa, que até então não haviam sido concluídos. Em maio de 1920, o governo concede por mais um ano a  prorrogação do prazo estabelecido em 1919. A empresa nunca cumpriu os prazos, e nem concluiu suas usinas e maquinismos.

Concluindo. As memórias do sr. Augusto Monteiro de Castro foram corroboradas pela pesquisa documental. Foi, sim, durante a primeira guerra mundial que os estrangeiros estiveram em Mimoso. Resta saber se eram holandeses, belgas ou ambos. E com a pesquisa, podemos afirmar que começaram a frequentar Mimoso por volta de março de 1917; e que foram embora entre 1918 e 1920, possivelmente em 1919.

O MÉDICO E A FUNDAÇÃO DO CLUBE

Relembrando o que a revista de 1951 narrou sobre a fundação do primeiro clube de futebol de Mimoso: "Quando os holandeses deixaram de aparecer ficou a ideia da fundação de um clube de futebol e foi então que surgiu o Mimosense F.C., por volta de 1918 e 1920, incentivado principalmente pelo médico Dr. Esperidião de Góis Lima".

A matéria informa que foi um médico, acima citado, o principal incentivador da fundação do Mimosense Foot-ball Club. E informa que tal fato teria ocorrido entre 1918 e 1920. Em minhas pesquisas, não encontrava o nome desse médico. Até que percebi que houve um lapso na memória do informante dos repórteres. O sobrenome do Dr. Esperidião não era "Góis", mas sim, "Queiroz".

O Dr. Esperidião de Queiroz Lima, tio da escritora Rachel de Queiroz, nasceu em Quixadá, Ceará, no ano de 1880. Formou-se em medicina pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro no ano de 1903. Em 1904, resolveu clinicar no Amazonas e no Acre, onde residiu até 1911. Foi nomeado para o cargo de médico do Serviço da Indústria Pastoril no Pará, órgão ligado ao Ministério da Agricultura, de onde mais tarde foi transferido para Minas Gerais, e depois para o Rio de Janeiro. Foi escritor e pesquisador, com muitos trabalhos científicos reconhecidos.

Especializado em veterinária, o Dr. Esperidião foi transferido para o Espírito Santo em 1920, à pedido dos criadores de gado do Estado. Fixou residência no povoado de Mimoso, distrito do Município de São Pedro do Itabapoana, em março de 1920. Residiu em Mimoso até setembro de 1921, quando mudou-se para Vitória e, em janeiro de 1922, foi designado para dirigir o Posto de Profilaxia Rural da Vila de Linhares, então recentemente instalado. Anos mais tarde, também trabalhou em São Paulo, Mato Grosso e Santa Catarina. Faleceu no Rio de Janeiro, em 1967.

Durante sua curta estada em Mimoso, dirigiu obras de saneamento e de desobstrução dos rios Muqui do Sul e Preto. E foi nesse ano e meio de residência em Mimoso que o Dr. Esperidião incentivou a fundação do primeiro clube de futebol local. As memórias do sr. Augusto Monteiro de Castro foram, mais uma vez, importantíssimas para o estabelecimento da uma data mais específica para a fundação do Mimosense Foot-ball Club. Isso porque, de acordo com ele, a fundação teria ocorrido entre 1918 e 1920; e, citando o nome do Dr. Esperidião Lima, mesmo que não tenha se recordado do sobrenome correto (conforme vimos, confundiu "Queiroz" com "Góis"), o Sr. Augusto nos presenteou com uma informação que nos faz ter quase certeza que o clube foi fundado, portanto, no ano de 1920. É claro, depois de março, que foi quando o Dr. Esperidião fixou residência em Mimoso. É possível que tenha sido fundado, também, no ano de 1921, antes de setembro, que foi quando o Dr. Esperidião deixou o povoado. Mas, diante da boa memória do sr. Augusto, prefiro fiar o ano de 1920, embora o de 1921 também seja plausível. O primeiro registro conhecido de uma partida do Mimosense FC, que foi a sua primeira fora de Mimoso, conforme narrei em outro artigo, é de dezembro de 1921.

HELCIO PAIVA NO MIMOSENSE FC

Aproveitarei o presente artigo, também, para complementar o artigo anterior do BLOG, onde tratei de um dos maiores futebolistas mimosenses de todos os tempos: Helcio Paiva, No texto, assim escrevi sobre as primeiras partidas conhecidas do Mimosense FC: "Não sabemos se Helcio presenciou, ou mesmo se jogou, essas partidas. Estaria com seus dezenove anos, nessa época".

Pois bem, retrato-me: Helcio Paiva, que na citada revista de 1951 era classificado como "sem dúvida o maior jogador que o Espírito Santo produziu em todos os tempos", e de acordo com os informantes consultados por Ormando Moraes e Newton Braga, "Começou jogando pelo Mimosense ao lado de Ibraim, por muitos considerado superior a ele. Depois foram esses dois zagueiros para o Mangueira do Rio, na ocasião clube de destaque na capital".

Assim, fica certificado que o começo da carreira do zagueiro Helcio Paiva foi no Mimosense Foot-ball Club, clube de futebol fundado em Mimoso provavelmente em 1920.

Em tempo: na década de 1910, o foot-ball "estava na moda" no Espírito Santo. Muitas associações informais para a prática do esporte, inorgânicas, foram criadas. Times de empregados de uma empresa, de ferroviários, ou mesmo de bairros, surgiam e desapareciam. Algumas associações, mesmo que constituídas em clube, não prosperaram. Esse foi o caso dos dois primeiros clubes fundados no antigo município de São Pedro de Itabapoana, do qual o povoado de Mimoso era distrito. A presente matéria trata da "chegada" do futebol e da fundação do primeiro clube no núcleo urbano de Mimoso. Antes disso, conforme dissemos, outros dois clubes já haviam sido fundados no Município: o FC São Pedrense (1913), na sede de São Pedro do Itabapoana, e o Democrata FC (1915), no distrito de Antônio Caetano (atual sede do Município de Apiacá); o que presume que, nessas localidades, já havia quem praticasse o esporte. Esses "clubes", ao que tudo indica, funcionaram apenas como locais para a prática do futebol de seus associados, sem realizar partidas contra outros clubes. Desconhece-se quando foram desativados, mas presumo que tenha sido na década de 1920.


Gerson Moraes França


Fontes:
Mimoso do Sul, um Município em Revista. 1951. Ormando de Moraes e Newton Braga
1001 Cearenses Notáveis. 1996. F. Silva Nobre.
Jornal O Diário da Manhã. Décadas de 1910 e 1920.
Blog Alma Acreana - Uma Doce Cobiça. 2012. José Augusto de Castro e Costa.
História do Antigo Município de São Pedro do Itabapoana. 1961. Grinalson Medina.