terça-feira, 8 de abril de 2014

Geraldo Procópio, o Morcego.


A equipe que capturou e baleou Geraldo Procópio, junto com o Delegado de Polícia.

Até que ponto os mitos populares enraízam-se na memória coletiva de uma comunidade, e se reproduzem em tempos posteriores com novos agentes?

Na Mimoso do Sul da década de 1930 um criminoso fez história, e sua fama ainda corria muito tempo depois de seu desaparecimento. José Calango, diziam todos, tinha "parte com o tinhoso" e o corpo fechado para arma de qualquer espécie. As balas eram inofensivas para ele. Dizia-se que o danado do caboclo, "maneto e esperto", evaporava-se diante da polícia e que ele tinha "dado uma das mãos ao capeta".

O surgimento desses mitos está diretamente relacionado com as crenças e superstições popularescas, e não costumam ser rechaçadas pelas autoridades. Afinal, a crença de que um delinquente tem "pacto com o diabo" justifica, perante os olhos do povo, o insucesso das autoridades em capturar o criminoso.

Na década de 1960 um outro criminoso "tomou o lugar" de José Calango, transmutando-se para a sua pele o mito que fez a fama do primeiro citado a ponto de suas desventuras sumirem da memória coletiva da comunidade. O mito popular manteve-se, mas com novo agente. Trata-se de Geraldo Procópio, o Geraldão, que a imprensa cognominou de "Morcego".

O povo simples dizia que Geraldo tinha "parte com o diabo", e que também evaporava-se diante da policia, transformando-se em algum animal. O apelido dado pela imprensa, "Morcego", foi decorrente dessa fama de se transmutar em bicho. Dizia-se que as balas não o abatiam e que, como José Calango, tinha o corpo fechado.

Geraldo Procópio ficou conhecido por matar moças e crianças, quase sempre usando uma machadinha, e arrancar partes dos corpos com os próprios dentes. Seu primeiro crime ocorreu em 1958, quando em um baile matou a punhaladas uma moça que se recusou a dançar com ele. Preso em flagrante, foi condenado a 20 anos de prisão. Cumpria a pena na Penitenciária de Vitória quando, em fins de junho de 1964, fugiu da cadeia pelo esgoto da prisão.

Após a fuga esteve em Caxias e em Colatina, e nesta ultima cidade matou mais duas moças, profanando os cadáveres e arrancando pedaços dos corpos a dentadas. Acabou voltando para Ponte de Itabapoana, distrito de Mimoso do Sul, onde passou a viver em uma toca, saindo a noite para caçar alimento e, também, vítimas. Após retornar à Mimoso, matou uma criança de 11 anos, decepando-lhe partes do corpo como costumava proceder. Este crime mobilizou toda a polícia de Mimoso do Sul.

Profundo conhecedor das matas do lugar, Procópio sempre conseguia furar os cercos que lhe eram impostos. Finalmente, foi localizado por uma equipe que o "caçava". Não reagiu ou resistiu à prisão, mas mesmo assim levou nove tiros. Baleado, foi transportado com vida para a cadeia. Na prisão, pediu a presença do padre vigário da Matriz de São José. Atendido, confessou-se. Quando o sacerdote se retirou, Procópio pediu aos que o rodeavam que o sangrassem, insistindo que, caso contrário, não morreria. Por fim, uma pessoa que lá estava o sacrificou com uma punhalada pouco abaixo do pescoço.

Foto de Geraldo Procópio, já alvejado e abatido.


Quando a notícia da morte de Procópio circulou pelo lugar, o povo saiu às ruas dando "vivas". O corpo do criminoso ficou exposto em uma esteira, em frente à cadeia, e alguns populares fizeram questão de ver de perto o cadáver de quem em vida tivera "partes com o diabo". Geraldo Procópio estava com 26 anos de idade quando morreu, no dia 08 de setembro de 1964.

Como todo mito e alvo da crendice popular, a história de Geraldo Procópio tomou variantes formas. A que acima está descrita é o que poderíamos de chamar de "história oficial", tal como foi registrada pela imprensa e pelas autoridades.

Gerson Moraes França


EDIT (09 de abril de 2014):
O artigo que eu escrevi sobre o Geraldo Procópio teve dois objetivos principais. O primeiro foi retratar a história do "Morcego", como os jornais resolveram chamar o Procópio, sob a ótica da imprensa e das autoridades. O segundo foi colocar a questão interessante de que os "mitos", por vezes, são transmutados de agente em agente; na década de 1930 em Mimoso havia um "bandido" chamado José Calango, que tinha os mesmos "poderes" que Geraldo Procópio. Sua "fama" ainda era levantada no final da década de 1950. O "mito" continuou, mas agora com um novo agente (Procópio) que, por sua vez, eclipsou o agente (Calango) anterior. Por fim, não é intensão do artigo dizer qual a história "certa", mas apenas colocar uma ótica diversa, sob outro olhar, que é o olhar da imprensa e das autoridades da época; bem como fazer um paralelo entre os agentes (dois, Calango e Procópio) e o mito (um só - assassinos, pacto com o diabo, viram animais, etc), e mostrar como as autoridades coercitivas (polícia, delegado, etc) eram "coniventes" com a propagação do mito, já que isso "justificava" o insucesso inicial na captura do elemento. Sem falar que, ao capturarem o "agente do mito", as autoridades eram alçadas à posição de BEM, e que o BEM está acima do MAL e sempre vence. Vide as fotos do artigo, onde a equipe que o capturou é retratada como "vencedores", e o "delinquente" é exibido como troféu.