quarta-feira, 23 de setembro de 2015

São José das Torres - Histórias [Parte 4]

Tropa de burros para o transporte de cargas, em Castelo/ES.
Fonte da foto: Descubra Castelo [descubracastelo.com.br]

Confeccionar a história de uma localidade não é uma tarefa fácil. É preciso, além de pesquisar um recorte temporal de dezenas ou de uma centena de anos, fazer comparações no tempo e no espaço e dar sentido aos fatos espalhados. É o que estou tentando fazer ao escrever esses artigos sobre São José das Torres. Eu poderia apenas elencar e citar uma sucessão de acontecimentos, mas aí eu não estaria cumprindo o papel de um historiador; estaria executando o trabalho de um memorialista. Nada contra os memorialistas e suas sucessões de fatos; isso também é um trabalho importante e, por vezes, extenuante e difícil. Mas um pretenso historiador, como me intitulo, precisa ir mais além.

Na primeira metade da década de 1890, como já disse nos artigos que precederam a esse, iniciou-se a ocupação das porções norte e oeste das montanhas, vales e encostas do atual distrito de São José das Torres. Abrindo picadas, esses primeiros posseiros ou sitiantes galgaram o divisor de águas entre os rios Muqui do Sul e Preto e iniciaram o povoamento e a exploração dessa região. A força motriz que impulsionou esses pioneiros foi a aquisição de terras para a formações de lavouras cafeeiras, numa conjuntura de altos preços do café e relativa facilidade para a aquisição de propriedades numa região ainda coberta da mata virgem e de difícil acesso e precárias comunicações.

As primeiras abertas e derrubadas iniciaram-se ainda no começo da década de 1890, e até 1895 formaram-se algumas boas lavouras de café no meio das florestas que dominavam a região. Parcos capitais e dificuldades devido a pouca mão-de-obra disponível limitaram o alcance da inexorável marcha da "fronteira agrícola". A crise de 1895 entravou a expansão das lavouras cafeeiras, que permaneceram estáticas até cerca de 1910. A partir dessa data e até o final da década de 1920, a valorização do café e a facilidade para a aquisição de terras proporcionou a ocupação ou demarcação de quase todo o terreno.

Retornemos ao início desse processo de ocupação. Em 1898, portanto nos princípios do povoamento de São José das Torres, Dr. José Ribeiro Monteiro da Silva, proprietário das Fazendas do Belmonte e das Palmeiras, assim descrevia a situação da região de Torres:
"Subindo uma serra, a mais elevada e extensa para cá do mar, encontra-se um canto onde a natureza ainda não foi atingida pelo gume afiado do machado (...). As matas são frondosas (...). Nas Torres, lugar muito próximo da Estação do Mimoso e do rio Muquy do Sul, o Governo do Espírito Santo possui milhares de hectares de superiores terras, que vende a preços baixos e em lotes de 20 a 200 hectares; (...) Já existem alguns sítios onde se admira a corpulência do cafeeiro (...). Os fracos sitiantes, diante de tanta fertilidade, pouco fazem pela indolência da maioria dos habitantes, que vivem da caça e pesca, abundantes naquelas paragens, e por falta de capital. Por esse motivo, está muito atrasado e ignorado, e notam-se aqui e acolá acanhadas abertas parecendo pequenas ínsulas no meio do oceano. Nas encostas da serra, onde o terreno é mais fértil, a temperatura mais amena e a água mais abundante, sempre fresca e cristalina. (...) Torres fica distante apenas 18 quilômetros da estação do Mimoso, 12 do Muquy do Sul que é navegável, e 3 do rio Preto, também navegável; necessitando apenas de uma limpeza (...). As terras são virgens e ricas em húmus, e comportam centenas de famílias. Nas matas não faltam as mais apreciadas madeiras de construção e móveis; (...)"

Na época que Monteiro da Silva fez esse escrito sobre Torres, os primeiros cafezais plantados na região estavam dando suas primeiras safras. Ainda eram poucos e pequenos os sítios e as lavouras, se comparados com as fazendas e os cafezais da zona central do município de São Pedro do Itabapoana. Importante informar que a região de Torres pertencia ao distrito de Mimoso, criado em 1892.

Cerca de dez anos depois, em 1909, Geraldo de Azevedo Vianna, da Comissão de Terras e Colonização do Estado, discorreria sobre Torres. Nessa ocasião, São José das Torres já era um distrito do município de São Pedro; foi criado em 1901:
"Aqui no sul do Estado, uma importante zona em terras devolutas, que oferece enormes vantagens a qualquer gênero de cultura, se acha quase deserta e desconhecida em São José das Torres (...). A falta de estradas que deem comunicação com estação de estrada de ferro e pontos comerciais, e quiçá o preço das terras estabelecido pelo decreto (...) de 1894 e pela Lei (...) de 1908, em desacordo com a depreciação oriunda da crise de desvalorização que sofrem os produtos agrícolas, tudo isso tem concorrido para o inaproveitamento de um terreno de grande e incontestável valor produtivo. É óbvio que somente as circunstâncias aludidas justificam a existência de grande área sem um só habitante, possuindo assim perfeitamente conservadas as suas matas (...). Estes terrenos são banhados por vários córregos tributários do rio Preto (...). Situados a sudeste de uma cordilheira de serras que se estende de nordeste para o sudoeste, partindo do vale do Itapemirim e terminando no vale do Itabapoana (...) esses terrenos dividem-se, quanto a altitude, clima e configuração topográfica, em três categorias: a primeira, montanhosa, onde é relativamente pequena a área de terras devolutas por já existirem nessa parte várias posses legítimas; a segunda, uma grande planície com declive suave entrecortada de pequenos serrotes que se ramificam do terreno montanhoso em sentido paralelo com os mananciais; a terceira, planície marginal do rio Preto (...) que se prolonga até as respectivas fozes. (...)"

Nesse escrito, Geraldo Vianna constata que a depreciação dos preços do café, ainda não totalmente superada, brecava o desenvolvimento da região das Torres. As porções montanhosas e das encostas já estavam, porém, em boa parte ocupadas ou demarcadas, embora sua exploração ainda fosse incipiente e as propriedades tivessem enormes porções de matas virgens; algumas delas, considerando o recrudescimento dos pedidos de compra de terras devolutas ou de legitimações de posses verificadas a partir desse ano de 1909, ainda não tinham nem mesmo uma aberta. Isso demonstra que, mesmo com a crise de preços do café que durou de 1895 até cerca de 1910, a região montanhosa e de encostas continuou sendo requerida, comprada ou posseada, embora não tenha ocorrido a formação de novas lavouras cafeeiras. 

Em 1910, a produção de café do distrito de São José das Torres era de seis mil arrobas, metade do que se produzia no distrito de Mimoso (doze mil arrobas), e menos de dez porcento do que se produzia no distrito-sede de São Pedro (noventa mil arrobas) e no distrito de Conceição do Muqui (oitenta mil arrobas). Seu transbordo se dava através de caminhos ruins onde transitavam tropas de burros, e que demandavam as estações ferroviárias de Mimoso e de Muqui. Nesse mesmo ano, reiterava Monteiro da Silva que "nas cabeceiras do rio Preto, nos lugares conhecidos por Santa Rosa e São José das Torres ainda existem grandes matas virgens". Em 1912, o município ainda possuía muitas matas virgens em todo o seu território, sobressaindo-se porém as matas de São José das Torres com sua variada fauna. Entre as montanhas e encostas da serra das Torres e as margens do rio Itabapoana, quedava-se inculta e quase sem exploração uma extensa zona da planície, onde já se constatara a existência de grandes jazidas de turfas. Nesse mesmo ano, nas margens do rio Itabapoana, já existiam dez boas fazendas de gado, que pastavam nos campos nativos da região. Esse gado era exportado para Vitória e Campos, por terra, levando de seis a oito dias para chegar à primeira cidade, e de três a quatro dias para chegar à segunda. De Campos, o gado também era encaminhado, por via férrea, para Niterói.

No início da década de 1910 reinicia-se o processo de expansão da zona cafeeira em São José das Torres, com o aumento progressivo das lavoras de café e a abertura de novos sítios e fazendas. Esse processo estendeu-se ininterruptamente até o final da década de 1920, quando a crise de 1929 estancou a formação de novas lavouras por alguns anos. Já na década de 1920 as criações de gado começaram a subir o rio Preto, aproveitando suas pastagens naturais; e da década de 1930 em diante, iniciam-se as derrubadas para a formação de novas zonas de pastagens nas partes intermediárias. Na segunda metade da década de 1940 e no início da década de 1950 houve um aumento das lavouras cafeeiras na região montanhosa que, apesar da intensa exploração, ainda mantinha grandes regiões de matas virgens, enquanto os cafezais mais velhos da zona intermediária foram dando lugar, vagarosamente, às pastagens. Na metade da década de 1950 a expansão de novas lavouras cafeeiras na zona montanhosa cessou por causa da baixa dos preços do café, e na segunda metade de década de 1960 foram erradicados milhares de pés de café em toda a região. Foi depois da erradicação dos cafezais pouco produtivos que iniciou-se o cultivo intensivo e comercial da banana, em finais dos anos 1960 e inícios da década de 1970, bem como ensaiaram-se as primeiras extrações de mármore e granito na região.

Mas aí estamos tratando da história mais recente, que foge ao propósito dos meus artigos e avança para além do recorte temporal que escolhi para pesquisar e escrever.


Gerson Moraes França


Um comentário:

  1. E Imaginar que meu pai nesta época tinha terras e cafezais nesta região, e que criou treze filhos no entorno da localidade chamada Serrote.

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