quarta-feira, 23 de setembro de 2015

São José das Torres - Histórias [Parte 2]


Serra das Torres, divisora de águas das bacias dos rios Preto e Muqui do Sul
Fonte da foto: Geocosta [geocostan.webnode.com.br]

Vimos, no post anterior, que as terras que atualmente fazem parte do distrito de São José das Torres, parte integrante do município de Mimoso do Sul, tiveram timing's diferentes no que toca a sua ocupação e exploração, de acordo com as características geográficas de cada uma de suas regiões. A região baixa ao sul, nas margens do Itabapoana, começou a ser explorada na primeira metade da década de 1830, primeiramente com a atividade extrativista de madeiras. Na década de 1840, já havia algumas propriedades agrícolas nessa região, destacando-se a fazenda Santa Cruz, de propriedade do sanjoanense Antônio Gomes Guerra. Posteriormente, a atividade pecuária e a lavoura de mantimentos tomou alguma proporção, considerando que a lavoura cafeeira não rendia bons frutos nessa região.

Na década de 1860, Gomes Guerra ensaiou uma tentativa de explorar a região das encostas da serra das Torres que, porém, não foi a frente pois a morte o levou em 1869. A grande quantidade de terras virgens que ainda existiam na zona central de São Pedro do Itabapoana, já com vias de comunicação e consideradas mais próprias para a lavoura cafeeira, continuou atraindo os fazendeiros e seus capitais, em detrimento das zonas mais periféricas e de difícil acesso. Estagnava-se, assim, o esforço de penetração que, das margens do Itabapoana, tentara subir o rio Preto e ocupar as encostas da serra das Torres.

Por longos anos, a região montanhosa da serra que atualmente faz parte do distrito de São José das Torres permaneceria praticamente inexplorada, com suas densas e frondosas florestas dominando os cumes e os córregos das vertentes do rio Preto. Foi na década de 1890 que essa situação começou a mudar. Com a crescente valorização do café e a virtual ocupação de todos os terrenos da zona central de São Pedro do Itabapoana, a "marcha" da "fronteira agrícola" tomou o rumo do oeste, em busca das terras virgens que abundavam na serra das Torres e nas suas encostas orientais. É curioso, mas a ocupação das vertentes da margem norte do rio Itabapoana foram levadas a efeito do interior para o litoral. Assim, as terras altas mais orientais, que são as que se situam mais perto do mar, foram as últimas a serem colonizadas. Transpondo os vales entre as maiores elevações que servem como divisores de águas entre a bacia do rio Muqui do Sul e a do rio Preto, os primeiros posseiros tornaram-se sitiantes nessa zona.

Até o início da República, em 1889, todas as terras devolutas eram de "propriedade" do governo central, do Império (hoje, seria como se fossem da "União") e regulamentadas pela Lei de Terras de 1850 e seu regulamento de 1854. Era uma repartição imperial que legitimava, concedia, vendia e media as terras públicas. A partir da República, as terras devolutas passaram a ser de titularidade dos Estados, sucessores das antigas Províncias, e cada Estado passou a ser o gestor das terras públicas situadas em seus territórios. Adentrar na esfera das várias leis estaduais concernentes à concessão das terras públicas fugiria ao objeto do presente artigo, para além de estendê-lo demais. Ficaremos adstritos apenas aos fatos que interessam para contar o início da ocupação da região mais alta de São José das Torres.

Assim, como dissemos, foi na década de 1890 que iniciou-se o processo de ocupação e colonização das vertentes e cabeceiras do rio Preto e de seus afluentes. Importante fazer essa distinção, pois a serra da Torres não está situada somente em São José das Torres. Como foi relatado no artigo anterior, essa serra, em sua porção norte, serve de limite entre os atuais municípios de Mimoso do Sul, Muqui e Atílio Vivacqua. E, em toda a sua extensão no rumo norte-sul, essa cadeia de montanha serve como limite entre os distritos de São José das Torres e o distrito-sede de Mimoso do Sul. Suas bordas ocidentais foram exploradas antes, de acordo com a região. Na parte que bordeia o município de Atílio Vivacqua, a penetração começou nas décadas de 1860 e 1870. Nas encostas que estão no município de Muqui, sua exploração começou já no início da década de 1860. As encostas que ficam à leste, em terras do distrito-sede de Mimoso do Sul, foram exploradas nas décadas de 1860 e 1870. Foi a partir dessas zonas já ocupadas e exploradas, mesmo que escassamente povoadas e ainda com grandes porções de matas virgens, que abriram-se as primeiras picadas que, atravessando para o lado das encostas orientais, atingiriam as terras que atualmente fazem parte do distrito de São José das Torres.

Considerando a região que estamos historiando, e também considerando a geografia da serra das Torres e os padrões de penetração, exploração e ocupação da área, importa-nos focar nas áreas que serviram como "trampolim" para a colonização das vertentes do rio Preto. Pois foi esse processo que deu origem às primeiras situações e sítios das terras mais altas e mais ao norte que hoje pertencem à São José das Torres e que, por sua vez, deram origem à formação do primeiro arraial que, mais tarde, tornou-se o povoado e a vila que hoje é sede do distrito. A ocupação das regiões ao oeste da serra das Torres, portanto, é da época do Império; assim, explica-se o porquê da formação de grandes fazendas que tinham seus territórios subindo até as vertentes dos córregos que nascem na serra das Torres e que deságuam no rio Muqui do Sul, ou no rio Muqui do Norte. As fazendas Fortaleza e Taquasussú, em Muqui, e as fazendas do Belmonte, do Vinagre e da Pratinha, em Mimoso do Sul, são exemplos de grandes propriedades formadas ainda na época do Império, que tinham suas terras galgando as encostas ocidentais da serra das Torres.

A ocupação bem posterior da porção alta de São José das Torres, em relação às regiões ao oeste, também explica o porquê de não haver grandes fazendas com suas majestosas casas grandes, como há em Muqui e em Mimoso. Enquanto as fazendas do oeste da serra das Torres foram formadas na época do Império, com grandes extensões de terra e usando de mão-de-obra escrava, os sítios do leste da serra das Torres foram formados já na República, com limitações de tamanho e sem usar o trabalho servil. Sua exploração, conforme salientamos mais acima, iniciou-se timidamente no início da década de 1890. A valorização crescente do café, concorrendo com a expansão da "fronteira agrícola", bem como com a relativa liberalização do acesso às terras devolutas pertencentes ao Estado, foi responsável por dezenas de requerimentos de compras de terra em São José das Torres, bem como de medição e compra de posses estabelecidas antes mesmo de legitimadas.

A primeira medição de terras nas vertentes do Rio Preto das Torres deu-se em Flores, em terrenos anteriormente medidos para Antônio Gomes Guerra, à pedido do Dr. José Coelho dos Santos, adquiridas junto ao Estado em 1892 e com uma extensão de 20 alqueires, quase 50 hectares. Os requerimentos aumentaram desde então. Em 1894 e 1895 são dezenas de requerimentos, buscando comprar terras devolutas ou intentando adquirir as terras para legitimar posses já formadas. A legislação determinava os limites dessas aquisições: um mínimo de 20 hectares, e um máximo de 200 hectares. Mas da requisição para a exploração e ocupação eram "outros quinhentos". Em uma época aonde não mais existia o trabalho escravo, com pouquíssima mão-de-obra disponível, somente os que possuíam mais capitais é que conseguiam iniciar a exploração com mais rapidez. A propriedade comprada em 1892 pelo Dr. Coelho dos Santos, por exemplo, não chegou a ser explorada, e anos mais tarde seria vendida para Manoel Raymundo apenas com uma "aberta", que era uma pequena derrubada. Todavia, alguns sítios formaram-se usando da mão-de-obra da própria família, ou então usando um pequeno número de trabalhadores ou colonos.

Mas foi um fator externo que "freou" essas requisições e atravancou a exploração de muitas dessas propriedades. Em 1895, uma série crise de preços abateu-se sobre o café, exatamente quando formavam-se os primeiros sítios e fazendas na região de São José das Torres. Uma crise econômica nos Estados Unidos, então principal comprador do café brasileiro, justamente com a superprodução cafeeira, fez cair o preço do saco de café para níveis muito baixos. Desta data em diante as requisições e compras de terras devolutas diminuíram substancialmente, e por cerca de quinze anos nenhuma nova lavoura cafeeira foi formada em todo o município de São Pedro de Itabapoana. Até cerca de 1910, as propriedades e lavouras cafeeiras formadas em São José das Torres entre 1890 e 1895 foram as únicas que subsistiram. Muitos trabalhadores rurais, que trabalhavam principalmente "à meia", abandonaram as propriedades em que obravam. Muitos sítios passaram a produzir apenas mantimentos, e foi nessa ocasião que iniciou-se a cultura do arroz nas zonas irrigadas ou alagadas do sopé das serras.

Assim, essa primeira fase de ocupação e exploração foi bem tímida, se comparada ao "boom" que a região presenciaria a partir da década de 1910. Após a celebração do Convênio de Taubaté, os preços do café começaram a melhorar, tornando a lavoura cafeeira novamente atraente para se investir. Em 1909, as dezenas de requerimentos de compra de terras devolutas, ou de compra para legitimação de posses, recomeçam com vigor em São José das Torres. Atravessando a década de 1910, as compras ou concessões avolumam-se no início de década de 1920, no período de grande valorização do café. Em 1920, o distrito atingia dois mil e trezentos habitantes em toda a sua extensão. Ao final dessa última década, praticamente todo o território estava demarcado ou possuído, seja por propriedades que cultivavam o café, seja por propriedades que produziam arroz ou criavam gado.


Gerson Moraes França


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