terça-feira, 29 de junho de 2010

Agente(s) ianque(s) em Mimoso

Dez pessoas foram presas nos Estados Unidos, no último dia 27 de junho, acusadas de serem espiões russos. O décimo primeiro suspeito, que estava foragido, foi preso hoje no Chipre quando tentava embarcar para a Hungria; deverá ser extraditado nos próximos dias. Segundo os norte-americanos, os supostos espiões residiam nos Estados Unidos a muitos anos, vivendo como pessoas comuns, e seriam resquícios da época da "guerra fria".

Tal fato me fez lembrar de algo que pesquisei a pouco tempo, e que envolve suposta espionagem, fruto das "lutas ideológicas" da guerra fria, em Mimoso do Sul.

Sim, caro leitor! Os Estados Unidos da América mantiveram ao menos um "agente" em Mimoso do Sul, embora não seja possível ainda afirmar (e provar) até que ponto esta pessoa se imiscuiu em espionagem. Um fato, porém, é inconteste: análises de conjuntura ele certamente executou, e as remeteu ao seu país.


OS CORPOS DA PAZ

A vigilância e interferência ianque no Brasil durante a primeira metade dos anos de 1960 são matéria já bastante estudada e comprovada. Após a revolução em Cuba em 1959, e a permanente "ameaça comunista" na América Latina, os Estados Unidos adotaram políticas para frear qualquer avanço dos comunistas em seu "quintal". A atuação do IBAD nas eleições de 1962 com financiamento de campanhas, a participação de diplomatas norte-americanos na conspiração que derrubou Goulart em 1964, o plano para despachar uma esquadra da Marinha norte-americana caso houvesse guerra civil, dentre outras coisas mais, são fatos hoje já provados.

E uma das instituições norte-americanas que até hoje ainda causam alguma polêmica, no tocante à sua atuação no Brasil, são os Peace Corps, os "Corpos da Paz". Nascidas quando da assunção de Kennedy nos E.U.A. em 1960, eram uma espécie de coorporação de voluntários que iam residir em países do "terceiro mundo", para executarem ações de assistência, educação, sociais, dentre outros propósitos humanitários. Tinham objetivos humanistas e assistencialistas, embora defendendo o ideal liberal norte-americano contra as idéias comunistas.

Milhares de voluntários dos Corpos de Paz desembarcaram no Brasil, justamente na época que o Governo Goulart começou a radicalizar para a esquerda, na esteira de outros movimentos de caráter sindicalista ou comunista: 4.968 em 1962 e 2.463 em 1963, ano que o Governo começou à desconfiar da real intenção das Peace Corps e restringiu a concessão de vistos. Assim, muitos entendem que esses voluntários eram, na verdade, apenas fachada para uma operação de inteligência e infiltração muito mais elaborada. Hoje, sabe-se que muitos deles estavam realmente imboídos de espírito humanitário legítimo, embora pregando o ideal liberal norte-americano concomitante às suas ações de campo, fazendo um contraponto ao comunismo. Sabe-se também que, dentre eles, haviam também agentes e até espiões.


AS PEACE CORPS EM MIMOSO DO SUL

A primeira leva de voluntários dos Corpos da Paz que desembarcou no Estado do Espírito Santo chegou em março de 1963. Seus elementos foram treinados na Universidade do Novo México, e vieram para implementar no Estado o School Lunch Program, ou "Programa de Merenda Escolar". Depois foi implementado o Community Development Program, ou "Programa de Desenvolvimento da Comunidade", dentre outros mais. Os voluntários recebiam vultosa quantia em dinheiro para executar os programas, e se fala na cifra de 75 mil dólares mensais para alguns deles.

Em 1965, os Corpos da Paz enviaram para Mimoso do Sul um de seus voluntários. Era John Williams, treinado em junho de 1965 na Universidade de Georgetown, Washington D.C. Chegou em Mimoso no mesmo ano, para implementar os Programas de Merenda Escolar e de Desenvolvimento da Comunidade. Curiosamente, nessa época havia voluntários norte-americanos trabalhando em vários Municípios capixabas que possuíam importantes lideranças ligadas ao PTB, Partido Político do ex-Presidente deposto João Goulart.

No caso do Espírito Santo, 1965 foi um ano de sucessivas crises políticas, advindas das ações dos setores militares e civis mais radicais e contrários ao Governador Francisco Lacerda de Aguiar, o Chiquinho, aliado ao PTB. Esses setores denunciavam frequentemente desmandos e corrupção no Governo, buscando e forçando a destituição ou a renúncia de Chiquinho. O Vice-governador era, na ocasião, o mimosense Rubens Rangel, que foi presidente estadual do PTB.

Chiquinho não era comunista; embora seus opositores alegassem ligações suas com elementos esquerdistas, seu afastamento efetuou-se mais por uma questão de rivalidades políticas estaduais do que por alguma ligação ideológica com a esquerda. Rubens Rangel também não era esquerdista, e muito menos comunista; dentro do PTB, inclusive, fazia um contraponto com Ramon de Oliveira Netto, Deputado Federal do PTB cassado logo no primeiro ato do Governo Revolucionário. O fato de ter ficado contra as "reformas de base" de Goulart, e de ter apoiado Argilano Dario (PTB, depois um dos fundadores do MDB) para a Deputação Federal, em detrimento de Ramon de Oliveira, bem como os manifestos de apoio à Revolução de 1964 de seu grupo político mimosense, serviram para torná-lo "palatável" junto aos militares, que o engessaram, porém, com a imposição e a chancela do Secretariado.

Teria sido John Williams mandado à Mimoso do Sul com o objetivo de verificar a conjuntura política local, atrás de informações mais específicas sobre Rubens Rangel? Fato é que Chiquinho cedeu às pressões e renunciou em 1966, e Rubens Rangel assumiu o Governo com o aval dos militares e das forças civis ligadas à UDN e ao PSD. Na composição do Secretariado, o novo Governador formou uma equipe que contemplou essas forças, alocando militares e civis simpatizantes ou ligados ao "projeto revolucionário de 1964".

Em obra recente (Em nome da América - Os Corpos da Paz no Brasil), a escritora Cecília Azevedo cita um voluntário de nome John Breen, que foi remetido a Mimoso do Sul também em 1965. Seria ele o John Williams? Ou seria outro voluntário das Peace Corps em Mimoso? Seja qual for a resposta, fato é que ele presumia que sua alocação em Mimoso do Sul deveria ser por motivos político-ideológicos. Em carta que o mesmo despachou para os E.U.A., deixou ele claro que só conseguia imaginar como justificativa para sua missão na cidade a presença de um elemento soviético nas proximidades. Breen orgulhava-se por ser um "agente de propaganda do sistema americano", pois pregava genuinamente a democracia e a liberdade.

Abaixo segue trecho de suas declarações:

Eu sou simplesmente o embaixador dos EUA em Mimoso do Sul. (...) Tudo o que eu faço é o reflexo do meu povo e de meu país. Eu tenho que dar um bom exemplo 24 horas por dia. (...) Ninguém, incluindo eu próprio, pode apontar qualquer coisa que eu tenha feito por aqui e, ainda assim, eu tenho ouvido algumas declarações como essa: "John, quando você partir, nós vamos chorar e sentir sua falta". E eles são sinceros. Quando eu ouço isso, sinto que estou realizando algum tipo de missão, embora nunca tenha recebido nenhum treinamento para liderar uma "quadrilha" [dança de rua brasileira - adendo da autora] ao longo da rua principal, o que estarei fazendo neste sábado à noite, porque ninguém mais quer fazê-lo. Dessa forma, eu nunca sei para o que serei chamado em termos de promoção da amizade e boa vontade. O maior de todos os sacrifícios é abrir mão de toda a privacidade. (1)

A sua inserção na sociedade local, as suas atividades sociais, bem como a sua consciência de que ali estava para fazer contraponto aos ideais comunistas, em prol do ideal norte-americano, denotam claramente que, além de estar executando suas atribuições dos programas de assistência e de desenvolvimento, estava também executando uma missão de proselitismo e de vigilância. Não é possível afirmar que tenha desempenhado, também, missão de inteligência e/ou espionagem, mas é praticamente certo que tenha procedido com análises de conjuntura, enviando informes aos Estados Unidos.

Essa "missão dos agentes ianques" em Mimoso do Sul durou de 1965 a 1967. De espionagem e inteligência, ou não, o fato é que os Estados Unidos mantiveram em Mimoso do Sul um ou mais agentes das Forças da Paz em missão. E exatamente no conturbado período que Chiquinho resignou e que Rubens Rangel assumiu o Governo do Estado, o qual governou de 05 de abril de 1966 a 31 de janeiro de 1967.

FONTES -
Em nome da América: os Corpos da Paz no Brasil, 1999
Cecília Azevedo; Horácio Gutiérrez
(1) sobre voluntário em Mimoso: págs. 265 e 381
Outras obras sobre os Corpos da Paz no Brasil:
Raízes e rumos: perspectivas interdisciplinares em estudos americanos, 2001, Sonia Torres
Viagem incompleta: a experiência brasileira. A grande transação, 2000, Carlos Guilherme Mota
Site das Peace Corps que atuaram no Brasil:

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