quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Ossos do Ofício

Procurei um "título" melhor para esse post, mas foi esse aí que me veio à cabeça. Desculpe-me pela falta de criatividade, leitor. Mas eu sou daqueles que privilegia o corpo, e não liga muito para a a forma. Agrada-me mais o que há na leitura, do que um título bem formulado.

Após esse irrelevante e dispensável intróito, vamos lá.

É interessante como pesquisar a história, às vezes, é incômodo. Ao contrário daqueles que formulam hipóteses e buscam as fontes para confirmá-las (e, às vezes, até moldá-las para que se "encaixem" em suas teorias), eu prefiro fazer o caminho inverso: primeiro eu vou até as fontes, e depois, com base nas mesmas, eu formulo minhas hipóteses e teorias. E, nesse caminho, por vezes encontramos fatos e acontecimentos que desconstroem teorias já formuladas e arraigadas no espírito de uma pessoa, ou comunidade.

E é isso que, por vezes, gera incômodo em alguns. Ora, eu sempre primei por descobrir a "verdade histórica" das coisas. Hoje, estando já na metade do curso de História pela UFES, entendo que, de certo modo, não existe "uma" verdade, mas sim várias, dependendo do ponto de vista. De todo modo, esse relativismo não pode ser levado ao infinito. Há fatos que, por si só, encerram explicações lógicas que ficam à frente de qualquer "verdade" individual ou ideológica.

Quando tratamos de assuntos gerais, o incômodo bate naqueles que detém o "monopólio da verdade" na comunidade. Tendo construído, ou recebido por "osmose", uma explicação, os detentores da verdade ficam incomodados com qualquer desconstrução de suas verdades. Claro que isso não pode ser generalizado: há aqueles que enxergam essas inovações, ou reconstruções, com bons olhos. São os que querem saber a história tal como ocorreu (ou o mais próximo do que ocorreu), e são os apaixonados pela história. Às vezes, geram ricos debates. Não importa para eles se alguma verdade será desconstruída, ou algum ego será cutucado; querem saber, por simples questão de paixão pela história ou pelo conhecimento. Não cultuam verdades imutáveis, nem egos inflados. Já os teimosos detentores da verdade sentem-se ameaçados, ou algo do gênero; eu não sei ainda explicar o porquê dessas posturas, à não ser pelo caminho do culto do ego.

Quando tratamos de personalidades, aí a coisa pode se tornar até passional. Temos, em geral, o costume de elevar nossos antepassados em um pedestal imaculado, e cultuar uma memória sempre ilibada e progressista. Quando alguém mostra que uma personalidade é uma pessoa comum, como eu e você, e que às vezes essa personalidade tinha "defeitos", como todos têm, logo vem um "beiço de lado". E quando mostramos as "safadezas", ou as práticas não louváveis... sai de baixo. Já tive essa experiência algumas vezes, ao tratar de algumas personalidades. Seus "defensores" saem de qualquer sombra para preservar a memória do mesmo, como se ao mostrarmos o lado humano do suposto "titã" estivéssemos cometendo um sacrilégio, ou como se fôssemos macular a honra do "herói". Esquecem-se de que todo ser humano (e esses "titãs-heróis" o são, pasmem!) está imerso em uma realidade tida como "comum" para determinadas época, e que julgá-los com os olhos do presente é um simples anacronismo.

E dessa última parte, posso citar-me como exemplo. Vou cortar na própria carne, até para ilibar-me de futuras considerações sobre personalidades quaisquer - ninguém poderá me acusar de ferir a memória de alguém e não olhar para o meu "próprio rabo". Minha memória foi construída de modo a crer que o meu trisavô era um desses "heróis-titãs", rico coronel autoritário desbravador (isso parece que pode... dá certo glamour ter um "mandão" na família, em nossa cultura autoritária brasileira) que levou o progresso em uma localidade. Quando, ao pesquisar nas fontes primárias, eu notei que meu trisavô era uma pessoa "normal", com qualidades e defeitos, e que estava imerso em um sistema vigente de uma época (rico coronel autoritário, sim, mas que fraudava eleições, explorava trabalhadores, tomava terras de pequenos sitiantes, dentre outras práticas típicas da época que eram levadas a efeito por quase todos que estavam na mesma posição que ele), ao invés de ficar "chateado" e esconder essas informações, eu fiquei estasiado e divulguei no seio de minha família. Um, ou outro, "dobrou os beiços"...

Por fim, olha que coisa interessante. Eu, pelo menos, achei interessante. Certa vez, pesquisando sobre uma personalidade X, "descobri" que ele havia matado um colega de pensão (hoje, seria um colega de república) quando estava em uma capital cursando sua faculdade. O fato causou repercussão, e ele foi julgado e absolvido. Ao que parece, e tudo leva a crer que essa foi a verdade (até pela reação da família do estudante morto), a morte ocorreu por acidente, quando os dois estudantes manuseavam uma arma que um deles tinha em sua posse. Ambos eram amigos, e haviam convivido na mesma localidade, em outro Estado, na infância.

Ao "descobrir" esse fato, ao que parece nunca falado (ou esquecido) no seio da família da personalidade, relatei-o para um seu descendente. Este, que não conhecia o fato, encarecidamente me pediu para não contar isso para ninguém, pois os filhos da personalidade estavam muito velhinhos e, caso não soubessem do fato, poderiam entender mal. Segui a orientação, e calei-me. O mais interessante é que, depois dessa morte acidental, o estudante pesquisado mudou de cidade e, consequentemente, de faculdade; nesse novo ambiente, ele mudou até sua preferência religiosa. E a nova opção me pareceu uma consequência do fato, embora isso eu não possa afirmar com certeza. Até hoje, parte de sua família acredita em dogmas dessa religião, num sincretismo com o catolicismo.

Retirar as camadas de areia que encobrem fatos esquecidos não é tarefa fácil, ainda mais quando contrariam verdades e/ou cutucam suscetibilidades. Alguém perde com isso? Se sim, quem perde? Perde o passado? Para mim, perde o presente e o entendimento de nossas realidades.

Termino por aqui.

Gerson Moraes França

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