sexta-feira, 3 de julho de 2015

A Capela de São Pedro de Alcântara - Parte 2



Continuemos o artigo que iniciamos na Parte Primeira, no que toca a data de construção da Capela de São Pedro de Alcântara, situada na atual vila de São Pedro do Itabapoana, município de Mimoso do Sul.

Antes, lembremos as duas teses hoje existentes sobre sua construção:
Grinalson Francisco Medina atesta o ano de 1855, informando até a data exata de sua inauguração: 19 de outubro. José Olympio de Abreu assevera o ano de 1869. Quem estaria correto?

Como estamos corrigindo alguns equívocos cometidos por Grinalson Medina na confecção de seu trabalho sobre a história de São Pedro do Itabapoana, iniciaremos analisando sua publicação.

Informa Medina, in verbis:
"Inaugurada a 19-10-1855, sob a invocação do glorioso S. Pedro de Alcântara (...). Prestaram-lhe relevantes serviços: José Estácio da Silveira, que deu a imagem padroeira e custeou todas as despesas em dinheiro; - Manoel Joaquim Pereira, que doou à igreja três alqueires de terreno; - Manoel Pereira Pedrosa, que dirigiu todo o serviço de carpintaria (...). Benzeu a capela em apreço, o padre Francisco Alves de Carvalho, vigário da Freguesia de Limeira do Itabapoana."

Sobre Manoel Joaquim Pereira, já falamos um pouco na parte primeira do presente artigo. Figura nebulosa, que fez sua única aparição na história local quando da doação das terras para o patrimônio da futura Capela. Depois disso "desapareceu", e tudo indica que não residia em São Pedro já na década de 1860. Essa personagem, inclusive, foi deixada de lado pelos principais pesquisadores da história de São Pedro e de Mimoso, já no final da década de 1940. Em 1951, o nosso principal memorialista, o advogado e jornalista Dr. Olympio de Abreu (filho de José Olympio), que apesar de não ter formação acadêmica na área de História, foi o primeiro que tratou criticamente da história local como um verdadeiro historiador, já não citava mais a figura de Manoel Joaquim Pereira. Inclusive, dava a primazia da fundação da Capela e do arraial à José Estácio da Silveira, figura citada por Grinalson Medina como tendo sido o que financiou a construção da Capela de São Pedro de Alcântara.

O advogado Pedro O'Reilly de Souza foi dos primeiros que também abandonaram a figura de Manoel Joaquim Pereira quando trata da fundação da Capela e do arraial de São Pedro de Alcântara. Apesar de não ter publicado trabalho, advogava que o responsável pela construção e fundação havia sido José Estácio da Silveira, do qual, inclusive, era neto. Um outro descendente de José Estácio, em trabalho publicado no ano de 1968, asseverou: "Foi ali (...) que José Estácio da Silveira - tetravô de quem escreve (...) - assentou as estacadas da cidade que ia servir de berço a tantos filhos ilustres. E o arraial se converteu em povoado; o povoado em vila; a vila em cidade."

Todos os pesquisadores da história de São Pedro do Itabapoana eram unânimes quando citavam José Estácio da Silveira como o construtor da Capela e, via reflexa, fundador do arraial; inclusive Grinalson Medina, tacitamente. E aí surge o primeiro indicativo de que a Capela não teria sido construída em 1855, como reza Medina. Isso porque José Estácio da Silveira, nesse ano, ainda residia na Freguesia de Tinguá, em Vassouras, no vale do Paraíba fluminense, apesar de já ter comprado posses na região do Itabapoana. Não parece ser verossímil a informação de Medina, portanto, pois o financiador da construção da Capela ainda não estava presente em São Pedro de Itabapoana.

Outro fato que desabona o ano de 1855 é a informação de Medina de que o padre Francisco Alves de Carvalho, vigário da Freguesia de Limeira do Itabapoana, teria benzido a Capela quando foi concluída. Essa informação parece ser correta: de fato, tudo indica que o padre Francisco foi quem a benzeu. O "problema" aparece quando fazemos um apanhado sobre a vida do referido padre, e sobre a história da Freguesia de São Pedro de Itabapoana, cuja primeira sede foi a "porção" espírito-santense do povoado de Limeira de Itabapoana.

O Padre Francisco Alves de Carvalho era português, e nasceu no ano de 1828. Há registros de sua presença na região de Campos, norte do Rio de Janeiro, durante o final da década de 1850 e início da década de 1860. Estaria presente na região no ano de 1855? Não sabemos. Mas, mesmo que estivesse, estaria fora de sua alçada benzer uma Capela que se situava fora da jurisdição da Freguesia de São Sebastião dos Campos dos Goytacazes. Primeiro, porque não era Vigário em Campos; segundo, porque a jurisdição para benzer uma Capela no sertão do sul do Espírito Santo, nesse ano, era do vigário de Itapemirim.

A Freguesia de São Pedro de Itabapoana foi criada pela Lei Provincial n.º 04, de 26 de novembro de 1863. Sua sede era o povoado de São Pedro, nas margens do rio Itabapoana, que nada mais era do que a "porção espírito-santense" do povoado de Limeira, este um núcleo situado no lado fluminense do rio. Tanto que, vulgarmente, a população chamava esse núcleo, na margem norte, de Limeira ou de São Pedro da Limeira. É importante salientar isso, para que não se confunda essa São Pedro da Limeira, nas margens do Itabapoana, com o arraial de São Pedro de Alcântara, que atualmente é a vila chamada São Pedro do Itabapoana, distrito de Mimoso do Sul. Em São Pedro da Limeira havia uma Capela, construída em terreno desapropriado com recursos da Província e concluída com recursos públicos e privados em 1860, que foi erigida em Igreja matriz quando da criação da Freguesia de São Pedro de Itabapoana. Essa, inclusive, foi a primeira Capela construída no que futuramente seria a Freguesia. Como poderia, portanto, a Capela de São Pedro de Alcântara ter sido construída antes de 1860?

Há registro de uma viagem feita pelo padre Francisco Alves de Carvalho, que no início de janeiro de 1863 saiu do Rio de Janeiro e visitou a região que seria desmembrada da Freguesia de São Pedro de Cachoeiro de Itapemirim e se tornaria a Freguesia de São Pedro de Itabapoana. Tudo leva a crer que o padre Francisco tenha sido o que elaborou o "relatório" que fundamentou a criação da Freguesia. O padre ficaria na região do Itabapoana por um ano, até janeiro de 1864, quando retornou para o Rio de Janeiro, então Côrte e capital do Império. A Freguesia foi criada, como dissemos, no final de novembro de 1863. Em 12 de maio de 1864, o padre Francisco foi provisionado como vigário encomendado da recém criada Freguesia. Assim, é inverossímil que o padre Francisco Alves de Carvalho tenha benzido uma Capela no Espírito Santo, antes dessa data. E isso também se fundamenta com as próprias informações de Grinalson Medina, que registra que o padre Francisco já era vigário de São Pedro de Limeira quando benzeu a Capela de São Pedro de Alcântara. Mais uma vez, Medina acerta no fato, mas se equivoca na data.

Mas de onde, então, teria tirado Grinalson Medina a informação de que a Capela de São Pedro de Alcântara teria sido fundada no ano de 1855, e mais especificamente na data de 19 de outubro? Acredito que Medina tenha se fundado um uma Lei Provincial, datada de 1855, que determinava a desapropriação de uma área de terras, nas proximidades da barra do rio Muqui do Sul, para a construção de uma Capela que servisse à população das vertentes espírito-santenses do Rio Itabapoana. Medina, então, confundiu ou interpretou equivocadamente a informação, e asseverou o ano de 1855 para a construção da Capela. Quanto à data de 19 de outubro, a explicação é bem mais simples: o santo do dia é São Pedro de Alcântara... Inclusive, Medina usaria a mesma data para referenciar a inauguração da futura Igreja, quando foi reformada, em 1879.

Em virtude dos argumentos acima, é praticamente impossível que a Capela de São Pedro de Alcântara tenha sido construída em 1855, como escreveu Grinalson Medina. Quando, então, teria sido construída? Certamente, depois de 1864. José Olympio de Abreu, como já informamos, advoga o ano de 1869. E, interessantemente, há no próprio livro de Grinalson uma informação que parece corroborar a data que José Olympio adota. São uns versos, encontrados depois de 1879, após a conclusão da reforma da Capela, e que graças à Grinalson foram preservados para a posteridade.

Assim diz Medina, à página 18 de seu livro:
"Posteriormente à inauguração [da reforma] e na revisão de certos objetos, foram encontrados dentro de um livro bastante estragado os seguintes versos, datados de S. Pedro de Alcântara, 1869, com letras muito apagadas:

"Uma capela no alto da serra,
Toda pintada de cal,
Quanta saudade encerra,
Nos festejos de Natal.
Uma capela no alto da serra,
Que S. Pedro de Alcântara criou,
Traz-me saudade da terra,
Do povo que me adorou." "

Medina informa que esses versos foram escritos pelo vigário da Freguesia, sem citar o autor por não haver assinatura e por desconhecer quem era o vigário à época. Observem os leitores que a data, 1869, é a mesma data que José Olympio informa como a de conclusão da construção da Capela de São Pedro de Alcântara. E, nos versos, é possível retirar a informação de que a Capela havia sido recentemente pintada (toda pintada de cal), o que nos faz presumir, embora sem podermos concluir, que era de recente construção. Essa data é, também, a mais antiga referência documentada de que já estava construída a Capela.

Outro elemento importante, que também nos leva a crer que a Capela de São Pedro de Alcântara teria sido concluída em 1869, como assevera José Olympio de Abreu, é uma Lei Provincial datada de 12 de dezembro de 1868. Essa Lei transferiu a sede civil da Freguesia de São Pedro de Itabapoana, retirando-a do povoado de São Pedro da Limeira, e levando-a para o arraial de Nossa Senhora da Conceição do Muqui, cuja Capela foi oferecida pelos seus fundadores para servir de Igreja matriz. Nessa data, só havia três templos construídos em toda a Freguesia de São Pedro de Itabapoana: a Igreja matriz de São Pedro da Limeira, a Capela de São José do Calçado e a Capela de Nossa Senhora da Conceição do Muqui. Não é citada a existência de uma Capela no arraial de São Pedro de Alcântara, nos anos de 1867 e 1868. Assim, a data referenciada por José Olympio de Abreu, certamente, é a correta no que toca a construção da Capela de São Pedro de Alcântara, embora esse pesquisador não tenha citado a fonte que serviu de fundamento para a sua conclusão.

Por fim, e considerando que Grinalson Medina errou em algumas datas, mas normalmente acertou no que toca aos fatos, precisamos saber: estariam o padre Francisco Alves de Carvalho, que benzeu a Capela, e o fazendeiro José Estácio da Silveira, que financiou a construção, em São Pedro no ano de 1869? E a resposta é sim. O padre Francisco foi vigário encomendado da Freguesia até o ano de 1870, quando foi substituído e retornou ao Rio de Janeiro. E José Estácio da Silveira, já morador nas proximidades de São Pedro de Alcântara desde antes de 1865, faleceu entre 1873 e 1875.

É importante informar também que, embora tenha sido transferida a sede civil da Freguesia para Conceição do Muqui por uma Lei da Assembléia Provincial no ano de 1868, essa Lei não foi aprovada na parte eclesiástica pelo Bispado do Rio de Janeiro. Todos os vigários da Freguesia de São Pedro de Itabapoana continuaram residindo, oficialmente, no povoado de São Pedro da Limeira, até o ano de 1885. Desse modo, como assevera Grinalson Medina, o padre Francisco Alves de Carvalho residia em Limeira no ano de 1869, assim como todos os seus sucessores até a data acima citada. Mesmo quando a sede da Freguesia foi transferida de Conceição do Muqui para São Pedro de Alcântara, em 1880, e a Capela de São Pedro de Alcântara foi erigida em Igreja matriz, essa determinação eclesiástica continuou vigente. Somente quando foi provido como vigário o padre Horacio Vieira Teixeira, no ano de 1885 (e não em 1880, como cita Grinalson Medina), é que as sedes eclesiástica e a civil foram "reunidas" novamente.

Concluindo: a Capela de São Pedro de Alcântara, atualmente situada na vila de São Pedro do Itabapoana, distrito do município de Mimoso do Sul, ao contrário do que afirma Grinalson Francisco Medina, não foi construída em 1855. A data correta de sua construção é o ano de 1869, como atesta José Olympio de Abreu e como demonstramos com fatos, argumentos e fontes. Seu fundador e financiador foi o fazendeiro José Estácio da Silveira, e seu construtor foi Manoel Pereira Pedrosa, o primeiro comerciante e um dos primeiros habitantes do arraial de São Pedro. Quanto a Manoel Joaquim Pereira, tudo indica que tenha sido um simples "tirador de posse", chegado à região por volta de 1849/1852, e que tenha vendido essa posse pouco depois, provavelmente para José Estácio da Silveira ou para algum membro da família Pereira Pedrosa. Mas essa última informação é apenas presunção, e carece de fontes e de maior pesquisa.

À propósito, um adendo: os versos escritos no ano de 1869, que segundo Medina foram lavrados pelo vigário da Freguesia, provavelmente foram feitos pelo padre Francisco Alves de Carvalho, que era o vigário nessa ocasião e que benzeu a Capela neste mesmo ano.

Gerson Moraes França

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