quinta-feira, 1 de abril de 2010

Alforriados antes da Abolição

Estava lendo eu alguns dos artigos que escrevi para o antigo jornal Acontece, editado por Ledílson Mirre e Carlos Miranda, quando me deparei com um texto que escrevi sobre o calçamento em estilo "pé-de-moleque" das ruas de São Pedro do Itabapoana. Foi publicado na edição de junho/julho de 2005 (ano 04 - n.º 03).

No referido artigo eu corrigia um equívoco que muitos afirmavam com certa convicção; falava-se que o calçamento em "pé-de-moleque" havia sido construído por escravos, sendo que no texto demonstrei que a realidade não era essa. O calçamento das ruas de São Pedro foi proposto pelo Vereador Francisco Alexandrino de Andrade, e foi aprovado pela Câmara Municipal na sessão de junho de 1908. Sua execução, realizada durante a administração de João Lino de Silveira, iniciou-se em 1909 e terminou em 1911, utilizando apenas recursos próprios do Município.

Assim, o calçamento em "pé-de-moleque" das ruas de São Pedro foi construído já no século XX, mais de vinte anos depois da Abolição da Escravatura.


Mais o assunto que quero tratar hoje é outro; como falamos em escravos e na Abolição, resolvi tecer alguns interessantes comentários sobre o final da escravatura em São Pedro do Itabapoana.

A ocupação efetiva do vale do Itabapoana ocorreu em decurso da expansão da zona cafeeira. Pequenos posseiros, mas principalmente grandes proprietários, abriram posses e fundaram grandes fazendas de café. Esses primeiros fazendeiros, já possuidores de rico cabedal, trouxeram para o Itabapoana grande número de escravos que possuíam em suas regiões de origem, comumente a zona da mata mineira ou o norte fluminense. Importante lembrar que as primeiras posses na região do atual Município de Mimoso do Sul datam de 1837, mas que somente na década de 1840 é que abrir-se-ia um número mais significativo de fazendas. Em 1850 foi decretado o fim do tráfico de negros e, a despeito do desembarque clandestino efetuado na barra do Itabapoana em 1854, a grande maioria dos novos escravos eram originários de outras Províncias do Império, africanos ou não.

Ao chegar a década de 1880, haviam quase 2.500 escravos no Itabapoana. A população livre passava dos 3.000 habitantes. Mas com o fim do tráfico ainda em 1850, concomitante com a lei conhecida como do "ventre livre" em 1871, a escravidão estava condenada à desaparecer brevemente. O número de escravos começou à cair, inclusive por alforrias e fugas.

São Pedro do Itabapoana era uma próspera localidade no final do século XIX. Grandes fazendas de café conferiam riqueza à região, que também era dotada de uma elite intelectual vibrante e progressista. Já conscientes de que a escravidão seria inevitavelmente extinta, os grandes fazendeiros logo trataram de estudar meios de substituir o sistema de mão de obra que trabalhava nas colheitas do café. Premidos pela opinião pública, já francamente favorável à extinção da escravatura, a grande maioria dos proprietários sãopedrenses converteu-se em abolicionistas e em republicanos.

No início de 1888, por iniciativa própria, alguns dos grandes fazendeiros resolveram dar liberdade aos seus escravos, sob a condição de que estes fizessem a colheita de 1888. A colheita do café iniciava-se em maio, e durava até setembro. Assim, José Carlos de Azevedo Lima, Eduardo Monteiro de Carvalho, Carlos Meyer, Antônio Cândido dos Santos, Olympio Ribeiro de Castro, Leopoldino Gonçalves Castanheira, Manuel Antunes Ramalho e D. América Azevedo entraram no rol dos primeiros proprietários que concederam a liberdade aos seus escravos. Domingos José de Almeida, de Conceição do Muqui, além de conceder a liberdade aos seus cativos, firmou com eles contratos de trabalho de parceria.

No dia 31 de março de 1888, foi feita uma grande reunião em São Pedro, sob a presidência de Cesário Miranda Monteiro de Barros, com a participação dos 50 maiores proprietários da Freguesia. Decidiram eles, também, dar a liberdade aos seus escravos, sob as mesmas condições dos acima descritos. E no mês seguinte, abril de 1888, foi amplamente divulgada a notícia de que a Freguesia de São Pedro do Itabapoana já não possuía mais escravo algum.

Assim, antes mesmo da publicação da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, os fazendeiros e proprietários sãopedrenses já haviam alforriado todos os escravos que havia na Freguesia. Firmaram com os ex-escravos, normalmente, contratos de empreitada ou parceria, e em alguns casos até mesmo salários. Quando foi publicada a Lei Áurea, bem no início da colheita da safra de café, os fazendeiros de São Pedro não foram pegos de surpresa, como aconteceu com muitos proprietários de fazendas e de escravos do Vale do Paraíba.

A maioria dos ex-escravos continuou trabalhando nas terras de seus ex-senhores. Com o passar do tempo, o sistema de contrato de meeiro passou a ser o mais usado, e muitos negros, com o fruto de suas economias e trabalho, conseguiram mais tarde adquirir pequenos pedaços de terra, tornando-se sitiantes e donos de seu próprio partrimônio.

Gerson Moraes França


Fontes:
Afro-Ásia, edições 25-27, 2001;
Arquivo pessoal.

5 comentários:

  1. Caro Gerson: Estou emocionado com seus textos, suas pesquisas, todo o seu tempo dedicado a literatura. Apesar da nossa era digital, eu ainda acredito que a História bem narrada, pode mudar o mundo. Parabenizo pelo Blog. Talvez falta de atenção de minha parte, mas só semana passada vim ruminar os seus escritos. e por falar em personagem: Dia 20 próximo passado, fale por telefone Com uma São Pedrense: Nilza Carole, 91 anos, reside no Rio. Percebi atravéz de sua voz firme e muito bem articulada, em perfeita harmonia. Diz ela: "Estava com 10 anos em 1930, naquele dia de finados estava eu e minha irmã na igreja quando...
    Abraços,
    Alci Santos Vivas Amado
    asvamado@bol.com.br

    ResponderExcluir
  2. Prezado Alci,

    Fico muito feliz em constatar que os meus escritos estejam agradando e contribuindo! Para que saibas tu, informo que também li vários de teus escritos em seu BLOG e no Recanto da Letras, e também gostei muito! =)

    Testemunhos como o da Nilza, prestados à você, assim como de várias pessoas que estavam vivas e presentes em 1930, são muito importantes. Colhi alguns também, e tenho-os todos anotados comigo.

    Um grande abraço,
    Gerson Moraes França

    ResponderExcluir
  3. Oi Gerson.

    Fico imensamente agradecido por achar em seu texto um pouca da história que de certa forma faz parte de mim. Trata-se da referênia ao Vereador Francisco Alexanrino de Andrade, meu trisavô, que tão poucas informações tenho dele, e a partir de seus textos tenho como trazê-lo de forma mais concreta e colocá-lo em minhas pesaquisas genealógicas. Pesquiso muito sobre os Ferreira de Paiva, Ferreira da Silva, Ribeiro de Paiva, Nogueira da Gama, Gomes de Souza, Monteiro de Barros e os demais vínculos famíliares a mim relacionados.
    Obrigado,
    Gustavo da Gama Vieira
    gamadesign@gmail.com

    ResponderExcluir
  4. Olá Gustavo!
    Tenho alguns dados sobre seu trisavô!
    Enviei-te um e-mail!
    Grande abraço,
    Gerson

    ResponderExcluir
  5. Oi boa noite, meu nome é Alexandra Mattos Ferreira sou filha do coronel da policia militar que na época era tenente Coracy Ferreira
    nascido, em 1898. Você teria alguma matéria dele? e-mail alexandramattosferreira@gmail .Boa noite e qd posso acompanho o seu blog

    ResponderExcluir