sexta-feira, 2 de maio de 2025

Maria Antonieta Tatagiba - Pequena Resenha Biográfica

Em tempo de celebração da reedição do livro de poesias "Frauta Agreste", da poetisa Maria Antonieta Tatagiba, segue abaixo uma pequena resenha que fiz tratando celeremente de alguns momentos da sua vida. Eu havia tecido essa curta biografia em apenas duas horas, há uns poucos meses atrás e no ano passado, a pedido de um amigo; mas este amigo acabou não a utilizando. Para não se perder em algum canto de HD ou pen-drive, aqui publico.

Banner da Academia Maria Antonieta Tatagiba

PEQUENA RESENHA BIOGRÁFICA

MARIA ANTONIETA TATAGIBA

Maria Antonieta nasceu no dia 17 de setembro de 1896 na Fazenda União, em São Pedro de Itabapoana, Espírito Santo. Segunda filha do comerciante Arthur Antunes de Siqueira e de dona Maria Rita de Castro Siqueira, residentes em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. A primeira filha do casal, Zulmira, nascida em Campos no ano de 1895, falecera em 16 de abril do ano seguinte, antes de completar seu primeiro ano de idade e quando Maria Rita estava grávida de quatro meses. Talvez por esse motivo esta última tenha ido para a fazenda União, de seu pai José Antônio de Castro, para passar os meses restantes de sua gravidez junto de sua mãe dona Maria Cândida.

Nascida são-pedrense, Maria Antonieta cresceu em Campos. Arthur era natural do Estado do Rio, e dona Maria natural de São Pedro do Itabapoana. Ambos se casaram em São Pedro e lá se estabeleceram inicialmente, mas logo mudaram-se para a grande cidade do norte fluminense. Campos, em finais do século XIX e início do século XX, era a maior cidade do Estado do Rio de Janeiro. Mais rica e pujante do que as maiores urbes do Espírito Santo de então. Arthur era um comerciante bem sucedido, e Maria Antonieta estudou em bons colégios, como o conhecido Liceu de Humanidades de Campos.

O destino, porém, interferiu na trajetória de Maria Antonieta. Em fevereiro de 1911 o seu pai Arthur faleceu, deixando viúva sua mãe Maria Rita com duas filhas pequenas: nossa biografada e sua irmã Elvia Celeste, nascida em março de 1906. Assim, sem muitas alternativas, foram morar na fazenda União, em São Pedro do Itabapoana. E, nessa nova fase, Maria Antonieta começa a lecionar enquanto concluía seus estudos. Ministrou aulas em Mimoso, distrito do município de São Pedro, antes de terminar em 1916 o Ginásio do Espírito Santo. No ano seguinte, correu atrás de um sonho: ingressou no curso de Farmácia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Mas as vicissitudes da vida determinaram-lhe outros caminhos. Retornou para São Pedro, onde continuou a lecionar e a participar ativamente da sociedade local e, também, a dedicar-se a uma atividade que a eternizaria: as letras.

Em 1922 Maria Antonieta casou-se com José Vieira Tatagiba, um calçadense bacharel em Direito então promotor-público da Comarca de Itabapoana. E, a partir de então, passou a assinar o sobrenome com o qual foi reconhecida sua vida e obra: Maria Antonieta Tatagiba. Maria Antonieta ocupou, dentre outras atividades, a gerência do jornal A Semana, órgão de imprensa local, entre 1926 e 1927. Atuou ativamente nos meios literários do Espírito Santo, publicando sua obra de poesias, Frauta Agreste, em 1927. Suas posições e ideias feministas contrastam com a época em que viveu, demonstrando que vivia a frente de seu tempo.

Com José Vieira teve quatro filhos: Maria do Carmo, Ruy, que faleceu em tenra idade, Stael e Geraldo. Em meados de 1927 adoeceu, buscando tratamento em Campos e no Rio de Janeiro. Debalde. Após dois meses de tratamento hospitalar, Maria Antonieta voltou para São Pedro do Itabapoana, onde encontrou a vida eterna em 13 de março de 1928.

Nossa festejada poetisa, nascida no interior, cresceu na cidade. Ao retornar para o torrão natal, seu olhar de moça de cidade enxergou a beleza e o bucolismo do interior. Maria Antonieta cantou o interior. Fez de São Pedro, poesia.

Gerson Moraes França

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Maria Ortiz: a Lenda, a Verdade e a Tradição (III) : O Diário de Piet Heyn.


DIÁRIO DA VIAGEM DE PIET HEYN AO BRASIL E À ÀFRICA OCIDENTAL 1624 - 1625

Anos depois de encontrar uma sexta fonte primária que trata do ataque holandês à vila de Vitória em 1625, e que publiquei no último post, me animei a procurar outras fontes estrangeiras que pudessem existir sobre o citado fato histórico. A internet, ano após ano, vai enriquecendo o seu "acervo", e uma busca criteriosa poderia nos revelar algum "novo" documento ainda desconhecido na historiografia capixaba. Vasculhei arquivos espanhóis e holandeses. E no final do ano de 2024 encontrei um documento em língua holandesa que, por sua grande importância, demorei a acreditar que ainda não havia sido "revelado" para nós espírito-santenses.

Trata-se do diário do próprio comandante da frota flamenga que atacou a vila de Vitória em março de 1625. Esse relatório foi "descoberto" na Holanda em 1931 e publicado em uma revista holandesa no ano de 1962 sob o título "Journaal van de reis van Piet Heyn naar Brazilië en Wesrt-Afrika, 1624-1625". Nele, o próprio Piet Heyn narra os acontecimentos daquelas expedições, e é muito interessante a leitura de sua passagem pelo Espírito Santo. Dentre outros pormenores, o que mais me chamou a atenção, considerando que o principal objeto desses meus escritos é a "mulher do tacho" hoje conhecida como Maria Ortiz, é a seguinte passagem relatada sobre a ação militar do dia 12 de março de 1625:

"12 dito. Smergens sijn wij onder seyl gegaen naer het dorp van Sprito Sancto, alwaer wij quamen ontrent den middach; sulcx dat wij landen met al ons macht, naementlijck 250 man, soo soldaten als bootsgesellen, meest al moskettiers - om het dorp Spirito Sancto te incorporeren. Soo als wij int marcheeren waren, coomende ontrent boven, daer de Portugesen haer sterck gemaeckt hadden ofte onthielden - losten een metalen stuck op ons, soo haest alsij ons begaen conden; welck stuck schoot ontrent 14 lb. ijsers. Flanckeerende langgers de wegh daer wij op quamen gemarchert, soo haest als de schoot vant stuck gegaen was, werdender veel pijlen ende eenige roors ofte moskets op ons geschooten; mitsgaders uyt een huys, daer wij bij stonden, werden met heet water uyt de vensters ende anders gegooten. Die vant dorp vielen middelertijt uyt, soo datter eenige van d'onse gequest werde van het geschiet van de Bresilianen, die hier ende daer in de ruychte laegen. Sulcx wij 〈30v〉 resolveerde wederom aff te trecken 〈alsoo de courage van ons volck wegh was〉; welck ick capiteyn Vonck belaste, dat hij met het volck soude afftrecken ende dat met ordre, - maer geschiede met een groote disordre, sulcx datter van de onse ontrent de 80 gequest werde ende 7en doot."

Em negrito (grifo meu) há o trecho que narra parte dessa ação militar e luta propriamente dita, e aí estão narrados fatos citados em outras fontes primárias, como a subida para a vila, o tiro de canhão, as flechas e rodelas lançadas sobre eles e os tiros de mosquetes; e, em vermelho (também grifo meu), o trecho da ação que mais me chamou a atenção por ler, pela primeira vez e expressamente, que foi usada água quente jogada das janelas para afastar os invasores holandeses. Esse fato aproxima ainda mais a história narrada por Britto Freire e por outros escritores europeus do século XVII, que citam a ação da "mulher do tacho" que derramou água fervente sobre o comandante dos atacantes.

Em tradução livre feita por translate, pois não conheço o idioma holandês, assim fica parte desse trecho do diário de Piet Heyn:

"12 dito [de março]. (...) navegamos até a vila de Sprito Sancto [Espírito Santo], onde chegamos por volta do meio-dia; para que desembarcássemos com toda a nossa força, ou seja, 250 homens, entre soldados e marinheiros, a maioria mosqueteiros - para conquistar a aldeia de Spirito Sancto. Enquanto marchávamos, chegando perto de onde os portugueses tinham construído ou estavam mantendo sua fortaleza, eles dispararam uma peça de metal contra nós o mais rápido que puderam; (...). Flanqueando a estrada por onde havíamos marchado, assim que o tiro da peça foi disparado, muitas flechas e algumas armas ou mosquetes foram disparados contra nós; assim como de uma casa onde estávamos, água quente jorrava das janelas e de outros lugares. Os moradores da aldeia se avançaram ao meio do dia, de modo que alguns dos nossos homens foram mortos pelos bombardeios dos bresilianos (brasileiros), que estavam aqui e ali nos matagais. Então decidimos (...) nos retirar novamente, como se a coragem do nossa tropa tivesse desaparecido; eu ordenei ao Capitão Vonck que ele partisse com a tropa e que isso acontecesse em ordem, - mas isso aconteceu com grande desordem, de modo que dos nossos cerca de 80 foram feridos e 7 foram mortos." (o negrito é meu)

Sem mais delongas, é isso. Um relato de fonte primária, escrito pelo comandante holandês Piet Heyn, que cita expressamente que das janelas (e de outros lugares) jorrava água fervente sobre eles. Heyn faleceu em junho de 1629, poucos anos depois após o acontecimento. É muito provável que a história da "mulher do tacho" narrada por Brito Freire seja verídica, pois nunca foi refutada por escritor algum; isso é plenamente verossímil, ainda mais considerando que outros escritores europeus, de forma independente inclusive, narraram a mesma história que, certamente, corria pelas bocas as pessoas na Europa.

Pesquisa e texto: Gerson Moraes França