terça-feira, 24 de junho de 2025

CONCEIÇÃO DO MUQUI - HISTÓRIA

 

Foto: Conceição de Muquy em 1930 (Revista Capixaba) 

Post original feito em 08 de fevereiro de 2021 em minha rede social

CONCEIÇÃO DO MUQUI - HISTÓRIA

Como prometido em post anterior, nosso centro de história Alci Vivas Amado trás algumas informações históricas inéditas sobre os primórdios da vila de Conceição do Muqui, próspero distrito do município de Mimoso do Sul.

As primeiras posses em terras que circundam a atual vila de Conceição do Muqui foram colocadas em 1840, pelo posseiro Quintiliano José Barreiros. Esse posseiro e mateiro foi muito atuante nas regiões de Alegre, Café e Conceição do Muqui.

Essas terras, junto com as terras da fazenda da Prata, nas cabeceiras do ribeirão Barra Alegre (vendidas por Francisco Lopes da Rocha, posseiro da região do baixo Barra Alegre em 1837), foram compradas em 1853, na cidade de Vassouras, pelo abastado fazendeiro Manoel Gomes de Souza, então morador em Sacra Família do Tinguá. As terras do alto Barra Alegre e do alto Muqui do Sul pertencentes ao progenitor da família depois chamada de "os Gomes do Prata" mediam 4 sesmarias e eram bem extensas.

Em 1854, o fazendeiro muda seu nome para Manoel Gomes da Silveira e Souza, e em junho de 1858 muda-se, com a sua família, para a sua fazenda do Prata. Em algum momento do início da década de 1860 o tenente-coronel Manoel Gomes doou uma grande área para servir de patrimônio à Capela de Nossa Senhora da Conceição, em um pequeno córrego que corria para o Rio Muqui do Sul, templo este que já estava construído em 1867.

O coronel Manoel Gomes de Silveira e Souza, também chamado de Manoel Gomes da Prata, foi um dos homens mais ricos da Província do Espírito Santo. Faleceu em 07 de março de 1882 e foi sepultado na Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Muqui. Nessa ocasião o templo recebia grandes reformas patrocinadas por Manoel e outros fazendeiros locais, buscando transformar a construção em uma grande Igreja.

Pesquisa e redação: Gerson Moraes França

segunda-feira, 23 de junho de 2025

As ruínas da capela de Nossa Senhora Auxiliadora, em São Pedro do Itabapoana

 

Essas são as ruínas da capela de Nossa Senhora Auxiliadora, no sítio histórico de São Pedro do Itabapoana, cuja construção iniciou-se no início do século XX e que foi concluída em 1918. Sua edificação foi iniciada pelo cônego Flávio Ribeiro, vigário da Paróquia entre 1897 e 1909, que adoeceu e faleceu em 1912, em Minas Gerais. Os vigários seguintes mantiveram a obra, que era um sonho do cônego Flávio, e que foi inaugurada cinco anos depois de sua morte.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

O Busto de São Pedro

[Post original em minhas redes sociais]

https://www.instagram.com/historiador.gerson.franca/

 O BUSTO DE SÃO PEDRO

Esse é o busto de São Pedro que está no Museu São Pedro de Alcântara, no sítio histórico de São Pedro do Itabapoana (Mimoso do Sul/ES). Todo feito em madeira maciça, passou por uma recente restauração e mudou de lugar: agora está alocado à mesa em frente da porta de entrada do Museu, contemplando os visitantes que adentram o espaço.

Tomado equivocadamente pelo inventário do Museu como sendo uma antiga carranca de embarcação, trata-se na verdade da única imagem de São Pedro que restou da antiga Igreja de São Pedro de Itabapoana, construída entre 1856 e 1860 às margens do rio Itabapoana. “Resgatada” das ruínas da antiga Igreja, ficou por muitos anos em uma fazenda da região até ser entregue para formar o acervo do Museu São Pedro de Alcântara.

À propósito: a restauração feita no busto foi por causa de um acidente ocorrido durante a última reforma do Museu. O desabamento de uma parede - devido a uma intensa chuva quando da reforma dos telhados - danificou o nariz da imagem, que foi devidamente recolocado no lugar. Histórias…

Gerson Moraes França

Conteúdo das Redes Sociais


Conteúdo nas Redes Sociais

Esse post é apenas um registro. Algo que vem ocorrendo, gradativamente, ao longo dos anos. Com a chegada das redes sociais, como o antigo Orkut e o ainda existente Facebook, os conteúdos produzidos no nosso BLOG alcançaram ótimos meios de divulgação. Com a chegada do Instagram, o leque se ampliou; e ainda tem potencial de se ampliar, com o Tiktok e o Kwai, por exemplo (mas que eu, ainda, não utilizo). Sempre, ao fazer uma "matéria", colocávamos o seu link correspondente em uma rede social para que alcançasse muita gente.

Mas, de uns anos para cá, começamos (cada vez mais) a produzir conteúdo nas próprias redes sociais, deixando de fazê-lo sempre em nosso BLOG. Assim, muito de nossas pesquisas e escritos acabaram sendo publicados no Instagram e no Facebook, sem que eu colocasse o texto por aqui. Tentarei resgatar alguns desses textos que entendo ser interessantes para estarem nos escritos do presente BLOG. E começarei com o meu último post nas minhas redes sociais, que seguirá em um post próprio na próxima publicação.

EDIT: a propósito, possuo contas no Facebook e no Instagram, onde faço post's de conteúdo histórico.

Abaixo, segue o link que leva à minha principal rede social que trata de história:

https://www.instagram.com/historiador.gerson.franca/

Grande abraço a todos e todas!

Gerson Moraes França

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Maria Antonieta Tatagiba - Pequena Resenha Biográfica

Em tempo de celebração da reedição do livro de poesias "Frauta Agreste", da poetisa Maria Antonieta Tatagiba, segue abaixo uma pequena resenha que fiz tratando celeremente de alguns momentos da sua vida. Eu havia tecido essa curta biografia em apenas duas horas, há uns poucos meses atrás e no ano passado, a pedido de um amigo; mas este amigo acabou não a utilizando. Para não se perder em algum canto de HD ou pen-drive, aqui publico.

Banner da Academia Maria Antonieta Tatagiba

PEQUENA RESENHA BIOGRÁFICA

MARIA ANTONIETA TATAGIBA

Maria Antonieta nasceu no dia 17 de setembro de 1896 na Fazenda União, em São Pedro de Itabapoana, Espírito Santo. Segunda filha do comerciante Arthur Antunes de Siqueira e de dona Maria Rita de Castro Siqueira, residentes em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. A primeira filha do casal, Zulmira, nascida em Campos no ano de 1895, falecera em 16 de abril do ano seguinte, antes de completar seu primeiro ano de idade e quando Maria Rita estava grávida de quatro meses. Talvez por esse motivo esta última tenha ido para a fazenda União, de seu pai José Antônio de Castro, para passar os meses restantes de sua gravidez junto de sua mãe dona Maria Cândida.

Nascida são-pedrense, Maria Antonieta cresceu em Campos. Arthur era natural do Estado do Rio, e dona Maria natural de São Pedro do Itabapoana. Ambos se casaram em São Pedro e lá se estabeleceram inicialmente, mas logo mudaram-se para a grande cidade do norte fluminense. Campos, em finais do século XIX e início do século XX, era a maior cidade do Estado do Rio de Janeiro. Mais rica e pujante do que as maiores urbes do Espírito Santo de então. Arthur era um comerciante bem sucedido, e Maria Antonieta estudou em bons colégios, como o conhecido Liceu de Humanidades de Campos.

O destino, porém, interferiu na trajetória de Maria Antonieta. Em fevereiro de 1911 o seu pai Arthur faleceu, deixando viúva sua mãe Maria Rita com duas filhas pequenas: nossa biografada e sua irmã Elvia Celeste, nascida em março de 1906. Assim, sem muitas alternativas, foram morar na fazenda União, em São Pedro do Itabapoana. E, nessa nova fase, Maria Antonieta começa a lecionar enquanto concluía seus estudos. Ministrou aulas em Mimoso, distrito do município de São Pedro, antes de terminar em 1916 o Ginásio do Espírito Santo. No ano seguinte, correu atrás de um sonho: ingressou no curso de Farmácia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Mas as vicissitudes da vida determinaram-lhe outros caminhos. Retornou para São Pedro, onde continuou a lecionar e a participar ativamente da sociedade local e, também, a dedicar-se a uma atividade que a eternizaria: as letras.

Em 1922 Maria Antonieta casou-se com José Vieira Tatagiba, um calçadense bacharel em Direito então promotor-público da Comarca de Itabapoana. E, a partir de então, passou a assinar o sobrenome com o qual foi reconhecida sua vida e obra: Maria Antonieta Tatagiba. Maria Antonieta ocupou, dentre outras atividades, a gerência do jornal A Semana, órgão de imprensa local, entre 1926 e 1927. Atuou ativamente nos meios literários do Espírito Santo, publicando sua obra de poesias, Frauta Agreste, em 1927. Suas posições e ideias feministas contrastam com a época em que viveu, demonstrando que vivia a frente de seu tempo.

Com José Vieira teve quatro filhos: Maria do Carmo, Ruy, que faleceu em tenra idade, Stael e Geraldo. Em meados de 1927 adoeceu, buscando tratamento em Campos e no Rio de Janeiro. Debalde. Após dois meses de tratamento hospitalar, Maria Antonieta voltou para São Pedro do Itabapoana, onde encontrou a vida eterna em 13 de março de 1928.

Nossa festejada poetisa, nascida no interior, cresceu na cidade. Ao retornar para o torrão natal, seu olhar de moça de cidade enxergou a beleza e o bucolismo do interior. Maria Antonieta cantou o interior. Fez de São Pedro, poesia.

Gerson Moraes França

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Maria Ortiz: a Lenda, a Verdade e a Tradição (III) : O Diário de Piet Heyn.


DIÁRIO DA VIAGEM DE PIET HEYN AO BRASIL E À ÀFRICA OCIDENTAL 1624 - 1625

Anos depois de encontrar uma sexta fonte primária que trata do ataque holandês à vila de Vitória em 1625, e que publiquei no último post, me animei a procurar outras fontes estrangeiras que pudessem existir sobre o citado fato histórico. A internet, ano após ano, vai enriquecendo o seu "acervo", e uma busca criteriosa poderia nos revelar algum "novo" documento ainda desconhecido na historiografia capixaba. Vasculhei arquivos espanhóis e holandeses. E no final do ano de 2024 encontrei um documento em língua holandesa que, por sua grande importância, demorei a acreditar que ainda não havia sido "revelado" para nós espírito-santenses.

Trata-se do diário do próprio comandante da frota flamenga que atacou a vila de Vitória em março de 1625. Esse relatório foi "descoberto" na Holanda em 1931 e publicado em uma revista holandesa no ano de 1962 sob o título "Journaal van de reis van Piet Heyn naar Brazilië en Wesrt-Afrika, 1624-1625". Nele, o próprio Piet Heyn narra os acontecimentos daquelas expedições, e é muito interessante a leitura de sua passagem pelo Espírito Santo. Dentre outros pormenores, o que mais me chamou a atenção, considerando que o principal objeto desses meus escritos é a "mulher do tacho" hoje conhecida como Maria Ortiz, é a seguinte passagem relatada sobre a ação militar do dia 12 de março de 1625:

"12 dito. Smergens sijn wij onder seyl gegaen naer het dorp van Sprito Sancto, alwaer wij quamen ontrent den middach; sulcx dat wij landen met al ons macht, naementlijck 250 man, soo soldaten als bootsgesellen, meest al moskettiers - om het dorp Spirito Sancto te incorporeren. Soo als wij int marcheeren waren, coomende ontrent boven, daer de Portugesen haer sterck gemaeckt hadden ofte onthielden - losten een metalen stuck op ons, soo haest alsij ons begaen conden; welck stuck schoot ontrent 14 lb. ijsers. Flanckeerende langgers de wegh daer wij op quamen gemarchert, soo haest als de schoot vant stuck gegaen was, werdender veel pijlen ende eenige roors ofte moskets op ons geschooten; mitsgaders uyt een huys, daer wij bij stonden, werden met heet water uyt de vensters ende anders gegooten. Die vant dorp vielen middelertijt uyt, soo datter eenige van d'onse gequest werde van het geschiet van de Bresilianen, die hier ende daer in de ruychte laegen. Sulcx wij 〈30v〉 resolveerde wederom aff te trecken 〈alsoo de courage van ons volck wegh was〉; welck ick capiteyn Vonck belaste, dat hij met het volck soude afftrecken ende dat met ordre, - maer geschiede met een groote disordre, sulcx datter van de onse ontrent de 80 gequest werde ende 7en doot."

Em negrito (grifo meu) há o trecho que narra parte dessa ação militar e luta propriamente dita, e aí estão narrados fatos citados em outras fontes primárias, como a subida para a vila, o tiro de canhão, as flechas e rodelas lançadas sobre eles e os tiros de mosquetes; e, em vermelho (também grifo meu), o trecho da ação que mais me chamou a atenção por ler, pela primeira vez e expressamente, que foi usada água quente jogada das janelas para afastar os invasores holandeses. Esse fato aproxima ainda mais a história narrada por Britto Freire e por outros escritores europeus do século XVII, que citam a ação da "mulher do tacho" que derramou água fervente sobre o comandante dos atacantes.

Em tradução livre feita por translate, pois não conheço o idioma holandês, assim fica parte desse trecho do diário de Piet Heyn:

"12 dito [de março]. (...) navegamos até a vila de Sprito Sancto [Espírito Santo], onde chegamos por volta do meio-dia; para que desembarcássemos com toda a nossa força, ou seja, 250 homens, entre soldados e marinheiros, a maioria mosqueteiros - para conquistar a aldeia de Spirito Sancto. Enquanto marchávamos, chegando perto de onde os portugueses tinham construído ou estavam mantendo sua fortaleza, eles dispararam uma peça de metal contra nós o mais rápido que puderam; (...). Flanqueando a estrada por onde havíamos marchado, assim que o tiro da peça foi disparado, muitas flechas e algumas armas ou mosquetes foram disparados contra nós; assim como de uma casa onde estávamos, água quente jorrava das janelas e de outros lugares. Os moradores da aldeia se avançaram ao meio do dia, de modo que alguns dos nossos homens foram mortos pelos bombardeios dos bresilianos (brasileiros), que estavam aqui e ali nos matagais. Então decidimos (...) nos retirar novamente, como se a coragem do nossa tropa tivesse desaparecido; eu ordenei ao Capitão Vonck que ele partisse com a tropa e que isso acontecesse em ordem, - mas isso aconteceu com grande desordem, de modo que dos nossos cerca de 80 foram feridos e 7 foram mortos." (o negrito é meu)

Sem mais delongas, é isso. Um relato de fonte primária, escrito pelo comandante holandês Piet Heyn, que cita expressamente que das janelas (e de outros lugares) jorrava água fervente sobre eles. Heyn faleceu em junho de 1629, poucos anos depois após o acontecimento. É muito provável que a história da "mulher do tacho" narrada por Brito Freire seja verídica, pois nunca foi refutada por escritor algum; isso é plenamente verossímil, ainda mais considerando que outros escritores europeus, de forma independente inclusive, narraram a mesma história que, certamente, corria pelas bocas as pessoas na Europa.

Pesquisa e texto: Gerson Moraes França

quarta-feira, 18 de dezembro de 2024

Maria Ortiz - A Lenda, a Verdade e a Tradição (II): Uma Sexta Fonte Primária

"Maria Ortiz em sua janela"
Imagem ficcional gerada por IA direcionada pelo autor

Em 2016 fiz uma publicação, no presente Blog, intitulada "Maria Ortiz - A Lenda, a Verdade e a Tradição", onde tratei da historicidade da heroína capixaba que deitou um tacho de água fervente em cima do comandante dos invasores holandeses que atacavam a Vila de Vitória, em 1625. Ao final do artigo fiz uma relação de cinco fontes primárias contemporâneas (ou pouco posteriores) à investida dos neerlandeses. Quem quiser ler, basta clicar no link que segue abaixo:

https://gerson-franca.blogspot.com/2016/10/maria-ortiz-lenda-verdade-e-tradicao.html

Tempos após publicar esse escrito encontrei, em 2019, uma nova fonte primária e contemporânea aos fatos, que até então havia passado despercebida na historiografia capixaba. É um trecho da obra de Eugenio de Narbona e Zuñiga intitulada "Historia de la Recuperacion del Brasil", escrita em 1626 e publicada pelos Anais da Biblioteca Nacional em 1950. Assim reporta-se essa última publicação, sobre a obra citada:

"A crônica de Engenio Narbona esperou três séculos para vir a luz. Não há dúvida que o Bispo escreveu-a em face de notícias orais, que lhe foram transmitidas pelos aventureiros espanhóis que vieram restaurar a Bahia, e de papéis da época, como relatórios e relações de oficiais e cronistas".

A parte da obra que trata da fracassada tentativa holandesa de tomar a Vila de Vitória, em 1625, está às páginas 185/189 da publicação supra aludida. Pela narração dos fatos, parece tratar-se de um relatório oficial, talvez elaborado pelo próprio comandante Salvador Correia de Sá e Benevides. Lamento informar ao leitor, porém, de que não há menção à mulher do tacho, a nossa Maria Ortiz; as pessoas citadas no documento são o Salvador de Sá, o capitão donatário Francisco de Aguiar Coutinho, o comandante da esquadra holandesa Pieterszoon Piet Hein e o "traidor" Rodrigo Pedro.

Confrontando essa fonte com as outras conhecidas e depurando-as para conciliá-las, é possível traçar um minucioso relato sobre o ataque holandês e a defesa dos capixabas naquele março de 1625. Na presente fonte, há boa descrição de Vitória e das ações nas batalhas, dentre outros pormenores. Ao final do presente post, como prometi em 2022 em uma publicação em rede social, coloco a transcrição do trecho em espanhol, tal como está na publicação da Biblioteca Nacional em 1950. Mas, aproveitando, gostaria de tecer umas pequenas considerações com base nesse maravilhoso documento; há muito o que retirar dessa relevante fonte de nossa história.

Desse documento denotamos, por exemplo, que a Vila de Vitória em 1625 ainda estava assentada em cima da colina, pequeno promontório, hoje chamada de Cidade Alta. As edificações ainda não haviam descido até ao que eles chamavam, naquele tempo, de praia da vila, que era considerada como adjacência aos limites da urbe. De acordo com as pesquisas que desenvolvi até hoje, somente no último quartel do século XVII é que as primeiras casas que começaram a ser construídas na ribeira da colina chegaram próximas ao canal de mar. Vemos também que as subidas do morro, cortadas por nove ladeiras que da vila desciam até o mar ou até as laterais alagadiças, eram cobertas com vegetação rasteira e pequenos arvoredos. Outra informação interessante é que as entradas da vila correspondiam às nove bocas dessas ruas/ladeiras; e que foi nessas bocas que os defensores locais se entrincheiraram usando as portas das casas, por não dar tempo de cavar trincheiras e formar barreiras de terra.

De acordo com as pesquisas que desenvolvo, a principal ladeira de acesso à vila, nessa época, não era onde está hoje construída a ladeira Maria Ortiz (antiga ladeira do Pelourinho ou do Cais Grande, por onde reza a tradição que subiram os atacantes que foram maculados pela nossa heroína), mas sim a ladeira que subia da chamada "pedra" (ou "lage"), conhecida como ladeira da Matriz; era ao lado dessa pedra, na região onde depois seria construído o mercado do peixe, que as embarcações atracavam até a construção do primeiro embarcadouro em molhe na região do futuro cais. As bases dessa lage, inclusive, serviram de fundação para anos depois se construir o primeiro forte no sopé da vila, conhecido oficialmente como "Fortaleza de Nossa Senhora do Carmo", mas chamado coloquialmente de "forte da lage", ou "forte da pedra". Os holandeses ocuparam a praia da vila e ali se organizaram para empreender o ataque, subindo as ladeiras, em especial (ao que parece) a subida onde hoje está a Escadaria Maria Ortiz. Outra informação interessante é ratificação dos mapas locais confeccionados nessa época, que ilustravam que os Engenhos ficavam ao fundo da baía, onde desaguavam os rios.

Enfim, dentre muitas outras informações que podemos retirar dessa fonte no que toca à região em 1625, bem como os pormenores das batalhas, vamos com o documento transcrito, em espanhol. Segue abaixo:


FONTE:

NARBONA Y ZUÑIGAEugenio de. “Historia de la Recuperacion del Brasil”. Anais da. Biblioteca Nacional. Vol. 69, 1950, p. 185-189

TRANSCRIÇÃO:

Pág 185

(...)

Esta armada de Pedro Pers (1) corriò los mares del Brasil hasta doce de marzo de mil, y seiscentos y veite y cinco em que aportò al

(1) O autor refere-se a Pieter Pieterszoon Heyn.

Pág 186

paraje que llaman la Capitania del Espiritu Sancto que por la vanda del Sur dista de la Baîa cien leguas donde el mar forma uma  Isla em tierra firme entrando um brazo por la parte del corte que em semi sirculo rodea seis leguas de capacidad entrando angosto como doscientos pasos continuandose la misma anchura todo lo que baxa la Isla, por la parte del Poniente hay um rio de agua dulce que desagua em la ria, que llaman de la poblacion, em que hay mucha cantidad de ingenios de que son dueños los moradores de la Villa de Victoria de que es Señor, y Capitan Francisco de Aguiar Coutiño, lugar grande, y de no poca vecindad que dista de la Barra, y boca de la Ria que sirve de puerto, una legua; todo el sitio desta isleta se levanta a manera de monte aunque com elevacion moderada, haciendo la parte en que esta fundada la Villa, que es a las mismas Ribeiras, uma eminencia superior a lo demas, por cuya ocacion el sitio del lugar es mas sano, mas alegre, y defendido, el terreno es muy fertil, la estancia gustosissima, y de gran provecho para los habitadores que viven seguros defendidos de la estrechura de la Barra que a la vanda del norte tiene um cerro, o montaña en cuya cumbre está una ermida dedicada a la devocion, y nombre soberano de la Virgem Madre de Dios nuestra Señora, que del sitio se llama de la Peña, que con especial devocion, y piadoso culto es venerada de todo el estado del Brasil, y con votos, y ricas ofrendas visitadas de proprios, y estrangeros, cuya devocion se aumento com haverla havitado el Padre Jozeph de Anchieta de la Compañia de Jesus cuya santa, y exemplar vida fuè edificacion a todo el pais, y su doctrina utilíssima porque se convirtieron muchos Indios que recivieron el Santo Baptismo. Em esta parte (pues) retiro apacible hurto del mar, habitacion segura, y deleitosa de muchos Religiosos que alli tienen monasterios, grangeria de los habitadores que desfrutando la fertilidad de la tierra son fructuosos a otras províncias donde transportan sus dulces fructos, se vivia seguramente sin medio (sic) que huviesse enemigo que perturbasse aquella paz pero um ingrato forasteiro que haviendose avencindado alli, y merecido por sus delitos ser condenado a pena de muerte de que indigno fuè perdonado desagradecico el tal (que se llamava Pedro Framengo) a la piedad que no merecio conociendo que el enemigo andava em aquellos mares, creyendo que pues no acometia aquella plaza ignorava su importância, recatado como aleve saliò de la Isla en un Batelillo a persuadirle que embistiesse el lugar, y tomasse aquel puerto sugnificandole, y encarecendo su importancia, y que era de calidad que una vez apoderado del era impossible, poder humano recuperarle, poque con poco arte ayudada su natural fortificacion, se hacia inexpugnable, y la tierra adentro era muy estendida, muy capaz, y muy fértil, de muchos Indios, a quien presto reduciria, y venceria fa-

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cilmente, y encareciendo las utilidades de la empresa se la facilitò proponiendo el estado em que se hallavan dos havitatorés, seguros, y desarmados sin prevencion, y aun sin miedo.

El Ingles capitan de Olanda que sentia haverse de volver a la Baîa sin haver obrado cosa porque mereciesse premio admitiò la platica, y juzgò la empresa como se la significavan facil, util,, y segura, y fueralo sin duda, y a nosostros de incomparable daño si com providencia que ignoran los mortales, no huviera Dios para socorro de tanto peligro trahido acaso a quel puerto a Salvador de Sà Venavides hijo de Martin Correa de Sà Governador del Rio Janero que con un socorro como ya diximos vino pocos dias antes de Lisboa despachado de su padre a servir a su costa con docientos, y sesenta hombres blancos, y Indios que em tres caravelas, y tres canoas venian al socorro del reconcavo; acaescio pues que estando em aquel puesto de camino Salvador de Sà con sua gente el enemigo com toda confianza se entrò por la barra adentro a doce de Marzo a la hora de tarde, y sin querer reconhecer la Villa, se entretudo aquella noche hasta que el dia seguiente desembarcò trecientos mosqueteros, que ocuparon luego el arraval, asegurando, (segun su usanza) a la gente, pidiendoles que no huyessen. El Capitan Aguiar poco prevenido aunque con mucho valor temiò el conflicto, y pareciole que la plaza estava perdida, y aconsejanvanle (sic) el retirarse a los ingenios, pero su valor venciò el efecto, y alentado com la gente de que ya se via (sic) dueño, y com tener de su parte a Salvador de Sà con el espiritu bizarro que heredo de sus aguelos (sic) que como grandes capitanes sirvieron a sua Rey, y a la pátria tan gloriosamente, y assi juntos sin embarazarse com el peligro animosos se dispusieron em defensa, no solo creyendo poder evitar el daño sino esperando victoria, juntose la gente toda que sacò de las caravelas, y canoas, que retirò a la parte contrapuesta de la ciudad, encubriendolas de la maleza que havia em aquellas orillas, com ella, y com sesenta mas parsonas que havia em lugar se fortificò, previniendo primero uma cosa digna de alavar por bien pensada conocio como el enemigo era muy diestro em las armas de fuego, que trahia, y que em ellas lo suyos eran povo platicos, y que llegando a las manos seria de mas efecto com la espada que con arcabuz, y los Indios com flechas, de buen efecto, y assi ordenò que los blancos dexassem los arcabuces, y que com las rodelas que se pudieron hallas, se armassen solo com espadas, prevenido esto ordenò que seis pedreros que estavan em lo baxo de la ciudad donde no se pude esperar pudiessem ser de efecto, se subiessen arriba. De la ciudad bajan nueve calles, que terminan em el arraval las bocas, trincheò con las puertas que quitò de las casas porque no dava tempo a cortar faxina, aunque la havia a la mano, com las puertas fortificadas las calles, puso em

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cada una veinte hombres blancos, y Indios, em la praza puso sesenta, y el com veinte acudia a ver por la parte, que el enemigo se determinava a entrar de las nueve calles para acudir a ella, y esforzar la defensa, todo estava lleno de matorrales, y maleza, que es cosa casi natural em toda la tierra. Puesto em esto estado las cosas, animados los soldados con exemplo, y com razones del valiente mancebo que les governava, conociose que el enemigo se aplicava por la tercera estancia a la parte del Norte, y Salvador de Sà acudiò a ella, y entre las matas de la maleza encubiertos puso de mas de los que havia a uma parte ocho soldados y a la outra igual cantidad, y com seus quedose el capitan em medio de las dos esquadras, el enemigo presumido, y bizarro, marchava la buelta de la ciudad, a la parte donde Salvador estava encubierto, y quando llegò casi a pisarle saliò el noble Portugues apellidando Santiago, y en el mesmo (sic) punto los de la mano derecha, y siniestra del mismo modo con valentia, y denuedo español diciendo Santiago, acometen al enemigo que embarazado de lo improviso de la accion, y la presteza con que les ofendian creyendo mayor numero, y aun excesiva cantidad de gente que les acometia sin orden se retiravan, apresurados huyan, arrojando los mosquetes que juzgavan carga inutil, aunque no para que desebarazados, pusiessen mano a la espada, que covardes tuvieram simpre en las correas; a los que el miedo hizo ligeros alcanzaron las flechas de los Indios, que siguieron el alcanze hasta el mar donde se recogieron los enemigos vencidos infamemente de quarenta y seis hombres, que fueron com los que Salvador de Sà les acometiò. Quedaram muertos em el campo veinte, y cinco, y muchos heridos, y por despojos mas de cien mosquetes, uma vandera, uma caxa, y outras cosas, embarcados yà los Olandeses, desde la orilla se les ojò el lamentar, y de la manera que sin tempo se castigavan se su covardia, atribuyendo a mas alta causa el triste efecto, todo lo restante del dia, se estubo el enemigo quieto oyendoles como rezar, y a la tarde vieron que acompañado de grande alaridos echaron um cuertpo a la mar, quisieron intentar bolver a la empresa, y Salvador de Sà, que no se asegurò por el buen suceso de que diò gracias a Dios, que esforzò su juventud, mostrose a la defensa, y fuè ocasion para que el enemigo zarpasse, y se fuese, Salvador de Sà sacò sus caravelas, y canoas, y traxolas donde se pudo embarcar mas comodamente, yendo embarcado echò um Indio a tierra, que desde un  arbol alto vio como el enemigo havia entrado por el Rio de la poblacion a hacer aguada, y que alli havia tomado, y desecho unas canoas de las del servicio de los ingenios, y haviase savido que antes tomara um patache; tanto por dar fin a la empresa, quanto por asegurar que ido el, pudiesse el enemigo atraverse a bolver, Salvador de Sà procurò hacerle mas daño, y assi se entrà el Rio arriba,

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y al desaguadero puso las proas de las dos canoas hacia la mar, trincheandose, y com las otras se atravessò, y quando llegaron los pataches del enemigo a abordar dieron sobre ellos valientemente, matandoles 40 (12) de la gente sino fueron cinco, que se cogieron vivos. Em uno dellos un soldado de muy buen talles, y com buen adomo, que otro de los prisioneros dixo, que era capitan, y barbaramente animoso em lengua castellana pidiò que le matassen, que no queria vida infame, y sin dar lugar à que pudiesse estorvarselo su amo um Indio que le tenia asido, y que estava sintiendo el dolor de una herida, com um machete le rompiò la cabeza, de los outros se supo, que el muerto, que echaron a lar mar el dia antes era ela mirante de aquella armada, hombre entre ellos de los mayor importancia, y que el Capitan a quien mato el Indio era persona estimada por sua buen juicio tanto como por valentia. Tomado el Patache, y con los prisioneros bolviò Sanvador de Sà al puerto del Espiritu Santo, donde reciviò devidos parabienes, y agradecimentos comunes, pues debian todos a sua valor la libertad, que gozavam. El dia suiguiente apareciò de paz el enemigo, pediendo por cartas muy corteses que le socorriessen com algun refresco a ley de buena guerra, y que le rescatassen los prisioneros, o dixessen que personas eran, para dar quenta a su Republica, y les diessen los pataches, que les hacian gran falta por el precio que quisiessen que alli trahiam mucho oro, y otras cosas de precio com que commutallo. Respondiò Francisco de Aguiar, que ellos eran vasallos del Rey de España de quien ellos eran enemigos, y que no tenian orden de dar otra cosa que polvora, y valas, y servir com el uso de lar armas que tuviessen; replicaron dos veces com otras cartas, y cansado ultimamente Aguiar les escreviò que se fuessen muy a priesa, o, que saldria y los quemaria a todos, temieron efectiva la amenaza, y assi diciendo que antes de um año havia de ser toda la Provincia del Brasil del Conde Mauricio su Señor.

(...)"

Texto e pesquisa:

Gerson Moraes França