quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Fontes sobre o Quilombo destruído em 1843 no Espírito Santo

Habitation de négres (Johann Moritz Rugendas, 1827)
Acervo Brasiliana Iconográfica

FONTES SOBRE O QUILOMBO DESTRUÍDO EM 1843 NO ESPÍRITO SANTO

Há pouco mais de dois anos e meio atrás recebi um documento, encaminhado pela Secretaria de Cultura do Município de Muqui, de autoria da CCRQ (Coordenadoria de Comunidades Remanescentes de Quilombos) e direcionado para a Fundação Cultural Palmares (Ministério da Cultura). Tal documento trata de uma solicitação de abertura de processo de identificação de comunidades remanescentes de quilombolas no rio Muqui, no município de Atílio Vivacqua (ES). À época, lendo o arrazoado que fundamenta o requerimento, fiquei um tanto reticente; parecia-me que havia ali um esforço em identificar um quilombo destruído em janeiro de 1843 por forças organizadas pelas autoridades, com comunidades rurais existentes atualmente no município supra aludido.

Iniciei uma pesquisa criteriosa, então, para entender se haveria alguma relação entre o quilombo desmantelado em 1843 e as comunidades atilienses dos tempos presentes. Pesquiso e estudo a história da região sul do Espírito Santo há muitos anos, e tal assunto muito me interessava; até porque eu o desconhecia e ele não se "encaixava" em meus estudos. E o resultado foi bem conclusivo. Certamente não há nenhum liame ou solução de continuidade do quilombo destruído em 1843 com os atuais moradores dessas regiões de Atílio Vivacqua. O que, é claro, não invalida qualquer iniciativa de se reconhecer como comunidades quilombolas as que estão pleiteando esse reconhecimento; as provas, porém, deverão ser outras, e a pesquisa precisará seguir por outro caminho.

Mais abaixo, transcrevo as fontes que encontrei sobre o acontecimento de janeiro de 1843. Lendo-as, vamos perceber alguns importantes pontos que trataremos doravante e, é claro, chegar a conclusão de que o referido quilombo estava situado em outro local que não o rio Muqui.

O primeiro ponto é que a autora Maria Stella de Novaes (citada no requerimento elaborado pelo CCRQ) interpretou de forma equivocada parte do documento que a serviu de fonte, bastando comparar o seu texto com o texto do ofício original, que foi compilado por Levy Rocha; idem, quando comparado com as outras fontes primárias contemporâneas que abaixo transcrevo. Não foram 70 quilombolas armados que resistiram à guerrilha, como Novaes interpretou: 70 eram os homens armados da guerrilha que atacou o quilombo.

Segundo ponto é que, mesmo que não tivéssemos conseguido localizar expressamente em uma das fontes pesquisadas onde existiu o quilombo destruído em 1843, não seria possível saber em que região do Itapemirim teria ocorrido; na verdade, não poderíamos sequer afirmar que o referido quilombo estivesse na região do Itapemirim. Há autores, por exemplo, que afirmam (também equivocadamente) que o quilombo de 18 casas destruído em 1843 ficava em Aracruz, como na obra "Negro e Resistência" de Assis & Saquetto (2017, pág. 26).

Acredito que o documento elaborado pela CCQR, datado de janeiro de 2002 e encaminhado para apreciação da Fundação Cultural Palmares, tenha sido o primeiro que aventou a hipótese de que o quilombo desbaratado em janeiro de 1843 teria existido na região de Itapemirim. Tal presunção do(s) autor(es), creio eu, teria advindo do fato de que o ofício que comunicou tal feito ter sido escrito por Joaquim Marcelino da Silva Lima, o futuro Barão de Itapemirim, que era residente nessa região.

O problema de tal hipótese, porém, é que não seria possível comprová-la. E, ao contrário, seria mais verossímil que o quilombo objeto de nosso estudo ficasse em alguma região mais próxima da atual "grande Vitória", do que em Itapemirim ou Aracruz; isso porque Joaquim Marcelino estava exercendo interinamente a presidência da Província e estava na capital Vitória quando escreveu o ofício que comunicou o feito ao Ministro do Império. A diligência da guerrilha, segundo o ofício, teve início no dia 12 de janeiro de 1843; e no dia 17 do mesmo mês a força estava na capital, quando deu a notícia do que havia obrado - a destruição do quilombo, com mortes e prisões - ao presidente interino.

Enfim, é certo que o aqui estudado "quilombo de 18 casas" não ficava em Itapemirim, e nem em Aracruz; e, mesmo caso estivesse localizado na região de Itapemirim, não seria possível afirmar com as fontes existentes se estaria ao norte ou ao sul do rio, mais para dentro do sertão ou próximo da costa. Assim, de forma alguma, nunca poderíamos afirmar que esse destroçado quilombo ficasse em terreno hoje pertencente ao município de Atílio Vivacqua, e nem que exista algum liame que o identifique como sendo o embrião das comunidades que pleiteiam o reconhecimento junto à Fundação Cultural Palmares.

Onde ficava o quilombo, então? Na última fonte que transcrevo mais abaixo (FONTE 7), está a resposta. Em tal fonte há os esclarecimentos que buscávamos, e alguns detalhes interessantes como o nome da pessoa que comandou a guerrilha que atacou e destruiu o quilombo. Este último estava localizado nas cabeceiras do rio Jucú, na região conhecida como Bahia Nova, antigamente parte do distrito de Viana e hoje parte do município de Guarapari.

Cesar Augusto Marques, em seu Diccionario  Historico, Geographico e Estatístico da província do Espírito Santo (1878), trata desse acontecimento em seu verbete sobre a localidade de Bahia Nova (pág. 12). E Eribaldo Balestrero, em artigo intitulado "Lugares e Povoações de Viana" publicado em sua obra "Subsídios para o Estudo da Geografia e da História de Município de Viana" (1951), trata do verbete e o localiza em lugar definido:

"Baía Nova - Povoação antiga do município. Era a princípio um quilombo que foi batido e conquistado, com 70 homens, em janeiro de 1843, por André de Siqueira Matos, residente na então povoação de Viana. Hoje é um importante núcleo de população habitado por colonos de origem italiana que se dedicam às culturas do café, de cereais e de frutas em grande escala.  Foi usurpada ao município e anexada ao de Guarapari em 1943, estando o assunto dependendo da realização de um plebiscito eleitoral. Possui uma escola primária e uma belíssima capela católica, dedicada a Cristo-Rei.
Nas suas vizinhanças, do lado norte, já à margem  do Jacarandá, está situada a povoação de Santa Rita, também habitada por colonos italianos, na sua maior parte, que se ocupam das culturas do café e cereais. Possui também uma escola pública."

Atualmente, a comunidade de Bahia Nova continua integrada ao município de Guarapari.

Abaixo seguem as fontes que compilei e transcrevi:


FONTES SOBRE O QUILOMBO DESTRUÍDO EM JANEIRO 1843 NO ESPÍRITO SANTO:
 

FONTE 1
História do Espírito Santo (1968)
Autora: Maria Stella de Novaes
Pág. 191:
 
“(...) 1843 - Aumentava o número de quilombos. A 17 de janeiro de 1843, êsse Vice-Presidente, em exercício, comunicava ao Ministro Araújo Lima ter batido e destroçado um quilombo de dezoito casas, constituído de setenta prêtos bem municiados. A luta foi dura. Alguns negros foram mortos, no campo da peleja; outros, presos, enquanto dois paisanos e um soldado ficaram feridos, sem gravidade.”
 
 
FONTE 2
Crônicas de Cachoeiro, 1966
Autor: Levy Rocha
Pág. 44:
 

“Os Barões de Itapemirim
Distinguiu-se na repressão aos índios que hostilizavam as fazendas e povoados e deu conta de sua atividade como "Capitão-do-Mato" quando, em 1843, ocupando interinamente a Presidência do Província, informou ao Ministro do Império: "... Possuído do maior prazer, vou participar a V. Exa. para que chegue a conhecimento de S. M. o Imperador, que hoje mesmo veio de bater e destroçar quilombos uma guerrilha que, em conseqüência das ordens existentes, a despeito de dificuldades, consegui aprontar e fiz marchar em tão interessante diligência no dia 12 do corrente mês, a qual arrasou completamente um quilombo de 18 casas, deixando mortos alguns negros, que resistiram, e conduzindo todos que puderam prender. Tenho notícia de que existem mais quilombos, que pretendo tenham a mesma sorte, e para isso não me pouparei aos maiores sacrifícios empregando todos os meios que existirem ao meu alcance por quanto é esse o mais considerável benefício que se pode fazer a esta Província".
 
 
FONTE 3
História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição (2008)
Autor: José Teixeira de Oliveira
Pág. 352:
 
“39 - O presidente Joaquim Marcelino, a dezessete de janeiro de 1843, comunicava ao ministro Araújo Viana ter sido batido e destroçado um quilombo de dezoito casas. Aprisionaram os que puderam e deixaram alguns negros mortos no campo da luta. “Na resistência que fizeram”, foram feridos dois paisanos e um soldado, porém sem grande gravidade (Pres ES, VII).”
 
 
FONTE 4
Falla com que o exm. presidente da provincia do Espirito Santo, Wenceslau de Oliveira Bello, abriu a Assembléa Legislativa Provincial no dia 25 de maio de 1843.
Pág. 03:
 
“Tranquilidade Publica, Segurança Individual, e Força Publica.
(...) Um quilombo de negros e facinorosos foi há pouco batido e destroçado, por sabias medidas tomadas por um dos meus benemeritos Predecessores, e continuarão a sel-o os que demais aparecerem: (...)”
 
 
FONTE 5
Falla dirigida á Assembléa Legislativa da provincia do Espirito Santo na abertura da sessão ordinaria do anno de 1846 pelo exm. vice-presidente da mesma provincia, Joaquim Marcellino da Silva Lima. 
Pág. 07:
 
“Força Publica
(...) entretanto que o interesse particular dos Senhores dos escravos, a das Praças da Guerrilha contribue tambem efficazmente para que ellas sejão coroadas de feliz sucesso, como ha bem pouco tempo se observou, sendo arrazado um antigo quilombo, e presos quasi todos os escravos que o occupavão.”
 
 
FONTE 6
Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na segunda sessão ordinária da quinta legislatura, em 1843, pelo Ministro e Secretário de Estado Interino dos Negócios Estrangeiros Honório Hermeto Carneiro Leão, em 15 de maio de 1843.
Pág.
 
“Na província do Espírito Santo (...) a destruição de um quilombo composto de 18 casas habitadas por uma quadrilha tão numerosa, que animou-se a resistir a uma guerrilha de 70 homens bem armados e municiados que o presidente da província para ali mandára a destruir esse quilombo, o que conseguiu sem perda de um só homem, e com o ferimento leve de uns dous, ficando porêm mortos alguns dos escravos fugidos. Outros quilombos porém restavam, que o presidente se propunha a mandar destruir.”


FONTE 7
Falla com que o Exm. Vice-Presidente da Província do Espírito Santo, José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim abrio a Assembléa Legislativa Provincial no dia 23 de maio de 1844.
Pág. 13:

"(...) Uma medida que considero vital ao augmento da lavoura e a segurança individual dos lavradores é sem dúvida a de serem batidos os muitos e fortes quilombos de escravos refugiados que existem nas vizinhanças do povoado, vivendo do roubo e do assassinato; autorisar o governo com meios pecuniarios a esse fim desse ser objecto de consideração da assembléa. Os escravos que se achão aquilombados no lugar chamado Bahia Nova, sobre as cabeceiras do rio Jucú, e que escaparão á batida que em janeiro do anno próximo passado lhes deu o cidadão André de Siqueira Mattos com uma guerrilha de 70 homens, não cessão de desafiar a este cidadão probo, chefe de família, ameaçando-o de lhe pôrem fogo á casa de sua residência no sertão de Santo Agostinho, e que se tornar a procura-los, não voltará como da primeira vez, porque estão bem providos de munições que lhes tem arranjado pessoas livres, que não são índios, pardos ou pretos. Esta declaração não deve ser desprezada pelos legisladores, porque infelizmente haverá quem trate com taes fugidos a troco de alguns interesses particulares." (GRIFO MEU)


Pesquisa e texto: Gerson Moraes França

terça-feira, 24 de junho de 2025

CONCEIÇÃO DO MUQUI - HISTÓRIA

 

Foto: Conceição de Muquy em 1930 (Revista Capixaba) 

Post original feito em 08 de fevereiro de 2021 em minha rede social

CONCEIÇÃO DO MUQUI - HISTÓRIA

Como prometido em post anterior, nosso centro de história Alci Vivas Amado trás algumas informações históricas inéditas sobre os primórdios da vila de Conceição do Muqui, próspero distrito do município de Mimoso do Sul.

As primeiras posses em terras que circundam a atual vila de Conceição do Muqui foram colocadas em 1840, pelo posseiro Quintiliano José Barreiros. Esse posseiro e mateiro foi muito atuante nas regiões de Alegre, Café e Conceição do Muqui.

Essas terras, junto com as terras da fazenda da Prata, nas cabeceiras do ribeirão Barra Alegre (vendidas por Francisco Lopes da Rocha, posseiro da região do baixo Barra Alegre em 1837), foram compradas em 1853, na cidade de Vassouras, pelo abastado fazendeiro Manoel Gomes de Souza, então morador em Sacra Família do Tinguá. As terras do alto Barra Alegre e do alto Muqui do Sul pertencentes ao progenitor da família depois chamada de "os Gomes do Prata" mediam 4 sesmarias e eram bem extensas.

Em 1854, o fazendeiro muda seu nome para Manoel Gomes da Silveira e Souza, e em junho de 1858 muda-se, com a sua família, para a sua fazenda do Prata. Em algum momento do início da década de 1860 o tenente-coronel Manoel Gomes doou uma grande área para servir de patrimônio à Capela de Nossa Senhora da Conceição, em um pequeno córrego que corria para o Rio Muqui do Sul, templo este que já estava construído em 1867.

O coronel Manoel Gomes de Silveira e Souza, também chamado de Manoel Gomes da Prata, foi um dos homens mais ricos da Província do Espírito Santo. Faleceu em 07 de março de 1882 e foi sepultado na Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Muqui. Nessa ocasião o templo recebia grandes reformas patrocinadas por Manoel e outros fazendeiros locais, buscando transformar a construção em uma grande Igreja.

Pesquisa e redação: Gerson Moraes França

segunda-feira, 23 de junho de 2025

As ruínas da capela de Nossa Senhora Auxiliadora, em São Pedro do Itabapoana

 

Essas são as ruínas da capela de Nossa Senhora Auxiliadora, no sítio histórico de São Pedro do Itabapoana, cuja construção iniciou-se no início do século XX e que foi concluída em 1918. Sua edificação foi iniciada pelo cônego Flávio Ribeiro, vigário da Paróquia entre 1897 e 1909, que adoeceu e faleceu em 1912, em Minas Gerais. Os vigários seguintes mantiveram a obra, que era um sonho do cônego Flávio, e que foi inaugurada cinco anos depois de sua morte.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

O Busto de São Pedro

[Post original em minhas redes sociais]

https://www.instagram.com/historiador.gerson.franca/

 O BUSTO DE SÃO PEDRO

Esse é o busto de São Pedro que está no Museu São Pedro de Alcântara, no sítio histórico de São Pedro do Itabapoana (Mimoso do Sul/ES). Todo feito em madeira maciça, passou por uma recente restauração e mudou de lugar: agora está alocado à mesa em frente da porta de entrada do Museu, contemplando os visitantes que adentram o espaço.

Tomado equivocadamente pelo inventário do Museu como sendo uma antiga carranca de embarcação, trata-se na verdade da única imagem de São Pedro que restou da antiga Igreja de São Pedro de Itabapoana, construída entre 1856 e 1860 às margens do rio Itabapoana. “Resgatada” das ruínas da antiga Igreja, ficou por muitos anos em uma fazenda da região até ser entregue para formar o acervo do Museu São Pedro de Alcântara.

À propósito: a restauração feita no busto foi por causa de um acidente ocorrido durante a última reforma do Museu. O desabamento de uma parede - devido a uma intensa chuva quando da reforma dos telhados - danificou o nariz da imagem, que foi devidamente recolocado no lugar. Histórias…

Gerson Moraes França

Conteúdo das Redes Sociais


Conteúdo nas Redes Sociais

Esse post é apenas um registro. Algo que vem ocorrendo, gradativamente, ao longo dos anos. Com a chegada das redes sociais, como o antigo Orkut e o ainda existente Facebook, os conteúdos produzidos no nosso BLOG alcançaram ótimos meios de divulgação. Com a chegada do Instagram, o leque se ampliou; e ainda tem potencial de se ampliar, com o Tiktok e o Kwai, por exemplo (mas que eu, ainda, não utilizo). Sempre, ao fazer uma "matéria", colocávamos o seu link correspondente em uma rede social para que alcançasse muita gente.

Mas, de uns anos para cá, começamos (cada vez mais) a produzir conteúdo nas próprias redes sociais, deixando de fazê-lo sempre em nosso BLOG. Assim, muito de nossas pesquisas e escritos acabaram sendo publicados no Instagram e no Facebook, sem que eu colocasse o texto por aqui. Tentarei resgatar alguns desses textos que entendo ser interessantes para estarem nos escritos do presente BLOG. E começarei com o meu último post nas minhas redes sociais, que seguirá em um post próprio na próxima publicação.

EDIT: a propósito, possuo contas no Facebook e no Instagram, onde faço post's de conteúdo histórico.

Abaixo, segue o link que leva à minha principal rede social que trata de história:

https://www.instagram.com/historiador.gerson.franca/

Grande abraço a todos e todas!

Gerson Moraes França

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Maria Antonieta Tatagiba - Pequena Resenha Biográfica

Em tempo de celebração da reedição do livro de poesias "Frauta Agreste", da poetisa Maria Antonieta Tatagiba, segue abaixo uma pequena resenha que fiz tratando celeremente de alguns momentos da sua vida. Eu havia tecido essa curta biografia em apenas duas horas, há uns poucos meses atrás e no ano passado, a pedido de um amigo; mas este amigo acabou não a utilizando. Para não se perder em algum canto de HD ou pen-drive, aqui publico.

Banner da Academia Maria Antonieta Tatagiba

PEQUENA RESENHA BIOGRÁFICA

MARIA ANTONIETA TATAGIBA

Maria Antonieta nasceu no dia 17 de setembro de 1896 na Fazenda União, em São Pedro de Itabapoana, Espírito Santo. Segunda filha do comerciante Arthur Antunes de Siqueira e de dona Maria Rita de Castro Siqueira, residentes em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. A primeira filha do casal, Zulmira, nascida em Campos no ano de 1895, falecera em 16 de abril do ano seguinte, antes de completar seu primeiro ano de idade e quando Maria Rita estava grávida de quatro meses. Talvez por esse motivo esta última tenha ido para a fazenda União, de seu pai José Antônio de Castro, para passar os meses restantes de sua gravidez junto de sua mãe dona Maria Cândida.

Nascida são-pedrense, Maria Antonieta cresceu em Campos. Arthur era natural do Estado do Rio, e dona Maria natural de São Pedro do Itabapoana. Ambos se casaram em São Pedro e lá se estabeleceram inicialmente, mas logo mudaram-se para a grande cidade do norte fluminense. Campos, em finais do século XIX e início do século XX, era a maior cidade do Estado do Rio de Janeiro. Mais rica e pujante do que as maiores urbes do Espírito Santo de então. Arthur era um comerciante bem sucedido, e Maria Antonieta estudou em bons colégios, como o conhecido Liceu de Humanidades de Campos.

O destino, porém, interferiu na trajetória de Maria Antonieta. Em fevereiro de 1911 o seu pai Arthur faleceu, deixando viúva sua mãe Maria Rita com duas filhas pequenas: nossa biografada e sua irmã Elvia Celeste, nascida em março de 1906. Assim, sem muitas alternativas, foram morar na fazenda União, em São Pedro do Itabapoana. E, nessa nova fase, Maria Antonieta começa a lecionar enquanto concluía seus estudos. Ministrou aulas em Mimoso, distrito do município de São Pedro, antes de terminar em 1916 o Ginásio do Espírito Santo. No ano seguinte, correu atrás de um sonho: ingressou no curso de Farmácia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Mas as vicissitudes da vida determinaram-lhe outros caminhos. Retornou para São Pedro, onde continuou a lecionar e a participar ativamente da sociedade local e, também, a dedicar-se a uma atividade que a eternizaria: as letras.

Em 1922 Maria Antonieta casou-se com José Vieira Tatagiba, um calçadense bacharel em Direito então promotor-público da Comarca de Itabapoana. E, a partir de então, passou a assinar o sobrenome com o qual foi reconhecida sua vida e obra: Maria Antonieta Tatagiba. Maria Antonieta ocupou, dentre outras atividades, a gerência do jornal A Semana, órgão de imprensa local, entre 1926 e 1927. Atuou ativamente nos meios literários do Espírito Santo, publicando sua obra de poesias, Frauta Agreste, em 1927. Suas posições e ideias feministas contrastam com a época em que viveu, demonstrando que vivia a frente de seu tempo.

Com José Vieira teve quatro filhos: Maria do Carmo, Ruy, que faleceu em tenra idade, Stael e Geraldo. Em meados de 1927 adoeceu, buscando tratamento em Campos e no Rio de Janeiro. Debalde. Após dois meses de tratamento hospitalar, Maria Antonieta voltou para São Pedro do Itabapoana, onde encontrou a vida eterna em 13 de março de 1928.

Nossa festejada poetisa, nascida no interior, cresceu na cidade. Ao retornar para o torrão natal, seu olhar de moça de cidade enxergou a beleza e o bucolismo do interior. Maria Antonieta cantou o interior. Fez de São Pedro, poesia.

Gerson Moraes França

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Maria Ortiz: a Lenda, a Verdade e a Tradição (III) : O Diário de Piet Heyn.


DIÁRIO DA VIAGEM DE PIET HEYN AO BRASIL E À ÀFRICA OCIDENTAL 1624 - 1625

Anos depois de encontrar uma sexta fonte primária que trata do ataque holandês à vila de Vitória em 1625, e que publiquei no último post, me animei a procurar outras fontes estrangeiras que pudessem existir sobre o citado fato histórico. A internet, ano após ano, vai enriquecendo o seu "acervo", e uma busca criteriosa poderia nos revelar algum "novo" documento ainda desconhecido na historiografia capixaba. Vasculhei arquivos espanhóis e holandeses. E no final do ano de 2024 encontrei um documento em língua holandesa que, por sua grande importância, demorei a acreditar que ainda não havia sido "revelado" para nós espírito-santenses.

Trata-se do diário do próprio comandante da frota flamenga que atacou a vila de Vitória em março de 1625. Esse relatório foi "descoberto" na Holanda em 1931 e publicado em uma revista holandesa no ano de 1962 sob o título "Journaal van de reis van Piet Heyn naar Brazilië en Wesrt-Afrika, 1624-1625". Nele, o próprio Piet Heyn narra os acontecimentos daquelas expedições, e é muito interessante a leitura de sua passagem pelo Espírito Santo. Dentre outros pormenores, o que mais me chamou a atenção, considerando que o principal objeto desses meus escritos é a "mulher do tacho" hoje conhecida como Maria Ortiz, é a seguinte passagem relatada sobre a ação militar do dia 12 de março de 1625:

"12 dito. Smergens sijn wij onder seyl gegaen naer het dorp van Sprito Sancto, alwaer wij quamen ontrent den middach; sulcx dat wij landen met al ons macht, naementlijck 250 man, soo soldaten als bootsgesellen, meest al moskettiers - om het dorp Spirito Sancto te incorporeren. Soo als wij int marcheeren waren, coomende ontrent boven, daer de Portugesen haer sterck gemaeckt hadden ofte onthielden - losten een metalen stuck op ons, soo haest alsij ons begaen conden; welck stuck schoot ontrent 14 lb. ijsers. Flanckeerende langgers de wegh daer wij op quamen gemarchert, soo haest als de schoot vant stuck gegaen was, werdender veel pijlen ende eenige roors ofte moskets op ons geschooten; mitsgaders uyt een huys, daer wij bij stonden, werden met heet water uyt de vensters ende anders gegooten. Die vant dorp vielen middelertijt uyt, soo datter eenige van d'onse gequest werde van het geschiet van de Bresilianen, die hier ende daer in de ruychte laegen. Sulcx wij 〈30v〉 resolveerde wederom aff te trecken 〈alsoo de courage van ons volck wegh was〉; welck ick capiteyn Vonck belaste, dat hij met het volck soude afftrecken ende dat met ordre, - maer geschiede met een groote disordre, sulcx datter van de onse ontrent de 80 gequest werde ende 7en doot."

Em negrito (grifo meu) há o trecho que narra parte dessa ação militar e luta propriamente dita, e aí estão narrados fatos citados em outras fontes primárias, como a subida para a vila, o tiro de canhão, as flechas e rodelas lançadas sobre eles e os tiros de mosquetes; e, em vermelho (também grifo meu), o trecho da ação que mais me chamou a atenção por ler, pela primeira vez e expressamente, que foi usada água quente jogada das janelas para afastar os invasores holandeses. Esse fato aproxima ainda mais a história narrada por Britto Freire e por outros escritores europeus do século XVII, que citam a ação da "mulher do tacho" que derramou água fervente sobre o comandante dos atacantes.

Em tradução livre feita por translate, pois não conheço o idioma holandês, assim fica parte desse trecho do diário de Piet Heyn:

"12 dito [de março]. (...) navegamos até a vila de Sprito Sancto [Espírito Santo], onde chegamos por volta do meio-dia; para que desembarcássemos com toda a nossa força, ou seja, 250 homens, entre soldados e marinheiros, a maioria mosqueteiros - para conquistar a aldeia de Spirito Sancto. Enquanto marchávamos, chegando perto de onde os portugueses tinham construído ou estavam mantendo sua fortaleza, eles dispararam uma peça de metal contra nós o mais rápido que puderam; (...). Flanqueando a estrada por onde havíamos marchado, assim que o tiro da peça foi disparado, muitas flechas e algumas armas ou mosquetes foram disparados contra nós; assim como de uma casa onde estávamos, água quente jorrava das janelas e de outros lugares. Os moradores da aldeia se avançaram ao meio do dia, de modo que alguns dos nossos homens foram mortos pelos bombardeios dos bresilianos (brasileiros), que estavam aqui e ali nos matagais. Então decidimos (...) nos retirar novamente, como se a coragem do nossa tropa tivesse desaparecido; eu ordenei ao Capitão Vonck que ele partisse com a tropa e que isso acontecesse em ordem, - mas isso aconteceu com grande desordem, de modo que dos nossos cerca de 80 foram feridos e 7 foram mortos." (o negrito é meu)

Sem mais delongas, é isso. Um relato de fonte primária, escrito pelo comandante holandês Piet Heyn, que cita expressamente que das janelas (e de outros lugares) jorrava água fervente sobre eles. Heyn faleceu em junho de 1629, poucos anos depois após o acontecimento. É muito provável que a história da "mulher do tacho" narrada por Brito Freire seja verídica, pois nunca foi refutada por escritor algum; isso é plenamente verossímil, ainda mais considerando que outros escritores europeus, de forma independente inclusive, narraram a mesma história que, certamente, corria pelas bocas as pessoas na Europa.

Pesquisa e texto: Gerson Moraes França