terça-feira, 29 de dezembro de 2009

Teonilo de Souza - um herói mimosense

Neste ano que vai acabando, “comemorou-se” os setenta anos do início da Segunda Guerra Mundial. Esse conflito, que durou seis anos e no qual perderam a vida cerca de setenta milhões de pessoas em todo o mundo, acabou envolvendo diretamente o Brasil: em 1942, após ter mais de trinta embarcações torpedeadas, nosso país declarou guerra à Alemanha. O Brasil enviou tropas para lutar na Europa, mais especificamente na Itália, em 1944.

Pouco mais de 25 mil brasileiros (entre combatentes e não combatentes) foram remetidos à Itália, integrados à 1ª Divisão de Infantaria Expedicionária, que depois ficou conhecida como FEB (Força Expedicionária Brasileira). Quase três mil homens da FEB foram feridos em combate, e perderam a vida cerca de 450 brasileiros.

Doze capixabas foram mortos na campanha da Itália, dentre eles um mimosense. Esse herói nascido em Mimoso do Sul foi enterrado no cemitério militar brasileiro em Pistoia/Itália, juntamente com as centenas de brasileiros mortos na guerra. Em 1960, seus restos mortais e os de seus companheiros foram trazidos de volta ao Brasil, transferidos para o Monumento aos Mortos da Segunda Guerra, no Aterro do Flamengo, Rio de Janeiro, onde descansa até hoje.

Sim, caro leitor. Um mimosense verteu seu sangue na luta contra o nazi-fascismo. Esse mimosense, que lutou bravamente na Itália e deu sua vida pela nossa pátria, curiosamente, não recebeu nenhuma homenagem em seu torrão natal. Em São Paulo, esse mimosense foi homenageado dando seu nome a uma rua da capital paulista; mas, em Mimoso do Sul, não há nem um logradouro, praça, ou mesmo uma pequena plaquinha, homenageando-o.

Seu nome era TEONILO DE SOUZA.

O soldado Teonilo de Souza partiu para a Itália no 1º Escalão da FEB, composto por pouco mais de cinco mil homens, saindo do Rio de Janeiro em 02/07/1944 e chegando à Nápoles em 16/07. Pertencia ao III Batalhão do 6º Regimento de Infantaria (o Regimento Ipiranga, de Caçapava/SP). Esteve junto das primeiras tropas brasileiras que entraram na Linha de Frente em Vada-Ostedalettoe, no vale do rio Sercchio, em 15/09. Seu Batalhão entrou em posição inicialmente na reserva, passando para a primeira linha em 17/09.

O III Batalhão tomou parte em diversas batalhas no setor do Sercchio, conquistando várias vitórias, como Camaiore, Monte Prano e Barga. Após 45 dias na linha de frente, o seu Batalhão foi enviado para Porreta Terme, no setor do Rio Reno. Entre os dias 04 e 21/11 ficaram posicionados nessa cidade, em descanso, embora os bombardeios alemães fossem freqüentes. No dia 22/11 entraram novamente em linha, para participarem do que seria o primeiro ataque brasileiro às posições alemãs em Monte Castelo.

Teonilo participou desses primeiros combates, travados nos dias 24 e 25/11. A resistência alemã foi tenaz, e os brasileiros tiveram que recuar para a sua linha de partida. Nessa ocasião, o soldado Teonilo teve atuação destacada, recebendo elogios do comandante do Batalhão, Major Silvino Castor da Nóbrega. No dia 26, nova investida foi suspensa devido ao grande número de baixas que as defesas alemãs provocaram nas tropas brasileiras.

No dia 29/11 foi lançado novo ataque contra Monte Castelo. O seu Batalhão continuou em suas posições, na região de Bombiana, durante a investida levada a efeito neste dia por dois outros Batalhões. E foi nesse dia que o soldado Teonilo de Souza, nascido em Mimoso do Sul, perdeu a vida. Morto em ação, em Monte Castelo, no dia 29 de novembro de 1944. Após mais esse revés, o III Batalhão do 6º RI seria retirado da linha de frente por alguns dias. Seriam necessários mais dois ataques (12/12/44 - mal sucedido, e 21/02/45 - vitorioso) para que os brasileiros tomassem o Monte Castelo.

Esse herói mimosense, que morreu pela pátria, foi agraciado com as Medalhas de Campanha, a Sangue do Brasil e a Cruz de Combate de 2ª Classe. E, em Mimoso do Sul, o soldado Teonilo de Souza ainda permanece esquecido.


Gerson Moraes França


FONTES -
Informações sobre Teonilo de Souza:
http://www.anvfeb.com.br

Informações sobre o III Btl / 6º RI: http://www.2guerra.com.br

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Em 1955, Limeira do Itabapoana ainda estava lá

Abaixo segue um mapa de parte do Município de Campos, datado de 1955. Esse mapa foi publicado na "Enciclopédia dos Municípios Brasileiros, vol. VI, IBGE, 1958, p. 148", e está disponível in totum no site Estações Ferroviárias do Brasil referente à Estação da referida cidade.
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Reparem bem em cima, um pouquinho para a direita, na margem do rio Itabapoana, pertinho da Pedra do Garrafão (que hoje dá nome à usina hidrelétrica recém construída): sim, lá está Limeira!
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Nessa época, o Povoado já estava em franca decadência, e receberia o golpe final poucos anos depois quando da implementação da política de erradicação do café, que acarretou uma grande emigração e fez decrescer a população da grande maioria dos distritos e pequenos povoados da bacia do Itabapoana. No lado do Espírito Santo, por exemplo, na época que o presente mapa foi confeccionado, só haviam ruínas da "Limeira capixaba", conforme atesta Olympio José de Abreu na "Ligeira Notícia Histórica sôbre Mimoso do Sul", publicada em 1951.
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Nos mapas em escala 1:50000 feitos pelo mesmo IBGE em 1968, Limeira não aparecia mais como núcleo existente. Só restavam as ruínas engolidas pelo mato e por sedimentos; as mesmas ruínas que, erroneamente, então sendo agora confundidas como sendo da quinhentista Vila da Rainha.
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Gerson Moraes França
Clique no mapa para ampliar a imagem

Ruínas da Vila da Rainha - Aires de Casal e Couto Reis estiveram lá

Lá vou eu, novamente, com esse assunto de Vila da Rainha... sei, já deve estar enfadonho, mas esse post é bem curtinho. São duas citações, feitas por duas pessoas que, entre o final do século XVIII e início do XIX, estiveram da região da Enseada do Retiro, onde encontraram as ruínas VERDADEIRAS da VERDADEIRA Vila da Rainha.
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A primeira é uma reprodução de pedaço do relatório escrito pelo Capitão Manoel Martins do Couto Reis em 1785, intitulado pomposamente de "Descrição Geográfica, Política e Cronográfica do Distrito dos Campos Goitacás que por Ordem do Ilmo e Exmo Senhor Luiz de Vasconcellos e Souza do Conselho de S. Majestade, Vice-Rei e Capitão General de Mar e Terra do Estado do Brasil, etc se Escreveu para Servir de Explicação ao Mapa Topográfico do mesmo Terreno, que debaixo de dita Ordem se Levantou. Rio de Janeiro":
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"(...) Eu refletindo bem nesta notícia, me propus a indagar os vestígios dela; com pouca diligência os achei, e principiam mesmo chegado as mós; e é um valado profundo entre o combro do mar e a terra firme, que vai fenecer na gamboa, que forma o Cabapuana: é natural que por ali encanassem as águas do rio. Subindo-se uma pequena eminência deste lugar, entre densos matos, se encontram resíduos de paredes e telhas, que mostram haver ali antigamente algum estabelecimento que o tempo consumiu." (1)
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A segunda é uma reprodução de uma pequeno trecho da obra "Corografia Brazilica ou Relação historico-geografica do Reino do Brazil", escrita pelo Padre Manuel Aires de Casal e publicada em 1817, e que foi o primeiro livro editado no Brasil:
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"(...) porque junto à extremidade duma baía no lado meridional do Cabapuana, mui perto da praia do mar, existem duas mós de pedra européia com alguns resquícios de povoação; e entre os moradores da visinhança há tradição, que fora ali a morada de Pedro Góis."
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Após as inúmeras matérias aqui colocadas anteriormente, e depois de ter mais dois "advogados de nossa causa" antigos, que estiveram nas verdadeiras ruínas da Vila da Rainha, na Enseada do Retiro, próximo ao mar, só me resta dizer mais uma vez:
- Pesquisadores do Museu Nacional / UFRJ, parem de teimar sem fundamento!
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Gerson Moraes França
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(1)
Citação retirada do brilhante trabalho escrito pelo historiador Arthur Soffiati,
tratando sobre a Vila da Rainha, disponível no seguinte site:
Em 15/12/2009

segunda-feira, 14 de dezembro de 2009

Vamos Começar a Corrigir?

Em tópico anterior, intitulado de “Corrigindo a História”, disse eu que, em meus mais de dez anos de pesquisas, havia notado que havia incongruências, omissões e, mesmo, erros na tradicional historiografia escrita mimosense.

Na ocasião, assim me exprimi:
Comecei a reparar que havia alguns equívocos na historiografia mimosense assim que iniciei minhas pesquisas em fontes primárias. Muitos erros e/ou omissões são apenas pontuais, não interferindo muito no desenvolvimento da nossa verdadeira história. Alguns outros são mais relevantes, transformando um equívoco ou uma construção fictícia em realidade que muda a essência dos fatos históricos.
Cito um exemplo do primeiro caso, um erro apenas pontual, mas que é, do ponto de vista do pesquisador, erro grosseiro. Nas primeiras eleições realizadas em Mimoso do Sul pós-1930, a historiografia local dizia que o candidato vencedor - Pedro José Vieira - era do PL (Partido da Lavoura). Verifiquei que Pedro Vieira era de outro Partido, e que o candidato do PL havia sido derrotado. Guardadas as devidas proporções, seria como se um historiador, quarenta anos no futuro, escrevesse que o vencedor das eleições presidenciais de 1994 havia sido Fernando Henrique Cardoso, do PT (Partido dos Trabalhadores)...
Desse modo, sempre pautado em documentos primários, comecei à desmistificar certas realidades históricas que eram tratadas como fatos incontestes.


Logo iniciaremos as nossas “correções”. Não é minha intenção questionar a competência e/ou seriedade das pessoas que produziram, ou reproduziram, os “erros históricos”, sejam esses relevantes ou não. Se o fizeram, certamente foi com a melhor das intenções, pois estavam imbuídos com o nobre espírito da preservação e resgate de nossa memória e história. Apenas usaram os elementos que possuíam em mãos. Não intenciono ferir susceptibilidades e egos, mas fato é que não podemos nos omitir quando temos em nossa posse documentos comprobatórios que corrigem equívocos, desmistificam fatos e emergem omissões. Acredito que é dever do pesquisador corrigir quaisquer fatos ou acontecimentos, importantes ou irrelevantes, pois é importante que as corretas informações e fatos venham à tona, e sejam registradas para a posteridade.

Vamos começar a corrigir?

Gerson Moraes França

domingo, 13 de dezembro de 2009

Heróis que Preservam e Resgatam nossa Memória

Mimoso do Sul tem uma particularidade interessante: não temos nenhum livro, específico, que trata da história local. Nenhum autor ainda se aventurou a escrever uma obra especificamente sobre a história geral do Município. Temos, é certo, vários artigos e livros que trataram de pedaços de nossa história, e alguns pesquisadores que se esforçam por resguardar nossa memória. Este é um trabalho valioso e louvável, pois esses artigos, revistas, folhetins, monografias, biografias e livros de memória acabam se tornando o registro de nossa historiografia.

Sobre o atual Distrito de São Pedro do Itabapoana, outrora sede de Comarca e de Município que abarcava os territórios do atual Município de Mimoso, e que inclusive teve foros de Cidade, já se escreveram alguns trabalhos. O primeiro deles é o clássico "História do Antigo Município de São Pedro do Itabapoana, Estado do Espírito Santo - Páginas de Nossa Terra" escrito por Grinalson Medina e publicado em 1961. Posteriormente, Olympio de Abreu pesquisou e escreveu uma série de artigos históricos sobre São Pedro e Mimoso, mas que nunca foram reunidos em obra; seus escritos, porém, serviram de referência e foram amplamente utilizados em praticamente todas as publicações posteriores que trataram de nossa história local. O termo "Refluxo das Bandeiras", por exemplo, foi criado por Abreu para cognominar o movimento de mineiros e fluminenses que vieram, no século XIX, ocupar o vale do Itabapoana.

Ainda sobre São Pedro, algumas outras obras de relevância foram produzidas, principalmente a partir da década de oitenta, mas geralmente circunscritas aos meios acadêmicos em forma de monografias, teses e dissertações de curso. Foram confeccionadas na época do tombamento do Sítio Histórico, e mais tarde na época da criação do Festival de Sanfona e Viola. Dentre as mais importantes obras acadêmicas, temos a Monografia escrita por Jacqueline Monteiro de Barros Silva e Jaquelini Loureiro Del Puppo, intitulada "Tombar é Preservar? Caso de São Pedro do Itabapoana", publicada em 1987; a escrita por Maria Lúcia Teixeira Garcia em 1988 - "Século XIX: O Refluxo das Bandeiras e a Ocupação do Vale do Itabapoana"; e a mais recente "Patrimônio Construído, Cultura e Identidade - Projeto de Preservação e Requalificação do Sítio Histórico de São Pedro do Itabapoana-ES", escrita por Jean Carlo da Silva Pereira em 2006.

Outro importante autor que se dedicou à escrever sobre São Pedro foi Milton Teixeira Garcia, "herdeiro" dos arquivos de Grinalson Medina, tendo publicado juntamente com Maria Lúcia Teixeira Garcia a obra "O Vale do Itabapoana e a História de São Pedro do Itabapoana e São José do Calçado" em 1997. Embora tenha "herdado" os valiosos arquivos de Medina, Milton e Maria Lúcia se aprofundaram e pesquisaram em fontes primárias, trazendo importantes elementos novos para nossa historiografia.

Atualmente, as mais importantes referências sobre a historiografia mimosense são os pesquisadores Rosângela Marques Guarçoni (primeira Secretária de Cultura da história de Mimoso) e Pedro Antônio de Souza (principal responsável pelo tombamento do Sítio Histórico de São Pedro). Ambos possuem rico acervo de fotos e documentos, tendo produzido artigos publicados em livretos e folhetins locais, como o já considerado clássico "São Pedro do Itabapoana Revive", publicado por Pedro Antônio em 1987, e os vários prospectos publicados por Rosângela, como o da "Feira dos Distritos" em 1992.

Parte de nossa história também foi preservada em livros de memórias, como os de José Arrabal Fernandes (Mãos de Médico - Histórias de uma Vida, 1993) e de Leonor Pereira Cheibub (Ternuras do Passado, 1996), além de biografias como a de Stênio Garcia, escrita por Rosângela Guarçoni (Trilhas... Pegadas no Palco e Pegadas na Vida: Stênio Garcia, 2002). Sem falar no romance histórico "Gonçalo Pé de Mesa", escrito por José Arrabal Fernandes e publicado em 1983.

Há vários outros nomes que não podemos deixar de aqui citar, como o de Roberto Brochado Abreu, Renato Pires Mofati, Carlos Miranda de Castro, Gilberto Braga Machado, Alci Santos Vivas, todos mantenedores de nossa memória através de seus trabalhos e escritos históricos. Espero não estar esquecendo de ninguém. E - por que não? - este que vos escreve (eu mesmo!); também já contribuí um pouco com nossa historiografia escrevendo artigos históricos para o jornal local "Acontece", e agora tento contribuir com o presente Blog.
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O MAIS NOVO TRABALHO SOBRE SÃO PEDRO
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E, coroando a nossa coleção de obras escritas, foi publicado recentemente o livro "São Pedro do Itabapoana: Patrimônio, Memória e Identidade Sul Capixaba", escrito por Marcelo Pedrosa Pereira em 2009, cuja capa segue na foto ao lado. Confeccionado originalmente como Monografia em tese de Mestrado, foi agora transformado em livro, enriquecendo a historiografia que trata de São Pedro do Itabapoana.
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Em sua obra, valeu-se de boa parte de nossa bibliografia existente, coletando também uma série de depoimentos orais em entrevistas pessoais. Focou-se com muita propriedade nas questões acerca do resgate da memória e do renascimento das tradições locais.
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Embora cometendo os "vícios históricos" que estão de certo modo sedimentados na bibliografia e na historiografia mimosense e são-pedrense, advindas de pequenos equívocos passados através das últimas gerações e "gravados" na memória popular e nos poucos trabalhos escritos, tal fato de modo algum desvirtua o livro. A obra é muito elucidativa e bem formulada, e é excelente na matéria focada. Certamente a recomendamos ao leitor.
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E, a título de curiosidade, o autor Marcelo Pedrosa Pereira é neto de Hailton Oliveira Pedrosa, nascido e criado em São Pedro do Itabapoana, sendo também bisneto de Antônio Perciano de Oliveira e trineto de Manoel Pereira Pedrosa, este um dos primeiros moradores do então primitivo Arraial de São Pedro de Alcântara do Itabapoana, que foi fundado no ano de 1852 em terras de Manoel Joaquim Pereira.
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Gerson Moraes França

sábado, 12 de dezembro de 2009

Equívoco da Vila da Rainha chega ao Espírito Santo

E, mais uma vez, cá estou escrevendo sobre o erro que os pesquisadores do Museu Nacional / UFRJ estão cometendo acerca das ruínas "inéditas" "descobertas" na região de Limeira do Itabapoana.

Os fundamentos para a nossa posição estão pululados em vários posts, demonstrando de forma clarividente que as ruínas, além de não serem "inéditas" e serem de conhecimento de todos os que moram na região de Campos e Mimoso do Sul (e arredores), não são os restos da quinhentista Vila da Rainha; muito menos o que sobrou do Engenho de Pero de Góes. São, sim, as ruínas do Povoado de Limeira do Itabapoana, porto que escoava toda a produção cafeeira produzida na alta e média bacia do antigo Camapuan.
Vide:
Pesquisadores confundem Limeira com Vila da Rainha (1)
(Vila da Rainha e Limeira do Itabapoana - Mais um erro sendo construído - 19/11/2009 - com fotos)
Pesquisadores confundem Limeira com Vila da Rainha (2)
(Serpa, estão transformando Limeira do Itabapoana em Vila da Rainha! - 20/11/2009 - com fac-simile's)
Pesquisadores confundem Limeira com Vila da Rainha (3)
(Engenho, Sim - Vila da Rainha, Não - 03/12/2009)


A polêmica tese de que as ruínas seriam da quinhentista Vila da Rainha foi trazida a público após a reportagem do jornal O Globo na edição de 19/09/2009, quando os pesquisadores do Museu Nacional "atestaram categoricamente" que tinham "descoberto" a antiga Vila da Capitania de Pero de Góes. Após, a reportagem repercutiu em outros periódicos, que também publicaram matérias no mesmo teor.

Tal tese, porém, foi logo rebatida e/ou contestada por outros jornais, principalmente os de Campos, com pareceres de historiadores locais, demonstrando que aquelas ruínas não eram as da Vila da Rainha; no máximo, poderiam ser as ruínas do Engenho construído por Pero de Góes na região. A jornalista Jacqueline Deolindo, da "Folha da Manhã", foi a primeira à levantar o provável equívoco da tese, enquanto o pesquisador Arthur Soffiati tecia um elaborado Parecer demonstrando o erro dos pesquisadores do Museu Nacional, publicado em sites e no Jornal "O Rebate" (veja links abaixo).

Vide:
Matéria de Jacqueline Deolindo -
http://www.fmanha.com.br/blogs/oficioparalelo/?p=373&cpage=1
Parecer de Arthur Soffiati -
http://www.jornalorebate.com.br/site/index.php?option=com_content&task=view&id=4454&Itemid=95
http://www.portaldomeioambiente.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2174:vila-da-rainha&catid=932:arthur-soffiati&Itemid=642

Sem querer insinuar nada, mas é fato que na época a repórter Jacqueline Deolindo não conseguiu entrevistar e questionar os pesquisadores do Museu Nacional/UFRJ sobre o possível equívoco, pois os mesmos não puderam dar entrevista à mesma.
A alguns dias, a tese da "descoberta inédita" das ruínas da Vila da Rainha chegou à imprensa capixaba, na edição de "A Tribuna" de 29/09/2009. Nossa imprensa, porém, foi louvadamente mais cautelosa, publicando a tese, mas abrindo espaço para o fato de que existem pesquisadores que se posicionam contra o equívoco dos pesquisadores do Museu Nacional. Todavia, o destaque maior foi dado à tese da "Vila da Rainha".



Não entendo os motivos da insistência dos arqueólogos e pesquisadores do Museu Nacional. Segundo os relatos dos que os entrevistaram, eles "têm certeza absoluta" que as ruínas são da antiga Vila da Rainha. Mas todos os estudiosos antigos, que se debruçaram sobre a matéria com documentos diversos, e muito mais fundamentados dos que as parcas referências primárias que o Museu Nacional usa para fundamentar a hipótese, são patentes ao afirmar que a Vila da Rainha ficava nas proximidades da foz do rio Itabapoana, chamado de Managé pelos silvícolas locais no século XVI. Os iminentes Augusto de Carvalho e Alberto Lamego, que escreveram talvez as melhores obras tratando da Capitania de São Thomé, são claros ao afirmar que a Vila da Rainha ficava para as bandas do mar, próxima a embocadura do Itabapoana, na região da Enseada do Retiro. Carvalho, cuja parte dos seus Apontamentos segue abaixo, esteve inclusive ele mesmo nas ruínas:
"Fundada no decurso do anno de 1538, no logar denominado — Barreiras do Retiro — nao muitas braças ao Sul da barra do rio de Manage (que depois tomou o nome de Camapuana ou Cabapuana e por ultimo o de — Itabapoana) que ainda hoje conserva, — foi a primeira povoaçao d'esta Capitania. Constava de uma capellinha consagrada a S. Catharina, de dois engenhos tocados a cavallos, moinho e alg'uns casebres em que se arranchava a comitiva de Pero de Goes. Para o centro, em logar até hoje ignorado, existiu um outro engenho tocado a agua." (Apontamentos para a historia da Capitania de S. Thomé, por Augusto de Carvalho, 1888)

As ruínas "inéditas descobertas", no máximo, poderiam ser as do Engenho d'água que ficava na região, que foi Povoação por cerca de apenas um ano, não sendo erigida em Vila. Nos Apontamentos de Carvalho, escritos em 1888, ele afirma que esse engenho d'água ficava em "logar até hoje ignorado"; isso porque, nessa data, o Povoado de Limeira do Itabapoana estava construído exatamente em cima de qualquer resto que poderia ter sobrado desse Engenho que, segundo vimos em outro post, não chegou a ser terminado e nunca moeu uma cana.

Por que a insistência? - pergunto eu. "Vergonha" de voltar atrás na tese que foi tão amplamente divulgada na imprensa como sendo descoberta inédita? Por que estão assim tão peremptórios em afirmar que as ruínas são da quinhentista Vila da Rainha, não abrindo sequer espaço para debate?

Sei que seria muito mais "chique" que as ruínas fossem da Vila da Rainha, e/ou também do Engenho quinhentista de Pero de Góes. Dá mais "glamour"; seriam do século XVI, dos primórdios de nossa colonização - "coisa bem antiga". Até porque estão transformando o sítio das ruínas em Parque Arqueológico e Histórico. Isso incrementará o turismo na região, onde os visitantes poderão acompanhar, in loco, os trabalhos dos arqueólogos. Mas, "infelizmente", essas ruínas são os restos do finado Povoado e porto de Limeira do Itabapoana. Por mais que queiram "fabricar" esse erro, cedo ou tarde a história verdadeira será devidamente recomposta. Não é possível "enganar" a história real por muito tempo.


Gerson Moraes França

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Respondendo ao Questionamento

Amigos, colegas, parentes, conhecidos e desconhecidos.

Obviamente, leio todos os comentários que são postados em cada um dos tópicos abertos aqui no Blog. Se não respondo algum dos comentários no próprio site, não fiquem desapontados; o importante é que eu leio os mesmos, com muita satisfação. E, mais importante ainda (ao menos para mim), vejo que o que escrevo foi lido por alguém. Para mim, é um enorme prazer compartilhar essas "notas históricas" com todos que se interessam pelos temas aqui colocados.

Um assíduo leitor do Blog, que é o meu pai, postou um comentário n'um dos posts que publiquei na terça-feira, 17 de novembro de 2009, post esse intitulado de Corrigindo a História. Abaixo segue o comentário e o questionamento elaborados pelo nosso estimado leitor:

Maerson disse...
Eu já andei e viajei muito a cavalo.Fiz vários percussos. O que mais fiz foi de Muqui à fazenda Aliança do Seu Jair de Carvalho. A fazenda ficava na divisa de Muqui c/ Jeronimo Monteiro.Saía por volta de 5 horas e chegava lá pelas 10:30. Será que de Cachoeiro a Mimoso se levava, em média, só 8 horas a cavalo?Fica a ressalva que eu andava devagar para não maltratar o animal.


Assim, no dia de hoje "inauguramos" a nova "seção" do Blog, chamada com grande "originalidade" de "Respondendo ao Leitor". Respondamos, pois, a esse primeiro comentário.

Primeiramente, antes de iniciar o escrito, é importante aqui colocar que eu, como pesquisador, embora possa levantar algumas teses fundamentadas apenas em indícios (embora sempre consistentes), procuro sempre me pautar em documentos para tecer afirmações.


Respondendo ao Leitor -
QUANTAS HORAS DE CAVALO DEMORAVA
UMA VIAGEM ENTRE CACHOEIRO E MIMOSO
NO FINAL DO SÉC. XIX?

Eu havia dito, no post questionado, que eram oito horas de viagem. Como fiz aquele tópico baseado em informações documentais que guardava eu em minha cabeça, acabei errando as horas. Tenho que, urgentemente, parar de confiar sempre na memória, como se esta infalível fosse. Quando for postar qualquer novo informe, irei antes compulsar meus documentos, para, somente após, aqui o colocá-lo com certeza absoluta.

Errei, mas errei por pouco. Errei por uma hora. Na verdade, uma viagem à cavalo entre Cachoeiro e Mimoso no final do século XIX demorava sete horas, e não oito como eu havia dito.

A informação foi coletada no jornal "O Cachoeirano", impresso em Cachoeiro de Itapemirim, em seu número 19, ano XVIII, datado de 26 de maio de 1895. Abaixo segue o texto da nota d'O Cachoeirano:

"ESTAÇÃO DO MIMOSO -
[Nota nossa: sim, Mimoso com "s", e não com "z"]
Sabemos que a estação do Mimoso, da Estrada de Ferro de Santo Eduardo à esta cidade, será innaugurada a 30 do corrente mez. Sendo assim, com uma viagem de 7 horas a cavalo, terá esta cidade promtas communicações com a Capital Federal."

A título de curiosidade, a inauguração foi adiada. E por duas vezes. Na edição de 09 de junho do mesmo ano, o jornal O Cachoeirano informava:

"ESTAÇÃO DO MIMOSO -
Por carta particular, sabemos que essa estação da E.F. Carangola será inaugurada a 15 do corrente."


Por fim, no dia 01º de julho de 1895, foi finalmente inaugurada a estação do Mimoso, com grande festejo local, com direito à banda de música e discursos diversos. A edificação que então servia de estação ainda era provisória, e em 22 de agosto de 1895 o Decreto n.º 2077 do Governo Federal "approva as plantas para modificação da estação do Mimoso". Em 13 de setembro do mesmo ano o jornal O Cachoeirano informava que as obras seriam iniciadas; a edificação ficou totalmente pronta somente em 1896.


MAIS CURIOSIDADES SOBRE VIAGENS
A CAVALO E COM TROPA E CARRO DE BOI


A distância que separava a cidade de Cachoeiro de Itapemirim da estação do Mimoso era, no final do século XIX, de menos de dez léguas terrestres, cerca de cinquenta quilômetros. A estrada que ligava os dois núcleos era carroçável e de rodagem, como se falava na época, e tinha sido inteiramente reformada e melhorada em 1885, com manutenções periódicas posteriores. O trecho fazia parte da estrada Itabapoana à Cachoeiro do Itapemirim, e era conhecida nesse "pedaço" como "estrada do Cachoeiro do Itapemirim à Ponte do Mimoso".

Se fizermos as contas, observaremos que um viajante à cavalo percorria pouco mais de sete quilômetros por hora para completar o percurso entre Cachoeiro e Mimoso, considerando as sete horas que O Cachoeirano informou que se demorava entre os dois núcleos.

Convenciona-se que, entre os séculos XVII e XIX, um cavalo podia andar até oito horas por dia, com pouca carga, mantendo o ritmo sem afetar o animal. Sem carga, um cavalo poderia alcançar a velocidade média máxima de nove e meio quilômetros por hora, em dez horas; com uma carga de 100 Kg, essa média máxima caía para cerca de sete quilômetros por hora, em oito horas.

Assim, o informe d'O Cachoeirano está conforme as médias auferidas para viagens a cavalo, em estradas carroçáveis, no século XIX, segundo os estudiosos da matéria.

Para terminar, apenas a título de curiosidade: as tropas de burros e mulas ou as juntas de carros de bois, que eram os principais meios de escoamento da produção cafeeira das fazendas até os portos e/ou estações, se deslocavam a uma velocidade média de dois à três quilômetros por hora quando carregadas de mercadorias (até 400 Kg nos carros de boi, 250 Kg nas mulas e 70 Kg nos burros). Quando estavam sem carga, esses animais nunca passavam de cinco quilômetros por hora; todavia, era possível viajar com eles até dez ou doze horas ao dia sem os afetar, dependendo da estrada e da natureza do terreno.


CONCLUINDO

Estimado e querido pai:

A distância entre a fazenda Aliança e o núcleo urbano de Muqui, atualmente, é de cerca de dez quilômetros. Demoravas tu cinco horas e meia para, a cavalo, sair da cidade e chegar à fazenda. É certo que o terreno é montanhoso, mas a média de velocidade que fazias era de menos de dois quilômetros por hora! Até as tropas de burros carregadas de carga eram mais rápidas que tu!

Quase todos os dias, quando o sol começa a baixar, eu faço uma caminhada rápida de três quilômetros, e os faço em pouco menos de uma hora. Até eu estou mais rápido que a tua antiga montaria! Realmente, é bem verdade quando diz que "andava devagar para não maltratar o animal"!


Gerson Moraes França



PLÁGIO É CRIME!
Permitida a reprodução, total ou parcial, desde que citada a fonte.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

ÍNDICE DE MATÉRIAS

Comecei a escrever o presente Blog a pouco tempo, mas os assuntos que tenho para aqui colocar são muitos e variados. Assim, a pedido de alguns amigos, resolvi confeccionar um Índice, que sempre será o post primeiro do Blog. Desse modo, creio que ficará mais fácil ao leitor encontrar os assuntos que sejam se seu interesse.


ÍNDICE DE MATÉRIAS

Limeira do Itabapoana
Minha primeira "expedição" ao porto de Limeira
(Andanças - 18/11/2009 - com fotos)
Início das escavações no sítio do porto de Limeira
(Limeira do Itabapoana - 18/11/2009 - com fotos)
A decadência do Povoado de Limeira
(O Porto de Limeira e o Pescador - 23/11/2009)
Dados sobre Limeira no final do século XIX
(O 15º Districto de Campos - 23/11/2009 - com fac simile)

Vila da Rainha x Limeira
Pesquisadores confundem Limeira com Vila da Rainha (1)
(Vila da Rainha e Limeira do Itabapoana - Mais um erro sendo construído - 19/11/2009 - com fotos)
Pesquisadores confundem Limeira com Vila da Rainha (2)
(Serpa, estão transformando Limeira do Itabapoana em Vila da Rainha! - 20/11/2009 - com fac-simile's)
Pesquisadores confundem Limeira com Vila da Rainha (3)
(Engenho, Sim - Vila da Rainha, Não - 03/12/2009)

História de Mimoso do Sul
Quilombo do Rio Muqui
(O Quilombo do Rio Moquim - 24/11/2009)


Gerson Moraes França

Engenho, Sim - Vila da Rainha, Não.

Os pesquisadores do Museu Nacional, ao que parece, continuam insistindo em intitular as ruínas do antigo Povoado de Limeira do Itabapoana como sendo os restos da quinhentista Vila da Rainha, fundada por Pero Góis da Silveira nas proximidades da foz do rio Itabapoana.

Já tecemos várias considerações a respeito em posts anteriores do Blog. Todos os documentos e indícios levam a crer que, não, as ruínas "inéditas" (sic) "descobertas" (sic sic!) não são os restos da Vila da Rainha.

Infelizmente, para fundamentar, impossível ser sucinto, por se tratar de matéria relativamente complexa.


Há ainda pequena controvérsia sobre o ano que Pero de Góis chegou nas terras que lhe foram cedidas pela Coroa. Pero de Góis da Silveira recebeu em doação a Capitania, que seria cognominada de São Tomé, em Alvará datado de 1534, com Carta de Doação passada em 1536. É já pacificado pelos historiadores o fato de que, na data que foi lavrado o Alvará, Pero de Góis não estava em Portugal, mas sim em São Vicente, aonde chegou em 1531 na Armada de Martim Afonso de Sousa. Nas terras que posteriormente seriam a atual Santos, inclusive, Pero de Góis fundou o Engenho chamado de "Madre de Deus", levantado em 1532. Em abril de 1537 estava em São Vicente, segundo os Apontamentos de Azevedo Marques. Em agosto de 1539, comprovadamente, já estava na Vila da Rainha.

Alguns autores antigos acreditam que Pero de Góis chegou ao Itabapoana, então chamado de Managé pelos silvícolas locais, ainda no ano de 1536. Atestam eles que Góis, recebendo a notificação do Alvará, viajou à Portugal, ocasião que lhe foi passada a Carta de Doação. Segundo eles, tão logo recebeu a Carta de Doação, retornou ao Brasil para tomar posse de sua Capitania. Como tinha interesses em São Vicente, aonde possuía um Engenho, esteve lá em 1537 por breve período, onde angariou mais alguns colonos e de onde levou as primeiras mudas de cana para a sua Capitania.

Autores modernos, como o famoso Alberto Lamego, são da opinião que Pero de Góis chegou ao Managé e fundou a Vila da Rainha somente em 1539. Atestam esses autores que Pero de Góis permaneceu em São Vicente, organizando sua expedição e tratando de seus negócios. Toda a historiografia moderna adotou a data de 1539 como a da fundação da Vila da Rainha. Fato aceito por toda a historiografia, também, é que as mudas de cana levadas por Góis à São Tomé eram provenientes de São Vicente.

Fundada em 1536, como atestam alguns, ou em 1539, como afirmam outros, fato é que com as mudas que trouxe consigo de São Vicente iniciou as plantações de cana e, possivelmente, a construção de Engenhos. Ato contínuo, fundou, nas proximidades da foz do Itabapoana, a Vila da Rainha. Era prerrogativa dos Donatários a fundação de Vilas em suas Capitanias; quando um Povoado ou Arraial era erigido em Vila, transformava-se ele em "Município", com a designação dos ouvidores, meirinhos e mais oficiais da justiça, e eleições dos juízes e mais oficiais do Conselho (Câmara), após a apuração da lista dos "homens bons", que os devia eleger.

Em abril de 1542 estava Pero de Góis em Pernambuco, em viagem para o Reino, segundo atesta Carta de Duarte Coelho, Donatário daquela Capitania. Seguia para Portugal objetivando angariar fundos e mais alguns colonos.

Abaixo transcrevemos trecho do livro do consagrado historiador antigo Frei Vicente de Salvador, que serviu de base para a também consagrada obra de Francisco Adolfo de Varnhagem:

"Depois de attrahir a si seu irmão, Luiz de Goes, com alguns outros parentes e mais colonos, foi tomar posse das suas 30 leguas de costa brazilica, onde assentou alguns ranchos e tapujares, a que deu o nome de Villa da Rainha. Com o seu limitrophe Vasco Fernandes fixou a demarcação, que não estava bem designada nos respectivos títulos, ficando por commum accordo o rio Itapemerim servindo de barreira ás pretensões futuras dos seus descendentes."

[Nota nossa: os limites das Capitanias do Espírito Santo e de São Tomé foram assinados pelos respectivos Donatários em 14 de agosto de 1539, com confirmação régia datada de 12 de março de 1543, quando Vasco Fernandes e Pero de Góis estavam em Portugal.]

"Suppõe-se que em 1536 estaria já estabelecido na sua respectiva capitania, ou que para ella partiria, por ser n'aquelle anno que se effeituou a nomeação de Antonio Teixeira para seu feitor e almoxarife regio. Senhor das fecundíssimas lezírias do Parahiba, Pero de Goes cuidou desde logo de introduzir de S.Vicente alguma Planta de canna, que começou a cultivar ainda antes de pensar no modo de conseguir os meios de estabelecer um engenho. Para conseguir esses meios veiu a Portugal, onde alcançou entender-se com um mercador de ferragens, que lhe devia fornecer os artigos de resgate para pagar as roças que fizesse o gentio, e mandar-lhe novos operarios e colonos. Com esta importante acquisição voltou ao Parahiba do sul para ir testemunhar o desastre que na sua nascente colonia fizera a Sua curta ausencia, tendo-se desbaratado toda ella pela deserdo dos colonos, á frente dos quaes figurou o seu proprio administrador, um tal Jorge Martins."


O RETORNO DE PERO DE GÓIS

Em 1545 Pero de Góis retornou à Vila da Rainha, após sua viagem à Portugal, segundo todos os historiadores e pesquisadores. E é das duas cartas existentes que ele escreveu ao seu sócio português (em agosto de 1545) e ao Rei (em abril de 1546) que, provavelmente, origina-se a "confusão" dos pesquisadores do Museu Nacional.

Ao chegar, Góis encontrou a Capitania desbaratada pelos ataques dos silvícolas e pelos desentendimentos entre os colonos. A despeito do quadro desolador, o Donatário novamente se pôs à trabalhar pelo levantamento de sua donataria. Fez paz com os silvícolas, reuniu os colonos remanescentes, e juntamente com os portugueses que com ele vieram reiniciou a reconstrução de plantações, engenhos, arraiais e povoados.

A carta remetida por Pero de Góis ao seu sócio Martim Ferreira, datada de 18 de agosto de 1545, relata os trabalhos feitos após seu regresso à Capitania. A carta remetida ao Rei Dom João, datada de 29 de abril de 1546, relata o estado que encontrou a Capitania quando regressou de Portugal, os trabalhos de reconstrução, e também a nova destruição que acometeu a Capitania. Pouco depois de escrever essa última carta, cercado pelo gentio e sem meios de continuar a luta, Pero de Góis retirou-se de São Tomé com o que restava dos colonos, resgatados por Vasco Fernandes Coutinho. Importante salientar que ambas as cartas foram escritas da Vila da Rainha, aonde se encontrava Pero de Góis.

Das cartas extraímos claramente a informação de que Pero de Góis, logo após regressar do Reino e dar início a reorganização da Capitania de São Tomé, começou a construção de um Engenho movido à água no curso médio do rio Managé, no ponto até onde ele era navegável, pouco antes das primeiras cachoeiras. Trata-se, com toda certeza, do sítio aonde séculos depois se formaria o Povoado de Limeira do Itabapoana, onde hoje se encontram as ruínas "descobertas" pelos pesquisadores do Museu Nacional. Abaixo, podemos ler trechos das cartas aonde inferimos o fato de que, sim, Pero de Góis iniciou construção de um Engenho na região onde hoje está sendo escavado o sítio arqueológico.

Trechos da carta remetida à Martim Ferreira:
"Ora por este rio a riba, onde começa de cahir de quedas, e a se onde boamente podem as barcas ir, fui a vêr e achei poderem-se fazer todos quantos engenhos quizermos, por ser um rio onde entram e podem entrar navios, como esse que veio, vindo em tempo de agoas."
"Em baixo, na borda do rio, que está tao perto como esse mar, de casa, fica o engenho tao perto do rio, como essas casas d'onde V. Mce. está, e podem chegar as barcas, assim como ahi chegam; ficando os mestres, muito satisfeitos da terra ; e, de feito, e muito extremada terra, de massapezes grudentos Ihe chamam elles, e da maneira que elles desejavam."
"Ora nao tem mais esta terra sendo ser dez legoas por agoa, pelo rio, que nao Ihe faz nada nojo, e obra de sete legoas por terra, onde Ihe mandei abrir um caminho, que pode um carro sem molhar pe chegar ao engenho, e cavallos e tudo o que homem quizer."
"Anda-se em um dia por terra, quem quer ; e quem não quer ir pelo rio, vae por terra : assim que, pelo rio, se pode acarretar o assucar, sem trabalho ; e por terra servirem-se por mais presteza. Isto se passa da propria maneira que Ihe escrevo."

Trecho da carta remetida a El Rei Dom João III:
"Senhor — Por hora que, logo que a esta sua terra cheguei, Ihe escrevi, Ihe dei conta de quão desbaratada achei a minha capitania, ou antes alevantada, pois toda a gente que n'ella tinha deixado havia fugido com o Capitão ; assim que, mais por servir a Vossa Alteza, do que pelo gosto que então d'ella tive, a não larguei e deixei, mas antes assentei e do novo comecei a povoar por um rio acima, obra de dez leguas do mar, por nao haver aguas mais perto, onde fiz uma mui boa povoação, com muitos moradores, muita fazenda, a qual, a elles'e a mim, custou muito trabalho, por ser pela terra dentro."


Talvez com base nesses trechos supra aludidos, feito de próprio punho pelo Donatário Pero de Góis, os pesquisadores do Museu Nacional tenham "chegado à conclusão" de que o Donatário fundou nova Vila, rio acima, e que essa Vila seria a quinhentista Vila da Rainha. Mas ler apenas alguns trechos das cartas pode induzir o pesquisador a erro grosseiro.


Mas, vamos a outros trechos; primeiro, mais pedaços da carta remetida à Martim Ferreira:


"Escrevo-lhe isto para que o saiba : n'este rio, como digo, determino fazer nossos engenhos d'agoa ; e n'este primeiro dia de Agosto, que em boa hora vira, deve ter partido um mancebo — Tigoa, comum homem, que vinha por feitor pera Luiz de Goes, ao qual promettemos dar dez mil
reis por este primeiro anno e a Tigoa quatorze."
"Estes dois homens com outros dois, que para isso assoldadei, vao a roçar e a fazer com os indios muita fazenda, a saber : plantar uma ilha que ja tenho pelos indios roçada de canas, e assim fazer toda quanta fazenda pudermos fazer, para que, quando vier gente, ache ja quo comer, e canas e o mais necessario para os engenhos."
"Entretanto que estes homens roçam, faço eu cá no mar dois engenhos de cavallos, que moia um delles para os moradores, e outro para nós somente ; e isto, presentemente, para os entreter, porque, para estes dois engenhos, Bemdicto seja Deus, tenho gente ; e o mais que Ihes pertence, que sao canas, planto agora, e, querendo Nosso Senhor, da feitura d'este a anno e meio, poderei, Deus querido, mandar um par de mil arrobas de assucar nosso, d'estes engenhos, e d'ahi para diante mais. N'isto eu porei toda a diligencia que puder, e Deus pora a virtude. Isto determine ao presente."

Nota-se que Pero de Góis estava esperançoso com os trabalhos que estavam sendo executados. Em outro trecho desta carta, Góis chega à pedir que se remetam, ainda para o ano, 60 negros da Guiné, pois era grande a expectativa de produção. O Donatário estimava a produção em 2 mil arrobas de açúcar, à ser produzida nesse ano e meio.

O grifo em negrito acima é de nossa autoria. Lê-se muito bem que, enquanto alguns colonos, junto com índios, roçavam na região das atuais ruínas "descobertas" no interior, Pero de Góis fazia CÁ NO MAR dois engenhos movidos por tração animal. E a carta foi escrita a partir da Vila da Rainha.

Continuando, agora com a carta remetida ao Rei:

"Estando assim muito contentes, com ter a terra muito pacifica, e um engenho d'agoa, quasi de todo feito, com muitos canaviaes, sahio da terra de Vasco Fernandes Coutinho um homem por nome Henrique Luiz com outros, e em um caravelao, sem eu ser sabedor, se foi a um porto
d'esta rainha capitania, e, contra o Foral de V. Alteza, resgatou que quiz ; e, nao contente com isso, tomou por engano um indio, o maior principal que n'esta terra havia, mais amigo dos christãos, e o prendeu no navio, pedindo por elle muito resgate."
"Depois de por elle Ihe darem o que pediu, por se congragar com outros indios, contrarios d'este que prendera e o levou e entregou preso, e Ih'o deu a comer, contra toda a verdade e razão, por d'onde os indios se alevantaram todos, dizendo de nós muitos males, que se não assem em nós, que não mantinhamos verdade, e se vieram logo a uma povoação minha pequena, que eu tinha mais feita, e estando a gente segura, fazendo suas fazendas, deram n'elles e mataram tres homens, e, fugindo os outros, queimaram os canaviaes todos, com a mais fazenda que havia, e tomaram toda quanta artilharia havia, e deixaram tudo extruido."
"Indo as novas a mim, acudi com toda a gente que pude, e quaudo ja fui, era tudo extruido... assim no mar, como onde eu estava, se via tudo alevantado para me matarem e a toda a gente, pelo que me foi forgado, n'este aperto em que me poz, por de mim nao dar conta, acudir ao mar e recolher toda a gente a mim, e fazer-me n'elle forte, com perder vinte e cinco homens, que mo mataram, dos melhores que tinha, e toda a fazenda, que feita tinha, como la pode, querendo, ver, por uns instrumentos, que para mais mandei tirar."

Os grifos em negrito são nossos. Inferimos dessa importante carta o que ocorreu para que os silvícolas de levantassem contra os colonos, e toda a destruição que fizeram aos canaviais a aos engenhos e fazendas. Esses fatos ocorreram entre os intervalos das duas cartas remetidas, isto é, entre 18 de agosto de 1545 e 29 de abril de 1546.

Dela nós concluímos, novamente, que Pero de Góis estava na beira do mar; e a carta também foi escrita da Vila da Rainha, quando esta estava sitiada pelos silvícolas e transformada em praça forte, com a fuga e concentração de todos os colonos que estavam em outros sítios, no interior ou não. Inferimos também a informação que os engenhos não chegaram a moer as canas que haviam sido plantadas e, mais, que o Engenho movido à água estava "quase todo feito", não chegando a moer também.


Assim, resta bem clarividente que a Vila da Rainha, como atestam todos os autores que de debruçaram por escrever a história da malograda Capitania de São Tomé, estava defronte ao mar, e não no interior. No sítio onde foram "descobertas" as ruínas, Pero de Góis iniciou, sim, a construção de um Engenho movido à água, que não chegou à ser de todo concluído, e lá ergueu também uma "boa povoação" de colonos.

Importante também aqui discorrer sobre a legislação portuguesa que tratava da fundação de Vilas por parte dos Donatários. Como dissemos, os Capitães tinham a prerrogativa de erigirem Vilas em suas donatarias, levantando Pelourinho e Casa de Câmara. Ora, Pero de Góis fundou a Vila da Rainha em 1536 ou 1539, conforme os entendimentos dos historiadores. Nessa "primeira fase" da Capitania de São Tomé, os colonos não se aventuraram por penetrar no interior, e as plantações das roças e de cana ficaram circunscritas ao entorno da Vila recém fundada. Somente quando regressou de Portugal, em 1545, foi que Pero de Góis subiu o Rio Managé e constatou que a região das "ruínas recém descobertas" era muito boa para se formar Engenho e canaviais.

A primitiva Vila da Rainha, fundada, segundo todos os historiadores, próximo ao mar, perto da embocadura do Itabapoana, "na enseada do retiro, poucas braças ao sul do Managé" (Augusto de Carvalho, Apontamentos para a História da Capitania de São Tomé, Campos, 1888), teria sido "transferida" para o médio curso do rio, bem no interior, numa época aonde todas as Vilas e Povoados eram formados em portos e enseadas no litoral? Não parece ser isso crível.

Pero de Góis também é enfático ao afirmar que o núcleo formado no médio curso do Managé era um "Povoado", e não uma "Vila". Para quem estuda o Brasil quinhentista, esses termos fazem toda a diferença; Vila era um status administrativo, que conferia o privilégio de ter Concelho, Câmara, Pelourinho, e os oficiais que a governavam - era um Município. Povoados e Arraiais eram núcleos que não tinham essa prerrogativa. Ser erigida em Vila era encarado como um privilégio para uma povoação.

As ruínas de Limeira podem, quem sabe, até terem os restos desse Povoado e Engenho fundados por Pero de Góis na região até onde o Managé era navegável, pouco antes das primeiras cachoeiras. Definitivamente, não são os restos da quinhentista e extinta Vila da Rainha. E, dificilmente, são os restos daquele Engenho e povoação. A extensão das ruínas, com grandes áreas de calçamento, várias fundações de pedra, e até a Capela que ainda insiste em ficar de pé, demonstram o contrário. Vila Velha e Vitória, por exemplo, ficaram anos e anos com suas casas feitas de taipa, e numa ocasião que Vitória foi ameaçada por corsários temeu-se que a Vila fosse totalmente incendiada, pelo fato de quase todas as habitações serem de taipa e forradas com palha em seus "tetos". Quando o primeiro jesuíta aportou na Vila do Espírito Santo (atual Vila Velha), em 1549, havia apenas umas vinte edificações, e nenhuma delas possuía fundações de pedra; muito menos havia ruas calçadas.

É crível aceitar que, no espaço de cerca de apenas um ano (1545/1546), os poucos colonos que habitaram o Povoado na região de Limeira construíram todas aquelas edificações? Pouquíssimo provável; quase impossível.

Gerson Moraes França


Fontes Bibliográficas:

Apontamentos para a historia da Capitania de S. Thomé
Por Augusto de Carvalho - 1888

A terra Goytacá á luz de documentos inéditos
Por Alberto Lamego - 1925

História Geral do Brasil
Por Francisco Adolfo Varnhagen
Com revisão e notas de José Capistrano de Abreu

História do Brasil
Por Robert Southey
Edição brasileira

Historia do Brazil
Por Frei Vicente de Salvador