terça-feira, 29 de setembro de 2015

São José das Torres - Histórias [Parte 9]

Antiga edificação abandonada em São José das Torres
Fonte da foto: EntreTorres [www.fabulanas.com]

Neste ano de 2015, tomou força um movimento de resgate das histórias de São José das Torres. Um documentário coordenado por Fabiola Buzim e Ariny Bianqui, cujo projeto é intitulado "EntreTorres", com assessoria especial do teatrólogo e diretor do grupo Fazarte de Teatro, Jorge Fabelo, está promovendo um evento chamado de "Contação de Histórias" na sede do distrito. Esse evento está sendo um sucesso na localidade, e contribuindo significativamente com a construção da identidade torrense. Na metade do ano, um dos temas da Contação de Histórias foram casos de assombração. E por que eu escrevo isso, no presente post? Porque, conforme veremos, antigos "causos" políticos de São José das Torres que terminaram em morte foram responsáveis pela criação de algumas dessas histórias do além.

Voltemos aos anos 1900 e 1910 e narremos a conjuntura política da época. Entre 1892 e 1905, na época que foram formados os primeiros sítios e as firmadas as primeiras posses na região de Rio Preto das Torres, o "chefe" do Partido Construtor, que detinha o poder no Estado e, por via reflexa, nos municípios, era Muniz Freire. Nessa época, o Dr. José Coelho dos Santos sedimentou-se como "chefe" do Partido no município de São Pedro do Itabapoana. Em Torres, conforme vimos em artigos anteriores, o capitão Manoel Corrêa Camargo tornou-se liderança política distrital. Em 1904, uma séria dissenção política abateu-se sobre os grupos dirigentes do município de São Pedro do Itabapoana, o que ocasionou uma série de distúrbios na região, ainda mais considerando que esse era um ano eleitoral. Esses dissídios acabaram repercutindo em Torres. No ano seguinte, ocorreu o rompimento entre o Chefe do Partido no Estado, Muniz Freire, e o Presidente do Estado, Henrique Coutinho. Os ânimos, que já não eram calmos, exaltaram-se no âmbito da política local.

Quando da eleição dos Juízes Distritais nas Torres, em 1904, o grupo chefiado localmente pelo capitão Manoel Camargo foi vitorioso, levando as quatro vagas e elegendo um membro para a Câmara Municipal de São Pedro. O capitão Camargo e seu grupo mantiveram-se aliados ao Dr. José Coelho dos Santos que, sustentado por Muniz Freire (Presidente do Estado entre 1900 e 1904, além de também ter sido presidente entre 1892 e 1896) e Henrique Coutinho (Presidente do Estado entre 1904 e 1908), manteve o controle da política do município no duro embate eleitoral deste ano. Mas, conforme dissemos, no ano seguinte sacramentou-se o rompimento político entre Muniz Freire e Henrique Coutinho, que iria reverberar intensamente, exaltando os ânimos no distrito de São José das Torres.

Entre 1901 e 1904, o Sub-delegado do Distrito de São José das Torres, que na época era um cargo policial importante no distrito e usado como meio de "controle" (ou coerção, conforme queiram), de nomeação pelo Presidente do Estado, foi exercido pelo alferes João Franklin Gonçalves de Lima, tendo sido nomeado por Muniz Freire. Na composição para as eleições de 1904, João Franklin integrou a chapa do Partido Construtor eleita para juízes distritais e, neste mesmo ano, foi substituído na Subdelegacia pelo capitão Felippe Sayd da Rocha, que foi nomeado por Henrique Coutinho. Essa substituição não foi bem vista pelo alferes João Franklin que, no âmbito estadual, tinha mais ligações com a política de Muniz Freire; o capitão Felippe Sayd tinha ligações com o grupo de Jerônimo Monteiro, nesse momento negociando uma aliança com Henrique Coutinho.

Com o rompimento entre Henrique Coutinho e Muniz Freire, em 1905, as dissenções estaduais havidas no Partido reverberaram no distrito das Torres. Tão logo consumou-se o rompimento, a Câmara de São Pedro do Itabapoana, bem como o Chefe do Partido em São Pedro (Dr. José Coelho dos Santos) e como o Chefe do Partido em Torres (Capitão Manoel Camargo) e o vereador do distrito na Câmara (Euclydes Camargo), prestaram solidariedade ao Presidente Coutinho. O alferes e juiz distrital João Franklin ficou do lado de Muniz Freire, juntamente com o grupo munizista que orientava. Iniciava-se aí um período de perseguições e querelas políticas que culminariam com várias tragédias.

Ainda quando no exercício do cargo de Sub-delegado, o alferes João Franklin matou um indivíduo que, segundo informou, resistiu à sua abordagem. Formou-se um processo judicial para apurar o caso, mas por vontade das autoridades de então, especialmente do Promotor Dr. Henrique O'Reilly de Souza (um dos "chefes" munizistas em São Pedro), os autos ficaram parados em Cartório. Quando houve o rompimento entre Muniz Freire e Henrique Coutinho, o Dr. Henrique O'Reilly foi afastado da Promotoria da Comarca, tendo sido substituído pelo Dr. Christiano Vieira de Andrade, aliado de Jerônimo Monteiro e privilegiado pelo Presidente Coutinho. Foi o pontapé inicial para o começo da perseguição dos antigos líderes munizistas. Recolocando o processo em pauta, o Dr. Christiano Vieira pediu a prisão do alferes João Franklin. E, em agosto de 1905, o Sub-delegado Felippe Sayd efetuou a prisão do ex-Sub-delegado e atual juiz distrital João Franklin, indiciado por homicídio.

Após sua prisão, o alferes João Franklin Gonçalves de Lima conseguiu um Habeas Corpus para responder o processo em liberdade. Mas, incompatibilizado com as lideranças políticas no poder e perseguido por seus opositores, foi obrigado a deixar São José das Torres e mudar-se para a capital do Estado, aonde tinha a proteção de algumas autoridades do Poder Judiciário.

O Sub-delegado capitão Felippe Sayd, após esse fato, sustentado politicamente por Henrique Coutinho e Jerônimo Monteiro, e aliado ao capitão Manoel Camargo e ao tenente Euclydes Camargo, iniciou um período de intenso serviço em prol da "limpeza" de São José das Torres, prendendo muitos delinquentes e bandidos. Mas, como era de praxe na época, também perseguiu os oposicionistas, especialmente nas épocas de eleições. Sua figura começou a despontar não só como autoridade policial, mas também como liderança política.

Em maio de 1907, após uma época de eleições estaduais ainda tumultuadas pela dissenção Muniz Freire versus Henrique Coutinho, e cada vez mais ligado e sustentado politicamente por Jerônimo Monteiro, como "mandatário" de sua política nas Torres, o capitão Felippe Sayd foi surpreendido durante a madrugada, em sua residência, por um grupo de mais de trinta homens armados com espingardas, carabinas e foices. Esse grupo, que segundo as línguas da época foi formado por políticos da oposição em Torres, o intimou a deixar o distrito sob pena de, não o fazendo, ser morto ali mesmo. Mas o capitão Felippe Sayd era valente... após ter ficado em silêncio e ter colocado sua família protegida nos fundos da casa, o Sub-delegado respondeu com a expressão "lá vai fogo!", colocando sua arma para fora da janela e engatilhando-a pronto para resistir. O grupo, surpreendido pela ação do Sub-delegado e temeroso pelos tiros que poderiam ser disparados, debandou.

Essas feridas abertas, porém, não cicatrizaram com o tempo. O capitão Felippe Sayd foi colecionando desafetos, desde o mais gatuno bandido até o mais letrado fazendeiro oposicionista de Torres. Sua fama de "defensor dos fracos e perseguidor de assassinos e ladrões de animais" continuou crescendo conforme executava a sua função policial. Quando Jerônimo Monteiro assumiu o governo do Estado, em 1908, Fellipe Sayd tornou-se talvez a mais influente liderança política do distrito de São José das Torres. Foi o principal impulsionador da construção da primeira boa estrada que ligou Torres à Muqui, juntamente com o tenente Euclydes Camargo. Além disso, foi o responsável pela introdução da cultura comercial do arroz em Torres, lavoura esta que tomaria grande proporção nos anos seguintes na região.

No final de fevereiro de 1911, após fazer uma viagem à capital do Estado, e quando retornava para a sua casa pelo caminho do Córrego do Paraízo, em São José das Torres, o capitão Felippe Sayd da Rocha foi emboscado por dois homens, que atiraram à queima roupa. Morreu ali mesmo. O governo do Estado enviou um oficial do Regimento Policial, o Segundo Tenente Anthero Alfena Lopes, para apurar o caso e prender os responsáveis pelo assassinato. Em rápidas diligências, foram presas dez pessoas; os dois executores e oito mandantes. Pouco mais de cinco meses depois, o ex-Sub-delegado alferes João Frankin Gonçalves de Lima, então residindo no Hotel Porto Rico, na rua General Osório em Vitória, foi vítima de um ataque cardíaco e faleceu. Segundo seus amigos, não resistiu às pressões que havia sofrido por tanto tempo. Ambos deixaram viúva e filhos.

E agora voltemos à "Contação de Histórias" do projeto EntreTorres e do grupo Fazarte, e suas histórias de assombração. O caminho da serra da Pratinha, que ligava Torres à Mimoso, nessa época, era todo cercado de mata fechada em um trecho de cerca de seis quilômetros. Foi nesse trecho da estrada que o capitão Felippe Sayd havia sido assassinato. E logo correu o boato de que, tanto esse pedaço do caminho, quanto a casa do falecido Sub-delegado, estavam mal-assombrados. Essa história se espalhou e tomou uma grande proporção na localidade. Dizia-se que para passar na estrada, durante a noite, era necessário acender uma vela no pé da cruz erguida no local aonde morreu Felippe Sayd. Só assim a alma do morto permitia que se passasse pelo caminho. Essa história eternizou-se pela pena do poeta e cronista Ruy Côrtes, que escreveu sobre esse caso de assombração, bem como sobre sua experiência pessoal quando passou certa vez pelo referido caminho dois anos depois da morte de Felippe Sayd, no texto intitulado "O Conto Brasileiro Mal-Assombrado" e publicado em 1931.


Gerson Moraes França


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