A equipe que capturou e baleou Geraldo Procópio, junto com o Delegado de Polícia. |
Até que ponto os mitos populares enraízam-se na memória coletiva de uma comunidade, e se reproduzem em tempos posteriores com novos agentes?
Na Mimoso do Sul da década de 1930 um criminoso fez história, e sua fama ainda corria muito tempo depois de seu desaparecimento. José Calango, diziam todos, tinha "parte com o tinhoso" e o corpo fechado para arma de qualquer espécie. As balas eram inofensivas para ele. Dizia-se que o danado do caboclo, "maneto e esperto", evaporava-se diante da polícia e que ele tinha "dado uma das mãos ao capeta".
O surgimento desses mitos está diretamente relacionado com as crenças e superstições popularescas, e não costumam ser rechaçadas pelas autoridades. Afinal, a crença de que um delinquente tem "pacto com o diabo" justifica, perante os olhos do povo, o insucesso das autoridades em capturar o criminoso.
Na década de 1960 um outro criminoso "tomou o lugar" de José Calango, transmutando-se para a sua pele o mito que fez a fama do primeiro citado a ponto de suas desventuras sumirem da memória coletiva da comunidade. O mito popular manteve-se, mas com novo agente. Trata-se de Geraldo Procópio, o Geraldão, que a imprensa cognominou de "Morcego".
O povo simples dizia que Geraldo tinha "parte com o diabo", e que também evaporava-se diante da policia, transformando-se em algum animal. O apelido dado pela imprensa, "Morcego", foi decorrente dessa fama de se transmutar em bicho. Dizia-se que as balas não o abatiam e que, como José Calango, tinha o corpo fechado.
Geraldo Procópio ficou conhecido por matar moças e crianças, quase sempre usando uma machadinha, e arrancar partes dos corpos com os próprios dentes. Seu primeiro crime ocorreu em 1958, quando em um baile matou a punhaladas uma moça que se recusou a dançar com ele. Preso em flagrante, foi condenado a 20 anos de prisão. Cumpria a pena na Penitenciária de Vitória quando, em fins de junho de 1964, fugiu da cadeia pelo esgoto da prisão.
Após a fuga esteve em Caxias e em Colatina, e nesta ultima cidade matou mais duas moças, profanando os cadáveres e arrancando pedaços dos corpos a dentadas. Acabou voltando para Ponte de Itabapoana, distrito de Mimoso do Sul, onde passou a viver em uma toca, saindo a noite para caçar alimento e, também, vítimas. Após retornar à Mimoso, matou uma criança de 11 anos, decepando-lhe partes do corpo como costumava proceder. Este crime mobilizou toda a polícia de Mimoso do Sul.
Profundo conhecedor das matas do lugar, Procópio sempre conseguia furar os cercos que lhe eram impostos. Finalmente, foi localizado por uma equipe que o "caçava". Não reagiu ou resistiu à prisão, mas mesmo assim levou nove tiros. Baleado, foi transportado com vida para a cadeia. Na prisão, pediu a presença do padre vigário da Matriz de São José. Atendido, confessou-se. Quando o sacerdote se retirou, Procópio pediu aos que o rodeavam que o sangrassem, insistindo que, caso contrário, não morreria. Por fim, uma pessoa que lá estava o sacrificou com uma punhalada pouco abaixo do pescoço.
Foto de Geraldo Procópio, já alvejado e abatido. |
Quando a notícia da morte de Procópio circulou pelo lugar, o povo saiu às ruas dando "vivas". O corpo do criminoso ficou exposto em uma esteira, em frente à cadeia, e alguns populares fizeram questão de ver de perto o cadáver de quem em vida tivera "partes com o diabo". Geraldo Procópio estava com 24 anos de idade quando morreu, no dia 21 de agosto de 1964.
(EDIT: e não com 26 anos de idade e no dia 08 de setembro de 1964, como foi noticiado na imprensa).
Como todo mito e alvo da crendice popular, a história de Geraldo Procópio tomou variantes formas. A que acima está descrita é o que poderíamos de chamar de "história oficial", tal como foi registrada pela imprensa e pelas autoridades.
Gerson Moraes França
EDIT (09 de abril de 2014):
O artigo que eu escrevi sobre o Geraldo Procópio teve dois objetivos principais. O primeiro foi retratar a história do "Morcego", como os jornais resolveram chamar o Procópio, sob a ótica da imprensa e das autoridades. O segundo foi colocar a questão interessante de que os "mitos", por vezes, são transmutados de agente em agente; na década de 1930 em Mimoso havia um "bandido" chamado José Calango, que tinha os mesmos "poderes" que Geraldo Procópio. Sua "fama" ainda era levantada no final da década de 1950. O "mito" continuou, mas agora com um novo agente (Procópio) que, por sua vez, eclipsou o agente (Calango) anterior. Por fim, não é intensão do artigo dizer qual a história "certa", mas apenas colocar uma ótica diversa, sob outro olhar, que é o olhar da imprensa e das autoridades da época; bem como fazer um paralelo entre os agentes (dois, Calango e Procópio) e o mito (um só - assassinos, pacto com o diabo, viram animais, etc), e mostrar como as autoridades coercitivas (polícia, delegado, etc) eram "coniventes" com a propagação do mito, já que isso "justificava" o insucesso inicial na captura do elemento. Sem falar que, ao capturarem o "agente do mito", as autoridades eram alçadas à posição de BEM, e que o BEM está acima do MAL e sempre vence. Vide as fotos do artigo, onde a equipe que o capturou é retratada como "vencedores", e o "delinquente" é exibido como troféu.
EDIT (09 de abril de 2014):
O artigo que eu escrevi sobre o Geraldo Procópio teve dois objetivos principais. O primeiro foi retratar a história do "Morcego", como os jornais resolveram chamar o Procópio, sob a ótica da imprensa e das autoridades. O segundo foi colocar a questão interessante de que os "mitos", por vezes, são transmutados de agente em agente; na década de 1930 em Mimoso havia um "bandido" chamado José Calango, que tinha os mesmos "poderes" que Geraldo Procópio. Sua "fama" ainda era levantada no final da década de 1950. O "mito" continuou, mas agora com um novo agente (Procópio) que, por sua vez, eclipsou o agente (Calango) anterior. Por fim, não é intensão do artigo dizer qual a história "certa", mas apenas colocar uma ótica diversa, sob outro olhar, que é o olhar da imprensa e das autoridades da época; bem como fazer um paralelo entre os agentes (dois, Calango e Procópio) e o mito (um só - assassinos, pacto com o diabo, viram animais, etc), e mostrar como as autoridades coercitivas (polícia, delegado, etc) eram "coniventes" com a propagação do mito, já que isso "justificava" o insucesso inicial na captura do elemento. Sem falar que, ao capturarem o "agente do mito", as autoridades eram alçadas à posição de BEM, e que o BEM está acima do MAL e sempre vence. Vide as fotos do artigo, onde a equipe que o capturou é retratada como "vencedores", e o "delinquente" é exibido como troféu.
Estranhamente no relato não foi mencionado a morte da Marieta. E esta eu não ouvi falar não eu fui ao velório pq era uma pessoa nossa conhecida. Uma morte que chocou a todos pela crueldade.
ResponderExcluirSim! Esse artigo é pautado nas reportagens, sobre o Geraldo Procópio, que foram publicadas pela imprensa. Assim, é a visão e narrativa dos jornalistas que, nem sempre, podem apurar com segurança os fatos e relatos que colhem de outrem.
ExcluirSobre a Marieta: parece que foi o último assassinato que o Geraldo cometeu, e o que causou o terror vivido pelos moradores de Mimoso naqueles dias de 1964. De acordo com sua certidão de óbito, Marieta foi morta na manhã de 12 de agosto, na zona rural do município, quando tinha 22 anos de idade. Nove dias depois, em 21 de agosto, Geraldo Procópio foi morto na cadeira em Mimoso.