quinta-feira, 22 de abril de 2010

21 de abril - morte de Tancredo

Sim, eu sei. O feriado do dia 21 de abril é em homenagem ao mártir da Inconfidência Mineira, Tiradentes. Mas é também a data em que faleceu o primeiro Presidente civil eleito do país, mesmo que por via indireta, desde o movimento de março de 1964. Tancredo Neves morreu no dia 21 de abril de 1985, há 25 anos.

[abrindo um adendo, não vou escrever nem "revolução de 1964", nem "golpe militar de 1964"; como cada qual tem suas posições acerca do que foi o movimento de 1964, vamos tratá-lo assim - movimento -, e quem quiser leia essa palavra como revolução ou como golpe, conforme queiram e entendam]


1984

Todos nós estamos inseridos na história. Todos nós participamos dela, seja como espectadores ou como protagonistas. Nós somos e fazemos a história - estamos nela e participamos dela. E, sem ter muita noção do que se passava, acabei presenciando um acontecimento histórico importante.

Aquela quinta-feira, dia 15 de novembro de 1984, era feriado da proclamação da República. Eu tinha apenas nove anos de idade. Estudava no Colégio Nacional Júnior, que até hoje fica na mesma localidade na Praia do Canto. No dia anterior, tínhamos participado de um desfile pela escola, com bandeiras do Brasil e uniforme do colégio, todos enfeitados com uns papéis molengos verdes que cruzavam nossas camisas. Rodamos várias ruas do bairro, numa festa só, cantando o Hino Nacional e outras músicas que exaltavam a nação - sabíamos elas de cor. Na época sempre tínhamos, em dias determinados, aquelas formações que se faziam na quadra para cantar o hino e hastear a bandeira. Não me lembro se ainda ensinavam educação moral e cívica, mas acho que sim.

"Esponja da mídia", era eu fã do Balão Mágico, embora também assistisse a Xuxa, num programa que se chamava Clube da Criança e passava na rede Manchete. Adorava o Bozo e aquele joguinho de batalha naval, e também sempre acompanhava um programa local do Milson Henriques, que ensinava a desenhar - cheguei a ir no programa, pois eu desenhava bem para a idade. Naquela época, só pegavam, aqui em Vitória, a Globo (Gazeta), a TVS (SBT) e o "canal 2" (TV Educativa); a Manchete era nova, e tinha começado à transmitir por aqui naquele ano de 1984.

Mas eu também via os jornais, como o Jornal Nacional; na época só tínhamos uma televisão, e quando meu pai estava vendo os noticiários, eu acabava sendo obrigado a ver também. Mas eu até gostava. E as novelas. Naquele ano também começou a passar Supercine, com filmes inéditos na TV, todo sábado; mas, para mim, aqueles filmes começavam tão tarde!

Vendo os jornais, acabava eu, por "osmose", assimilando algumas das coisas que aconteciam. Mas não me interessava muito não. Desde que me conhecia por gente o nosso Presidente era o General Figueiredo, que eu achava que tinha uma cara de mau. Era também a época do conflito Irã-Iraque, que era uma guerra que não acabava nunca - todo dia passava alguma coisa sobre esse conflito.

1984 foi, também, a época das Diretas Já. Eu não me lembro de ter passado muita coisa sobre as Diretas na televisão (hoje, sei que a Globo só "aderiu" quando as Diretas tinham, definitivamente, ganhado as ruas). Mas, depois disso, todos os brasileirinhos passaram a adorar uma figura, que representava uma espécie de "salvador", e que devolveria a democracia ao país (seja lá o que isso fosse!). Era Tancredo Neves, que eu achava que tinha uma cara de velhinho do bem. O adversário dele era o capeta, o verdadeiro anti-Cristo; incrível analisar, hoje, como conseguiram inserir na cabeça dos brasileiros tamanha aversão, que até beirava o ódio. Era Paulo Maluf, que eu achava que tinha cara de inimigo, ainda mais com aqueles óculos pretos que ele usava.


15 de novembro de 1984

Enfim, voltemos ao início. Feriado da proclamação da República, quinta-feira. Acordava cedo, mesmo estudando à tarde. Sempre aproveitava a manhã para "descer" e brincar com os amiguinhos, quando não ficava vendo desenhos na televisão. Naquele dia, uma coisa diferente havia acontecido. No dia anterior o asfalto da rua em frente à janela do quarto estava como sempre foi, sem nenhuma "pintura"; e, na manhã do dia 15, a rua estava toda pintadinha, com as faixas e sinalizações todas pintadas em branco ou amarelo. Fizeram tudo durante a noite.

Não me lembro se pela manhã, ou pela tarde, mas em determinada hora começaram a passar, na rua em frente à janela do quarto, vários e vários carros enfileirados; alguns deles com aquelas placas pretas. Junto com meus amigos, não sei como, ficamos sabendo que o Tancredo estava em Vitória, e que iria participar de um evento no Hotel Senac, hoje chamado Hotel Ilha do Boi.

[Novo adendo: de tempos em tempos eu e meus amigos íamos ao Hotel para pegar autógrafos de pessoas famosas, fossem jogadores de futebol, apresentadores de TV, atores, cantores. Ficávamos sabendo que alguém famoso estava lá hospedado, e corríamos com nossos caderninhos. Em alguns anos de "atividade", consegui pegar autógrafos do Roberto Carlos, da Xuxa, de todos os meninos do Balão Mágico, da Cláudia Raia, do Evandro Mesquita (Blitz, documentos!), do Júnior que jogava no Flamengo, e até do Cid Moreira!! De outros não me lembro mais. Esse caderninho com os autógrafos, assim como minhas revistas do Asterix e do Timtim, e a minha coleção de notas e moedas, foram todas parar na "roça" quando nos mudamos para Mimoso do Sul em 1991. Certamente foi destruído com o tempo, ante a ação da umidade e das traças.]

Assim, saímos nós, subindo o ladeirão que leva ao então Hotel Senac, e adentramos sem embargo no salão onde estavam reunidas várias pessoas, quase todas de terno e gravata. Entrei pela porta, passei pelo meio de vários "adultos", e fui parar pertinho da mesa onde estava discursando o Tancredo Neves. Interessante é que ninguém nos barrava. Ver a Xuxa, o que fiz anos depois, foi bem mais difícil do que ver o Tancredo. Lembro que perto do Tancredo estava o Gerson Camata, que era o Governador do Estado. Eu adorava o Camata, pois meu falecido avô materno, Octacílio Moraes, tinha veneração e paixão por ele - tinha até fotos dele em Muqui, onde moravam meus avós maternos.

Não me lembro se Tancredo falava ao microfone. Lembro que precisávamos fazer esforço para escutar o que ele falava, e o pouco de burburinho que surgia vez por outra atrapalhava. De toda forma, eu nem prestava atenção no que ele transmitia; só prestava atenção nele falando. Lembro-me até hoje da voz dele. Depois que ele terminou de discursar, outras pessoas tomaram a palavra, mas aí eu fui para fora do salão. Só queria ver o Tancredo e tentar pegar um autógrafo, o que não consegui fazê-lo; assim que terminaram os falatórios, foram todos embora, e eu nem vi por onde Tancredo passou - deveria estar no meio de um "bolinho" de gente sorridente que saiu do salão pouco depois.



NOVA REPÚBLICA

Sem ter a mínima noção, eu estava presenciando um dos mais importantes momentos da vida e da história política do nosso país. Pois foi naquele evento, que hoje sei que se tratava do Congresso da União Parlamentar Interestadual, que Tancredo Neves lançou o termo Nova República, com o qual seria cognominado o novo regime que surgia com a entrega do poder aos civis e o fim dos governos militares.

Dois meses depois disso, Tancredo foi eleito Presidente da República pelo Colégio Eleitoral, derrotando Paulo Maluf. Lembro-me que essa eleição indireta foi televisionada, e eu vi toda a transmissão. A idéia que eu fazia dessa eleição era que Tancredo venceria - afinal, na minha cabeça era a briga do "bem contra o mal". Acredito que todos os brasileirinhos já consideravam-no como nosso próximo Presidente. Mesmo assim, festejei a vitória do Tancredo como se fosse um título conquistado pelo Clube do coração. E, depois, acompanhei toda a agonia que ele sofreu em sua doença, até culminar em sua morte. Lembro-me do anúncio que noticiou o falecimento do Presidente Tancredo - lembro-me do cortejo fúnebre e, salvo engano, do seu funeral. Passou tudo na televisão, interrompendo por vezes os desenhos e programas que eu gostava de assistir, junto com a cobertura que todos os jornais de TV conferiam aos acontecimentos.


DISCURSO

Como já me referi acima, eu não entendia, e nem prestava atenção, nas palavras proferidas pelo meu "salvador" Tancredo Neves. Eu tinha apenas nove anos de idade. Só admirava aquele homem falando, com aquelas palavras bonitas ou difíceis que às vezes tocavam nossos ouvidos.

Hoje, posso ler e entender aquele discurso histórico, e compreendo a importância daquele momento, simbolicamente, para a história do Brasil. Abaixo seguem alguns trechos do discurso, palavras essas que eu ouvi pessoalmente, embora sem as muito compreender na época.


Gerson Moraes França


Trechos do discurso de Tancredo Neves,
em 15 de novembro de 1984,
Vitória, Espírito Santo,
aonde o mesmo lançou a Nova República:


Minha formação democrática, alicerçada numa vida pública em que nunca faltaram o apoio do povo, o voto direto dos meus concidadãos e a confiança das lideranças políticas e sociais, não foi e jamais será marcada por revanchismos e represálias. Estes são os métodos próprios de governos e governantes temerosos de suas injustiças e de seus excessos de poder".

"A agressividade e o radicalismo não passam de formas de pânico, individuais ou coletivas, situações-limite que, por isso mesmo, não podiam durar e muito menos, ser permanentes”.

Restaurar a democracia é restaurar a República. É edificar a Nova República, missão que estou recebendo do povo e se transformará em realidade pela força não apenas de um político, mas de todos os cidadãos brasileiros”.

De norte a sul do Brasil, estou pregando, em praça pública, a unidade nacional. Prego a concórdia, a construção do futuro, e não me prendo aos pesadelos do passado”.

O povo é a substância da República, como prova a raiz latina da palavra. A República deve, pois, ser o compromisso fundamental do Estado para a solução dos problemas do povo, o atendimento de suas necessidades básicas até de sobrevivência”.

Podem os brasileiros estar seguros de que faremos, com prudência e moderação, as mudanças que a República requer”.


Fonte dos trechos do discurso:
Revista VEJA, 21 de novembro de 1984.

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