domingo, 30 de outubro de 2011

Cadastrar a Pobreza é Avanço?


Há pouco tempo a Secretaria Municipal de Assistência e Desenvolvimento Social de Mimoso do Sul foi furtada. Dentre os objetos surrupiados estava o CPU que funcionava como servidor do Programa Bolsa Família no Município, onde estavam armazenados os dados das famílias inventariadas no Cadastro Único, bem como, é claro, os dados das famílias beneficiadas pelo PBF em Mimoso do Sul. O site MimosoOnLine noticiou esse lamentável fato em matéria publicada no seu portal, que foi comentada por vários leitores. Foi ali que tomei conhecimento do fato de que existiam cadastradas no CadÚnico, em agosto de 2011, o montante de 4.169 famílias pobres em Mimoso do Sul. Um incremento de 313 famílias em relação ao mês anterior, quando havia 3.856 famílias inventariadas no CadÚnico em Mimoso. "Um grande avanço da Administração", como afirmou o Gestor do PBF no Município.

Não consegui deixar de refletir sobre essas palavras. Afinal, cadastrar a pobreza poderia ser chamado de avanço? Sim, ou não?

O Cadastro Único para Programas Sociais é um instrumento que identifica as famílias de baixa renda, caracterizadas como famílias pobres, objetivando enquadrá-las no perfil do Bolsa Família quando se encaixarem nos requisitos para o recebimento do benefício. Cabe ao Município implementar e executar esse inventário. Segundo o PNAD de 2006, a estimativa das famílias pobres em Mimoso do Sul, com requisitos para adentrarem como cadastradas no CadÚnico, era de 4.738 famílias. Assim, observamos que o Município está ouvidando esforços para identificar e cadastrar essas famílias; essa não é uma tarefa fácil, e certamente merece elogios.

Mas, ainda assim, permanece a pergunta: cadastrar a pobreza é um avanço?

Primeiro, vejamos o que significa a palavra "avanço", no sentido que foi empregada na expressão do Gestor do PBF em Mimoso do Sul. Consultando um dicionário, e de acordo com o sentido dado, "avanço" seria "caminhar para adiante", "progredir". E "progredir", seguindo a mesma linha, seria "desenvolver-se", "adiantar-se".

É obrigação social do Município cadastrar as famílias pobres no CadÚnico. Identificar essas famílias não é trabalho fácil, ainda mais quando muitas delas ainda são desinformadas e não conhecem os direitos que possuem. Mas, reiteremos: é uma obrigação social do Município, que a executa através de seus agentes públicos. Não fazer isso, ou fazer isso mal feito, seria, pura e simplesmente, omissão, ou negligência. Assim, cadastrar a pobreza é uma obrigação da Administração; não seria um avanço. As "tarefas" ordinárias de competência da esfera municipal têm que ser executadas e, se não o forem, teríamos, sim, um "desavanço". Coletar lixo, tratar da rede de água já estabelecida, cuidar das vias públicas e cadastrar a pobreza são obrigações do Município. A Administração TÊM que fazer isso.

Importante que se reconheça novamente, porém, que ao que parece temos pessoas competentes gerindo o CadÚnico em Mimoso do Sul. A tarefa está sendo feita, e isso tem que ser dito. Em Municípos onde carecem quadros técnicos, competentes ou compromissados em abundância, a execução bem feita de uma obrigação é motivo para elogios. Mas daí para reconhecermos isso como um "avanço" são "outros quinhentos", como reza o jargão popular.

Avanço acontecerá quando o número de cadastrados no CadÚnico, bem como o número de beneficiários do Programa Bolsa Família, começar à decrescer. Pois isso significará que teremos famílias saindo da "linha de pobreza", e isso sim seria progredir e desenvolver.

E o que as sucessivas Administrações Municipais podem fazer para que isso ocorra? Como reduzir a pobreza e a desigualdade em Mimoso do Sul? O Município é capaz de atuar nesse sentido? Ou isso está fora do alcance da municipalidade? Perguntas que não são fáceis de responder, até porque as respostas podem ser muitas e em várias vertentes. Mas alguma coisa precisa ser feita pois, ao contrário do que vem ocorrendo no país, nesses últimos anos Mimoso do Sul parece estar estagnada no tempo. E, mesmo, regrediu em alguns indicadores; a pobreza e a desigualdade vem caindo, sistematicamente e respectivamente, desde 1994 e 2003, no Brasil. Por que isso não está acontecendo em Mimoso?

Leia mais sobre os indicadores no próximo post, se quiser.

Gerson Moraes França

domingo, 2 de outubro de 2011

Pedro Ferreira da Silva

Tempos que não escrevo para o Blog. Início de nova Faculdade que, interessantemente, tem me exigido muito mais do que o primeiro curso universitário que eu fiz. Agora estou aprendendo a História e suas nuances mais basilares e elementares; sua cientificidade, métodos, correntes, "espíritos" e pensamentos filosóficos, dentre muitas outras coisas mais. E estou gostando, muito.

Agora está crescendo em mim uma forma, talvez, mais crítica e metódica de analisar, e não apenas escrever, a História. Não que antes não fosse assim; mas agora isso se torna cristalino e inteligível dentro de mim.

No mundo de hoje, na medida que a Internet vai nos facilitando ter acesso às mais diversas fontes, primárias ou fruto de pesquisa de algum historiador ou memorialista, a análise e estudo da História vai tomando, em minha opinião, uma nova dinâmica. Antes, ter acesso à certas fontes era dificultoso: como, por exemplo, ir pesquisar a família Ferreira da Silva lá em Oliveira, Minas Gerais? É certo que os descendentes do fundador da Fazenda Mimoso possuem muitos documentos que subsidiam o engendramento de nossa História local, mas muita coisa estava simplesmente fora de nosso alcance, ao menos em curto prazo.

Na medida que vamos tomando contato direto com fontes primárias, vamos observando que certas construções ou tradições históricas não são assim tão verdadeiras. Isso eu já tinha observado quando de minha pesquisa sobre a Revolução de 1930 e a mudança da sede da Comarca no mesmo ano. Tendo acesso às fontes primárias, notei que o que se dizia sobre essa "parte" de nossa História local não correspondia à realidade dos acontecimentos. E a uns poucos meses, notei uma nova discrepância, construída possivelmente sem má-fé e por simples analogia.

Sempre se afirmou que a colonização da alta e média bacia do Itabapoana recebeu grande incremento de fazendeiros mineiros que vieram para o Espírito Santo após a Revolta Liberal de 1842, em Minas Gerais. E isso é, realmente, verdade, e foi demonstrado no trabalho de Milton Teixeira Garcia (O Vale do Itabapoana e a história de São Pedro do Itabapoana e São José do Calçado). Muitos dos futuros grandes fazendeiros do Itabapoana espírito-santense eram mineiros do Partido Liberal, e alguns tomaram parte ativa naquele movimento armado; uns vieram para as matas do sul do nosso Estado para buscar novo refúgio e/ou construir nova vida, pois a anistia de 1844 não impedia as perseguições subsequentes. Assim, por simples analogia de historiadores e memorialistas locais, construiu-se a versão de que o Capitão Pedro Ferreira da Silva havia vindo para o Muqui do Sul por ter tomado parte no movimento de 1842, e por estar sofrendo perseguições em Minas Gerais. Escrevi até um pouco sobre isso, em escrito intitulado "O Início da História de Mimoso do Sul", caindo no mesmo erro.

E aí entra o "maravilhoso mundo da Internet" e suas novas possibilidades de compartilhamento de informações, pesquisas e fontes. Pois foi pela web que consegui ter acesso a uma rica pesquisa, ainda em construção, de compilamento e de concentração de fontes primárias, levada a efeito por pesquisadores mineiros. São inventários, certidões, pesquisas cartoriais, dentre outras, que estão sendo inventariadas e compartilhadas na rede mundial. O nome do site já diz tudo: http://www.projetocompartilhar.org/. E foi também graças ao "mundo internético" que pude acessar uma fonte importante, que desqualificou a hipótese de que Pedro Ferreira da Silva tenha sido um dos mineiros "liberais de 1842". É o acervo dos processos criminais do Forum de Oliveira/MG, que se encontra disponível para consulta em http://www.acervos.ufsj.edu.br/.

Compulsando essas fontes "digitais", todas elas primárias, pude perceber que o Capitão Pedro Ferreira realmente tomou parte na Revolta Liberal de 1842; só que não como "revoltoso", mas sim como "legalista". Ele e seu irmão Bartholomeu, que era então o "chefe político" da família, ajudaram à reprimir e, também, a perseguir os "revoltosos" em Oliveira. E, com isso, criaram uma série de inimizades que, talvez, tenham tido influência na decisão dos dois irmãos de deixarem Oliveira e procurarem novos rumos. É fato também que os dois irmãos brigaram, diz-se que por questões patrimoniais; cada qual tomou caminho diferente, e de acordo com testemunhos de descendentes de Bartholomeu, só muitos anos depois dessa briga é que os irmãos refizeram as pazes e se reencontraram. Fato interessante: os irmãos Ferreira da Silva eram casados com duas mulheres que eram irmãs.

Mais tarde conto mais.

Gerson Moraes França

sábado, 9 de julho de 2011

O Espírito Santo na Revolução Constitucionalista


Trincheira legalista em Silveiras/SP
Hoje, dia 09 de julho, é feriado em São Paulo. Esse ano, deram azar: o dia 09 caiu num sábado. O feriado é por causa da Revolução de 1932, que começou oficialmente nesse dia. São Paulo acabou sustentando, quase que só, uma guerra de cerca de 3 meses contra o Governo Provisório de Vargas e o resto do país. O movimento foi derrotado pelo Governo Central, e ficou conhecido, nos anaes da história, como Revolução Constitucionalista.

Quando estourou a revolução, o negócio ameaçou ficar feio. São Paulo aderiu em peso, inclusive com a maioria das guarnições federais. No sul do Mato Grosso, criaram até um novo Estado, que subsistiu por pouco tempo: Maracajú, mais ou menos o que se tornaria o Mato Grosso do Sul. Nomes importantes estavam implicados no movimento, nomes inclusive que ajudaram a fazer a Revolução de 1930. Houve luta armada no Rio Grande do Sul, onde Borges de Medeiros resistiu por um bom tempo. Também em Minas Gerais, liderada por Arthur Bernardes. Mas a adesão do Rio Grande do Sul não veio, porque Flores da Cunha acabou decidindo-se por apoiar o Governo Central. Nesse Estado e em Minas Gerais, logo os grupos revoltosos foram isolados. E Vargas pôde mandar tudo o que tinha contra São Paulo. No meio desse "tudo o que tinha", estavam os recursos humanos e materiais do Espírito Santo. São Paulo, isolado, conseguiu resistir por três meses, em uma guerra que ceifou centenas de vidas e destruiu mais um tanto enorme de propriedades.

No Espírito Santo, logo o Interventor Bley prestou solidariedade ao Governo Vargas, e se dispôs a auxiliar na luta contra os revoltosos. Foram presos alguns líderes ligados à Bernardes, e pessoas suspeitas de ligação com o movimento. Simpatizantes também foram detidos. Por exemplo, em Muqui foram presos Geraldo Vianna e Belizário Lima, proprietário e redator-chefe do jornal Muquyense, de grande circulação no sul do Estado. O jornal ficou fechado de 18 de agosto a 16 de outubro. Vianna, revolucionário de 1930 que fazia oposição ao Governo Bley, foi preso no dia 08 de agosto e só foi solto no dia 01º de setembro. Belizário ficou preso por 31 dias. Em outro exemplo, o Delegado de Polícia de João Pessoa (atual Mimoso do Sul), Florício Paulo dos Santos, teve que correr até o distrito de Conceição do Muqui, região muito ligada à Muqui e onde estava sendo organizada uma pequena "tropa" de simpatizantes; "tomou logo providência e vigia alguns implicados no trama", pois Conceição tinha "os seus revoltosos", como anunciava o Delegado.

E logo o nosso Estado tratou de enviar tropas para o front em São Paulo. Num primeiro momento, inúmeros voluntários se apresentaram, ou foram despachados para a capital pelas autoridades do interior. Os voluntários foram tantos, que no dia 14 de julho o Interventor Bley teve que começar a telegrafar aos Municípios pedindo para que não enviassem mais homens para Vitória. Muitos foram aproveitados, mas quase todos foram dispensados ou colocados em "reserva". O RPM criou mais dois Batalhões (um em 15 de julho e outro em setembro). Assim, o Regimento Policial Militar (atual Polícia Militar) e o 3º Batalhão de Caçadores (atual 38º Batalhão de Infantaria, guarnição do Exército) foram mobilizados para a luta, e enviaram seus efetivos para a guerra.

Afora isso, foram criados "batalhões patrióticos" em vários municípios, assim como muitos criaram suas Guardas Municipais para policiar e suprir o chamamento dos destacamentos policiais que foram recolhidos para a capital. Em São José do Calçado, por exemplo, o "batalhão patriótico calçadense" foi criado no dia 13 de julho reunindo um efetivo de 56 homens (26 deles, reservistas). Em Alegre, além da remessa de quase 50 voluntários para Vitória, foi criada uma Guarda Municipal com o efetivo de 20 homens. Pouco depois, os "batalhões patrióticos" foram dissolvidos, ou tiveram seu efetivo reduzido nas localidades que não criaram suas Guardas Municipais. Continuando com o exemplo de Calçado, seu "batalhão patriótico" foi dissolvido já no dia 14, e depois recriado com um efetivo de 10 homens para auxiliar o policiamento.


NOSSAS TROPAS NA GUERRA

O 3º Batalhão de Caçadores lutou no flanco esquerdo do setor do vale do Paraíba, e depois no setor do noroeste paulista. Esteve em Bananal, Sertãozinho, Barreiros, Silveiras, Queluz, Barra Mansa, Ouro Fino, Mogi-Mirim, Piteiras, Artur Nogueira e Limeira. O 1º e o 2º Batalhões do RPM lutaram no Setor da Serra do Mar e depois rumaram para o vale do Paraíba. Estiveram em Paraty, Cunha, Lagoinha, São Luiz de Paraitinga, Taubaté, Cataguá e Pindamonhangaba. O 3º Batalhão do RPM serviu de reserva no Vale do Paraíba, acantonado em Lorena. Nossas unidades militares estavam integradas em Comandos Superiores, que eram integrados por outras unidades, de vários lugares do país.

Focando nas operações de nosso Regimento Policial Militar, a missão foi árdua e importante, e de muito impacto no desenrolar da guerra. O setor de Cunha foi ferozmente defendido por São Paulo, pois seu rompimento ameaçava a linha principal do Vale do Paraíba, onde estavam concentrados os maiores esforços dos revolucionários e dos legalistas. O RPM atuou junto com os Fuzileiros Navais na operação principal do Destacamento Mixto, que era tomar Cunha, subindo a serra do mar a partir de Paraty. Atuaram principalmente no flanco esquerdo do avanço. A tropa chegou a entrar em Cunha e avançar para Lagoinha (em julho), mas depois uma contra-ofensiva paulista desalojou os legalistas de suas posições (em agosto). Após reorganizar a força (no início de setembro), nova e forte ofensiva legalista foi realizada, e a cidade de Cunha foi tomada novamente. Os Batalhões do RPM, após tomarem parte na conquista e ocupação de Cunha, ficaram com a missão de seguir para o oeste, para a tomada de Lagoinha e São Luiz de Paraitinga, enquanto os FN forçavam a ofensiva em direção ao vale do Paraíba.

Nossos soldados capixabas cumpriram a missão. Entraram em Lagoinha sem grande resistência, mas tiveram que lutar por 3 dias para tomar São Luiz de Paraitinga. Pouco depois a guerra terminou, com a rendição de São Paulo. Essas cidades, quando tomadas, estavam desertas, pois a população civil havia abandonado suas casas ante o avanço da força legalista. Interessantemente, por alguns dias estas duas cidades foram administradas por capixabas, umas vez que os Comandos nomearam os Prefeitos Militares das mesmas após suas respectivas ocupações. Em Lagoinha, no dia 25 de setembro, foi feita a nomeação e posse do Prefeito Militar interino, o 2º Tenente Rosental Machado Alves - apenas dois comerciantes paulistas, que não fugiram, estiveram presentes na posse. Em 01º de outubro foi feita a nomeação e posse do Prefeito Militar interino de São Luiz de Paraitinga, o 2º Tenente Plácido Azevedo, na presença de apenas um morador.

Pouco depois de terminada a guerra, nossos soldados voltaram para casa. Os três Batalhões do RPM chegaram em Vitória no dia 18 de outubro de 1932. Foram três meses em operação na guerra. O Regimento Policial Militar nesses dias de guerra esteve com um contingente de 1.328 homens, entre regulares e voluntários. Desses, 926 foram mandados para lutar em São Paulo. 727 homens estiveram em operação diretamente na linha de frente. Nossa tropa espírito-santense sofreu com 58 mortos, 78 feridos e 156 extraviados ou desaparecidos, num total de 292 baixas.

[mais tarde, colocarei aqui um mapinha que estou fazendo]

Gerson Moraes França


Fontes:

História da Polícia Militar do Espírito Santo
1985 - Sônia Maria Demoner

Diário Oficial da União
(julho a outubro de 1932)

Jornal Diário da Manhã
(julho a dezembro de 1932)

Interventoria (Governadoria)
APE - telegramas expedidos e recebidos (1932)

quinta-feira, 7 de julho de 2011

Domingos Martins - uma questão controversa




Estava escrevendo aqui sobre Domingos Martins, focando no ano e numa controvérsia sobre a localidade de seu nascimento. Salvei o documento para continuar mais tarde. Como sempre, ao reler, não gostei. Inclusive, achei que estava ficando quase que uma "tese de mestrado", grande demais e com linguajar pesado, com múltiplas reflexões e conclusões caucadas em mais umas tantas fundamentações e documentos. Pensei: "porra, isso aqui é um blog informal!". E daí resolvi "arquivar" o texto que estava escrevendo, e iniciar esse aqui. Sem muita formalidade, sem quilômetros de fundamentações, citações e interpretações. Sem linguagem rebuscada e "técnica". Resolvi ficar mais na conclusão, naturalmente com alguma fundamentação. Informal, porém.

O texto anterior continua aqui guardado, nos "arquivos de rascunho". Um dia, quem sabe, não o continuo? Um trabalho de faculdade, um artigo para alguma publicação que queira publicar o texto, ou mesmo uma diversão de final de semana prolongado sem viagem. Deus, e minha disposição, é que definirão.

Vamos lá.

Primeiro, falo sobre o que me levou a escrever e levantar a questão que logo colocarei. No final de 2009, no mesmo ano que o busto do mártir Domingos Martins sumiu (fato insólito!) da praça que leva seu nome, em Itapemirim, a Prefeitura de Marataízes começou a elaborar um projeto para a construção de um monumento ao nosso herói. O monumento será (será?) erigido na localidade de Quartéis, defronte à ilha das Andorinhas, entre as praias de Boa Vista e dos Cações. O local foi escolhido porque, segundo uma tradição, Domingos Martins teria nascido dentro de um Quartel, que ali ficava localizado. O seu pai, segundo algumas fontes, teria comandado aquele Quartel, que foi construído para defender a estrada litorânea, que ligava Muribeca e Barra do Itabapoana até Itapemirim, dos ataques de grupos de silvícolas selvagens.

[Abrindo adendo; o sumiço do busto de Domingos Martins foi esclarecido pelas autoridades locais de Itapemirim: foi retirado da praça para restauração. Não sei se foi restaurado - tomara que tenha sido. Já o projeto de Marataízes, não sei como está transitando]

Ah! Importatíssimo dizer que Domingos José Martins é o patrono do Instituto Histórico e Geográfico do Estado do Espírito Santo. Tem até uma estátua dele na praça ao lado do Palácio Anchieta, e em outros lugares mais. Foi um dos principais dirigentes da Revolução Pernambucana de 1817, tendo sido executado no mesmo ano por ter tomado parte no levante. E assim, por ser espírito-santense, nascido em Itapemirim, tornou-se nosso herói e nosso mártir.

E aqui vem a questão. Teria Domingos Martins, realmente, nascido dentro de um Quartel no litoral sul do Espírito Santo, como é recorrente ler? Se você "googlar" na internet e pesquisar o assunto, verá que quase todos os meios de imprensa, sites culturais e/ou turísticos, e alguns Blog's também, assim atestam. É um copy/paste dos infernos! Algumas publicações chegam a apontar o próprio Domingos Martins como tendo sido o comandante do referido Quartel; erroneamente, é claro.


COMEÇANDO

Escritores antigos afirmavam que Domingos José Martins era bahiano. Realmente, tinha ligações e afinidades com a Bahia. Mas os trabalhos de Basílio Carvalho Daemon, Marcilio Teixeira de Lacerda e Norbertino Bahiense, dentre outros, afastam a hipótese bahiana. Bahiense publicou, em seu livro, documento de lavra do nosso mártir, de próprio punho, periciado e atestado como autêntico. Nesse documento fica clarividente que Domingos nasceu no Espírito Santo. Daemon colheu depoimentos de pessoas que conviveram com a família de nosso mártir, nos legando até o seu apelido, "herdado" do pai: "Bem-bem".

Domingos Martins nasceu em Caxangá, povoado onde hoje fica a cidade de Itapemirim, no ano de 1781. O ano de seu nascimento é incontroverso, pois ele tinha atestadamente 36 anos de idade quando foi executado em 1817. É só usar a calculadora, se estiver com preguiça de fazer uma continha de subtração. Domingos era filho de Joaquim José Ribeiro Martins, nascido no Espírito Santo, e de D. Joana Luisa de Santa Clara Martins, nascida na Bahia e de família bahiana importante; ambos, inclusive, eram primos.

O casamento foi acertado em Salvador, mas a cerimônia parece ter sido realizada em Vitória, onde Joaquim Martins era Oficial da Tropa de Linha da Guarnição. Logo após o casamento, segundo depoimentos colhidos por Daemon, Joaquim Martins foi para Itapemirim, destacado como oficial comandante da tropa local, com o posto de Porta Bandeira que, fazendo analogia com as patentes "quase atuais" e atuais, seria o equivalente a Alferes, hoje Tenente. Levou consigo a sua mulher, e foi lá que ela deu a luz a Domingos José Martins. Concluído o tempo de serviço na guarnição, Joaquim retornou para Vitória, onde se estabeleceu com comércio. No princípio dos anos 1800 já estava estabelecido na capital da (ainda) Capitania, com sua casa e com seu negócio, como atesta Daemon.

Há ainda certa dúvida em quanto tempo Domingos Martins residiu em Caxangá/Itapemirim. Uns afirmam que, com menos de um ano de idade, foi remetido para Salvador, juntamente com sua mãe; o que não parece verossímel, considerando que nos anos seguintes nasceram vários de seus irmãos, e que seu pai continuava integrado como oficial da tropa de linha. Outros dizem que passou parte da infância em Itapemirim, e depois em Vitória. Fato é que, cedo, assim que atingiu a idade de iniciar a sua educação, foi mandado para fora do Espírito Santo. Esteve estudando em Salvador e em Lisboa. Quando formado, retornou para Vitória, onde ficou por pouco tempo; estabeleceu-se, entre 1810 e 1812, como comerciante em Salvador, caminho também seguido pelo seu pai pouco depois, por influência da família bahiana de sua mãe. Em 1814, Domingos Martins mudou-se para Recife, onde continuou trabalhando com comércio. As datas todas são de Daemon.

E aí voltamos com nossa questão. Reiterando: teria, realmente, Domingos Martins nascido naquele Quartel situado no alto das falésias, perto da praia de Boa Vista? Eu penso que não. E a fundamentação segue agora.


LOCALIDADE DO NASCIMENTO

Primeiramente, está o fato dos autores mais antigos atestarem a localidade do nascimento de Domingos. Citam, taxativamente, o povoado de Caxangá. Caxangá era a denominação de um sítio, e também de uma povoação localizada nas proximidades do que se tornaria a primitiva sede da Freguesia de Nossa Senhora do Amparo de Itapemirim, em 1771. Por alguns bons anos, Caxangá e Itapemirim foram núcleos distintos, embora muitíssimo próximos. Em 1776 há documento que prova que os dois núcleos eram povoados diversos. A sede da Freguesia era em Itapemirim, e com o passar dos anos as duas povoações se fundiram. Mas por muitos anos, ainda, os mais antigos usavam o nome Caxangá para denominar Itapemirim. Mais ou menos como hoje, quando se fala Marapé ao invés de Atílio Vivacqua. Desde 1791, pelo menos, todo o território da Freguesia de Nossa Senhora do Amparo era chamado de Districto de Itapemirim, na organização militar da então Capitania.

Assim, ao taxar Caxangá, ao invés de Itapemirim, como local do nascimento, esses autores mais antigos estabelecem um vínculo com a localidade de Caxangá, o núcleo "caxanguense". Caxangá nunca foi sede de Freguesia. Os povoados se fundiram, mas a tradição de se cognominar "Caxangá" a uma parte da sede da Freguesia de Itapemirim persistiu por muitos e muitos anos. Tivessem citado seu nascimento em Itapemirim, ao invés de Caxangá, aí seria aberta a hipótese de Domingos Martins ter nascido fora do núcleo da sede, uma vez que a Freguesia de Itapemirim era integrada por um território que englobava boa parte do sul do nosso Estado. Os Quartéis, por exemplo, estavam situados no território da Freguesia de Nossa Senhora do Amparo, só que a três léguas de distância da sede. Mas eles citam "Caxangá", ao invés de "Quartéis". Ambas eram localidades distintas, dentro da Freguesia de Itapemirim.


ANO DE NASCIMENTO

Agora, o ano. O ano de nascimento de Domingos Martins (1781), que é incontroverso, é o maior indício de que nosso mártir não nasceu dentro de um Quartel. Já seria muito estranho, claro, que um Oficial da Tropa de Linha, destacado para comandar um Quartel literalmente "no meio do nada" e sob constante ameaça de ataque dos índios puris, levasse sua esposa/prima, filha de família rica em Salvador, para ir viver com ele nessa instalação. Efetivamente, o referido Quartel sofreu várias incurções de índios puris no início do século XIX. Também há o fato de que oficiais e praças em serviço nos destacamentos de Quartéis de estradas, isso no início do século XIX, não podiam levar família consigo.

Iria um Oficial comandante, além de levar sua esposa para um Quartel perigoso, permitir que a mesma desce a luz ao seu primeiro filho em local tão ermo e sem condições? E no meio de vários praças, gente simples e rude? E com índios hostis no entorno? Ah, não creio! Ao aproximar-se o dia do nascimento, e isso no caso de Dona Joana ter realmente vivido parte de sua gravidez no Quartel, teria ele remetido sua esposa/prima de família rica soteropolitana para o Povoado, onde haveria parteira e cuidados. Os defensores do nascimento no Quartel teriam que supor que o Porta Bandeira Joaquim Martins fosse meio "lé-lé da cuca"... poxa, mas o seu apelido era "Bem-bem"...! =)

Mas essa fundamentação acima é facilmente desqualificada. Basta alguém dizer: "Sim, o Porta Bandeira Joaquim Martins, fiel cumpridor de seu dever militar e esposo dedicado, que não queria ter sua mulher longe tendo casado a tão pouco tempo (mesmo estando grávida), e que queria presenciar o nascimento de seu primeiro rebento, chamou uma parteira e colocou os praças em vigília enquanto se processava o nascimento".

Mas aí vem outro problema. É que em 1781, quando incontroversamente nasceu Domingos Martins, ainda não existia Quartel construído naquela localidade. O Quartel referido, chamado de Boa Vista, também conhecido como Barreiras, foi construído somente depois do massacre de 1810, quando os índios puris, além e depois de realizarem vários ataques em Muribeca e em Itapemirim, mataram quase todos os integrantes de um pequeno grupo de pessoas que transitava pela estrada entre as duas localidades citadas. E foi só na época do Governo Silva Pontes (1800-1804) que foram criados os primeiros destacamentos de pedestres e os primeiros quartéis com tropa de linha para defesa das estradas e propriedades contra o ataque do "gentio botocudo" no norte.

Como poderia o pai de Domingos Martins estar comandando um Quartel que ainda não existia? Assim, o Porta Bandeira Joaquim Ribeiro Martins, Oficial de 1ª Linha da Guarnição da Capitania, que realmente comandou uma das cinco Companhias do Terço de Ordenança com sede em Guarapari, no caso a Companhia do Disctricto de Itapemirim, não poderia estar com sua mulher no Quartel de Boa Vista, ou das Barreiras, como queiram. Simplesmente porque este não existia.

Esteve, sim, com sua esposa, na sede da Freguesia de Nossa Senhora do Amparo de Itapemirim, comandando o destacamento da Companhia local do Terço de Ordenança que policiava e protegia o sul do Estado. Ou Caxangá, como ainda falavam os moradores locais. Quando o Quartel foi contruído, Joaquim Martins já estava morando em Vitória, tendo cumprido seu tempo de serviço como militar e vivendo de seu comércio na rua das Flores.


O MOTIVO DA CONFUSÃO

Em minha opinião, essa "confusão" sobre o local de nascimento de Domingos Martins foi produzida, sem má-fé, por um dos melhores e mais aprofundados trabalhos sobre a vida de nosso mártir. Norbertino Bahiense publicou seu livro "Domingos Martins e a Revolução Pernambucana de 1817" no ano de 1974. Esteve em Itapemirim, onde em 1971 entrevistou-se com o proprietário das terras que um dia sediaram o Quartel de Boa Vista. Esse morador, já idoso, mas mesmo assim nascido 120 anos depois de Domingos Martins, acabou induzindo Bahiense ao erro, após prestar seu depoimento. Interessantemente, este morador disse que o próprio Domingos Martins havia comandado o Quartel, fato que Bahiense sabia ser errôneo; mas, dando crédito ao depoimento, apenas "corrigiu" o nome do comandante - trocou Domingos e colocou Joaquim.

Como a tropa comandada por Joaquim Martins, em Itapemirim e em 1781, era destinada ao policiamento local e à defesa contra ataques dos índios, como Domingos Martins havia nascido em Itapemirim, e como o Quartel contruído mais de vinte anos depois tinha como função específica a defesa e o suporte do patrulhamento da estrada contra ataques de silvícolas, o povo local, com o passar dos anos, foi misturando os fatos. As ruínas do Quartel de Boa Vista ainda existiam na década de 1950, o que devia aumentar ainda mais a confusão - afinal, como disse eu mais acima, os residentes locais atestavam que Domingos Martins não havia só nascido no Quartel, mas sim que o próprio havia comandado o mesmo!


É isso aí. Tenho dito. Até que alguém me contradite. =)

Gerson Moraes França

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Maria Antonieta Tatagiba



Maria Antonieta Siqueira Tatagiba

No último dia 04 de maio, em espaço gentilmente cedido pela Secretaria municipal de Cultura de Mimoso do Sul, foi realizada uma reunião que objetivou fundar uma Academia de Letras na nossa cidade. Sob a presidência ad-hoc de Alci Vivas Amado, e com  presença de várias personalidades ligadas e apaixonadas pela literatura e pelos autores mimosenses, deu-se o ponta pé inicial do que um dia pode se transformar numa importante e produtiva iniciativa.

Terra de muitos autores, poetas e escritores, alguns de renome nacional, Mimoso do Sul e seus valorosos abnegados buscam estimular e difundir a leitura e a cultura em nosso adorado torrão. E essa é a "deixa" para abordar a personagem da presente matéria. Pois, ao falar em Academia de Letras, não há como, em Mimoso, não relembrar o nome da poetisa Maria Antonieta Tatagiba. Ela é, talvez, o mais festejado nome de nossa literatura; foi a primeira mulher capixaba a publicar um livro, e é patrona de uma das cadeiras da Academia Espírito-santense de Letras.

Escrevi sobre Maria Antonieta em minha coluna Resgate, no jornal mimosense Acontece, na edição n.º 01 no Ano 04, de março/abril de 2005, em matéria bem enxuta. Lembro-me de ver, inclusive, um dia, meu texto apregoado em um mural no pórtico de entrada da Capela de São José, quando de um evento que homenageava as escritoras mimosenses durante a festa da cidade. O texto estava lá "tim-tim por tim-tim", "sem tirar nem pôr". Apropriaram-se do escrito sem minha autorização e sem creditar o autor, mas fiquei feliz por observar que estava sendo útil.

Antes de continuar, porém, importante lembrar que o nosso estimado colunista Gilberto Braga Machado, o Braguinha, também escreveu sobre a poetisa Maria Antonieta Tatagiba, em matéria publicada em seu BLOG e no portal MimosoOnLine. Para quem quiser ler o texto de Braguinha, basta clicar nesse link. Assim, o presente texto serve como uma complementação para o escrito de Braguinha. Entendi por bem enriquecer as informações sobre Maria Antonieta que, certamente, merece tantas homenagens quantas forem possíveis.

Outra pessoa que escreveu especificamente sobre a nossa poetisa foi a escritora Karina Fleury, membro da Academia Feminina Espirito-santense de Letras, em duas obras: uma publicada em 2007 e intitulada "Alma de flor - Maria Antonieta Tatagiba: vida e obra", e outra publicada em 2010 com o título "O Papel da mulher e a mulher de papel: vida e obra de Maria Antonieta Tatagiba". Destarte, procuro trazer novos elementos e informações por mim pesquisadas, algumas delas inéditas, sobre a vida da nossa festejada e aclamada poetisa são-pedrense, buscando contribuir com o resgate e as homenagens que Maria Antonieta, certamente, faz jus.


MARIA ANTONIETA TATAGIBA

Não sou poeta, nem crítico literário; sou apenas um pesquisador. Desse modo, não tenho gabarito para analisar a obra de Maria Antonieta. Interessante, porém, aqui colocar uma análise geral sobre a obra da poetisa, que está no livro "Antologia de Escritoras Capixabas", de autoria de Francisco Aurélio Ribeiro e publicado em 1998:
"Sua poesia, bucólica, panteísta, neo-simbolista, pouco representa a efervescência modernista da época em que viveu, mas a alma simples, neo-arcádica de quem se dizia uma 'tocadora de frauta'."

Após esse pequeno intróito capitular, importante reiterar que o texto que se segue não pretende ser uma biografia, nem uma resenha da vida de Maria Antonieta. Apenas trago alguns elementos que somam-se aos tantos que já foram escritos sobre a vida da poetisa.

DE TUDO, UM POUCO:
Família, infância, formação, profissão e casamento

Nossa poetisa veio ao mundo em 17 de setembro de 1895, em São Pedro do Itabapoana. Nasceu e foi batizada Maria Antonieta de Castro Siqueira. Seu pai, Arthur Antunes de Siqueira, era de importante e tradicional família mineira cujos descendentes espalharam-se pelas zonas cafeeiras do norte do Rio de Janeiro e sul do Espírito Santo. Sua mãe, Maria Rita de Castro, pertencia a distinta família mineira Castro, das primeiras que chegaram na região do Itabapoana.

No ano seguinte ao seu nascimento, seus pais foram residir em Campos, Estado do Rio de Janeiro. Foi nessa cidade fluminese que Maria Antonieta cursou o primário, e depois frequentou o Liceu de Humanidades de Campos. Após a morte de seu pai, em 1908, voltou a residir em São Pedro do Itabapoana. Já professora em sua terra natal, fez o curso de Humanidades no Ginásio do Espírito Santo, em Vitória, concluindo-o em 1916. No ano seguinte, Maria Antonieta assume uma das escolas públicas do Município, como professora normalista.

José Vieira Tatagiba
Em 05 de maio de 1922, quando já dirigia a Primeira Escola Pública da sede municipal, Maria Antonieta casou-se com o advogado Dr. José Vieira Tatagiba. E tornou-se Maria Antonieta Siqueira Tatagiba, nome pelo qual acabou ficando conhecida. A família Tatagiba, assim como os Antunes de Siqueira, era radicada em São José do Calçado, município vizinho. Possuiam propriedades conflitantes na região de Alto Calçado e Conceição de Muqui, nas terras altas de ambos os municípios. José nasceu na Fazenda Estrella, Alto Calçado, em 01º de outubro de 1895. Bacharelou-se em Ciências Jurídicas pela Faculdade de Direito do Rio de Janeiro, e depois foi designado Promotor Público na Comarca de Itabapoana, cuja sede era em São Pedro. Também dirigiu, como Redator-Chefe, o jornal oficial "A Semana", principal órgão de imprensa local.

Em agosto de 1926, Maria Antonieta foi nomeada para a função de Gerente do jornal "A Semana", tendo sido a primeira mulher a gerenciar um órgão de imprensa em São Pedro. O Gerente era subordinado ao Redator-Chefe que, na ocasião, era o seu marido. Não possuo dados para afirmar, mas acredito que tenha sido uma das primeiras mulheres do Estado e, quicá, do país, a assumir a gerência de um jornal oficial. A nomeação da nossa poetisa, apenas para que fique como registro, foi levada a efeito pelo Decreto n.º 19, de 13/08/1926, assinado pelo Presidente da Câmara Municipal e também Chefe do Poder Executivo local, Clarindo Lino da Silveira. Poucos meses depois, seu marido José Tatagiba seria eleito Prefeito de São Pedro do Itabapoana.


DOENÇA, OBRA E MORTE

Até que ponto a iminência, ou a expectativa da morte, foi responsável pela consecução da realização de um objetivo, de um sonho? Maria Antonieta Tatagiba publicou seu livro, "Frauta Agreste", em 1927. E assim tornou-se a primeira mulher capixaba a publicar uma obra literária. Pois foi nesse mesmo ano que sua doença se complicou, e tornou-se grave.

Possuo alguns telegramas passados e recebidos pelo seu marido, o Prefeito José Vieira Tatagiba, que comprovam que Maria Antonieta estava gravemente enferma em 1927, e que procurou médicos especialistas no Rio de Janeiro, então Capital Federal, bem como em Campos, norte do Estado do Rio. Muitos autores afirmam que Maria Antonieta morreu por causa da tuberculose. Sabe-se, porém, que o tratamento da tuberculose era levado a efeito em estâncias ou sanatórios, e que os mais abastados, como era o caso de nossa poetisa, passavam longas temporadas em cidades de mais altitude e clima mais frio. Maria Antonieta, porém, após procurar os médicos, foi para sua cidade natal esperar pela morte. É fato também constatado que seu óbito ocorreu depois de prolongada moléstia. Tanto que, conhecedora a morte iminente, Maria Antonieta escreveu o poema "Morrer Moça", falando da própria situação que vivia e que foi publicado na Revista Capixaba de número 113, Ano VI, de 23 de fevereiro de 1928. Essa foi sua última poesia publicada em vida, e pode ser lida no final do presente post.


No centro, o fundo da casa
onde morreu Maria Antonieta
 Também encontrei a certidão de óbito e o documento do médico que atestou a morte de Maria Antonieta, Dr. Octavio Lengruber, que foi levado ao Cartório pelo Juiz Distrital Annibal José Medina. Ela faleceu às dezesseis horas do dia 13 de março de 1928. O atestado declarava que nossa poetisa havia falecido em virtude de um tumor na laringe. A sua doença teria se complicado e se transformado em tuberculose laríngea, uma das mais sérias complicações da tuberculose pulmonar, frequentemente fatal? Ou Maria Antonieta teria falecido em virtude de um câncer na laringe? Não sei, mas alinhar-me-ei aos autores mais renomados, acrescentando o "laríngea" à tuberculose. Faleceu aos 32 anos, e não aos 33, como por vezes lemos em algumas publicações.

Voltando aos telegramas acima citados, segue o teor de alguns deles, para registro.

No início de setembro de 1927, Maria Antonieta vai para Campos com seu marido José Vieira Tatagiba, já gravemente enferma, e é internada. José viaja ao Rio de Janeiro, onde o deputado federal Pinheiro Junior o ajuda a procurar médicos especialistas. No dia 08 de setembro está de volta à Campos. No dia 29 de setembro, o presidente Florentino Avidos pede ao deputado federal Geraldo Vianna que providencie um anexo no carro especial do trem da Leopoldina, para levar Maria Antonieta e seu marido ao Rio de Janeiro. No dia 25 de outubro de 1927, após intervenções médicas na Capital Federal, Maria Antonieta e José Vieira retornam a São Pedro do Itabapoana. Foram dois meses de tratamento hospitalar, e depois mais quatro meses e meio até que nossa poetisa sucumbisse ante a sua grave doença.

Sua morte foi noticiada em todos os jornais do Estado. José Vieira Tatagiba, viúvo, havia renunciado pouco antes ao cargo de Prefeito, e fora nomeado Juiz de Direito na Comarca de São Mateus, extremo norte do Estado. Viveria até 26 de setembro de 1952, após ter exercido a magistratura nas Comarcas de São Mateus e Alegre, tendo exercido nesse último o cargo de Prefeito em novembro de 1945, quando lá era Juiz. Morreu em Belo Horizonte, Minas Gerais.

Gerson Moraes França

Morrer Moça, de Maria Antonieta Tatagiba
Foto do poema publicado no jornal Acontece


sexta-feira, 1 de abril de 2011

A Imigração Cearense no Espírito Santo


Flagelados pela seca - Ceará, 1878

O ano foi 1878. No dia 06 de março, "cento e tantos" imigrantes cearenses chegaram à Província do Espírito Santo, fugindo da grande seca que assolava o Ceará e outras regiões do Nordeste. Foram os primeiros de muitos que iriam chegar nos meses e anos seguintes. Até o final do semestre, seriam cerca de dois mil. No final do ano, eram quase cinco mil. Quando a Monarquia chegou ao fim, já eram mais de oito mil os imigrantes cearenses chegados diretamente no Espírito Santo. No final do século XIX,  tinham passado dos onze mil.

Só naquele ano de 1878, cento de oitenta e oito mil cearenses emigraram para várias Províncias do Império, de uma população total de oitocentos mil; cento e vinte mil pessoas morreram naquele ano no Ceará, em virtude da seca. O rebanho de gado da Província foi dizimado em quase noventa por cento.

A imigração cearense em nosso Estado é tema pouco abordado pela historiografia local. Os retirantes não foram alocados em colônias reservadas, como aconteceu com muitos colonos estrangeiros que chegaram no Espírito Santo no século XIX; foram espalhados por todo o Estado, a maioria sendo encaminhada para trabalhar na lavoura. Relativamente, um bom número assentou praça na polícia ou no exército, e alguns foram trabalhar na construção de estradas de ferro. Assim, espalharam-se e integraram-se rapidamente no seio da população capixaba. Não mantiveram uma identidade cultural distinta, embora alguns elementos culturais tenham restado como resquício de sua cultura sertaneja. Apesar de haver sido aventada a hipótese de assentar os retirantes em colônias similares ao modelo adotado para os estrangeiros, tal projeto não foi adiante; foram eles remetidos para localidades já povoadas.

Talvez acima esteja a explicação do porquê que esse importante movimento migratório, que teve grande peso no povoamento do Estado do Espírito Santo, não é tão levantado atualmente. Sem uma identidade cultural diversa e distinta, como temos dentre alguns grupos de imigrantes estrangeiros, os retirantes foram absorvidos pela sociedade e pela cultura capixaba. Assim, não havendo comunidade própria, nunca surgiu um movimento de resgate ou de afirmação comunitário, tal como ocorreu com os descendentes de italianos, alemães e outros imigrantes estrangeiros que vieram para o Espírito Santo no século XIX.

O peso absoluto e relativo da imigração cearense no Espírito Santo foi muito significativo. Para efeitos de comparação, esse movimento migratório, aqui no Estado e em sua época, só foi menor do que a imigração de italianos. Colocando em números redondos aproximados, até o final do século XIX, e considerando os dados de migração direta, vieram cerca de vinte e oito mil italianos, quatro mil alemães e dois mil e quinhentos espanhóis; as outras nacionalidades não chegaram ao milhar, e todas essas somadas não chegaram a três mil, retirados desse cálculo os imigrantes portugueses. Os cearenses, como já dito mais acima, totalizaram um contingente de mais de onze mil imigrantes no período. A população do Espírito Santo em 1870 era de oitenta e dois mil habitantes.

A maioria dos imigrantes cearenses foi para São Mateus. Grande número foi para Itapemirim. Nesses dois Municípios, os retirantes passaram do milhar. Santa Cruz, Viana e Cariacica também receberam expressivo contingente, assim como Serra, Vitória e Guarapari, em escala pouco menor. Em sua esmagadora maioria, eram muito pobres; famílias inteiras chegaram apenas com as roupas do corpo. Mas vieram também algumas pessoas mais abastadas, fazendeiros também acossados pela seca. O flagelo da estiagem alcança ricos e pobres, proprietários e trabalhadores, em medidas diferentes, mas igualmente dolorosas e drásticas.


ELEMENTOS CULTURAIS
POESIA POPULAR - DESAFIO

Os que me acompanham sabem que pesquiso e estudo, de modo mais específico e profundo, a história da região sul do nosso Estado do Espírito Santo. Assim, para exemplificar as reminiscências da cultura sertaneja nordestina no Espírito Santo, reservar-me-ei a faculdade de ficar adstrito aos meus cantados Itabapoana e Muqui, do norte e do sul. Tal não desvirtua a matéria, considerando que essas regiões, então pertencentes ao Município de Cachoeiro do Itapemirim quando da chegada dos retirantes cearenses, foram das que receberam maior contingente desses imigrantes, que para lá se dirigiram após passarem por Itapemirim.

Em 1912, Arquimino Martins de Mattos exerceu o cargo de Interventor do recém criado Município de São João do Muquy. Folclorista, Arquimino observou que existiam elementos culturais nordestinos dentre as manifestações populares da região. Membro da Academia Espirito-santense de Letras, reuniu material e posteriormente proferiu uma palestra na Academia, em uma sessão que homenageava o também folclorista, Desembargador Afonso Cláudio. "Arquimino Mattos, dissertando sobre folclore capixaba, refere que no vale do Muqui e do Itabapoana encontrou a influência dos cantadores do nordeste brasileiro, exercida por esparças colônias de cearenses que ali se domiciliaram". Em sua palestra, mencionou até um "lance de desafio, de sabor acentuadamente nordestino", que segue abaixo:

É de devéra, meu mano,
Devéra vou lhe contá:
Eu já vi uma mambuca
No chifre dum marruá,
Deu sete pipa de azeite,
Três carro de saburá.

O desafio é uma modalidade de poesia popular sertaneja nordestina. Dois cantadores, com viola em punho, na maioria das vezes em tom jocoso ou satírico, improvisam as rimas durante a cantoria. Algumas raízes dessas estrofes tornam-se tradicionais, e passam a integrar os improvisos com certa frequência.

Quando pesquisou em campo, trinta anos depois da chegada dos primeiros imigrantes cearenses ao nosso Estado, Arquimino Mattos encontrou elementos culturais desses nordestinos cearenses que então viviam no Espírito Santo. Tal fato certamente foi marcante para o folclorista, considerando que o mesmo estudou e escreveu sobre o tema, e reservou sua palestra para ser proferida na Academia de Letras em uma ocasião bem especial. Tal como essa manifestação cultural, é muito provável - por que não? - que outras tenham perdurado, e mesmo tenham sido sedimentadas ou amalgamadas na comunidade. A gíria cabrunco, por exemplo, que inclusive foi tratada aqui no BLOG em post anterior, tem origem no vocabulário desses nordestinos. Se procurarmos, é possível - quem sabe? - que encontremos mais palavras ou manifestações que foram trazidas por esses retirantes.


ALGUMAS FAMÍLIAS CEARENSES
NO VALE DO ITABAPOANA

Número significativo dos retirantes cearenses que chegaram ao Município de Itapemirim passaram para Cachoeiro do Itapemirim. Foram direcionados em sua maioria para a lavoura cafeeira, e alguns para trabalhar nas estradas de ferro. E, das regiões de Cachoeiro, o Itabapoana e o Muqui foram das que receberam expressivo contigente. Para essas regiões emigraram, além dos retirantes pobres, alguns proprietários ou comerciantes que, atingidos pela seca, buscavam um novo começo. E assim como também ocorreu com algumas famílias de imigrantes estrangeiros, também houve "imigração indireta": primeiramente estabelecidos em outras localidades, mais tarde vieram assentar-se na região do Itabapoana. Não encontrei (ao menos, ainda) dados específicos sobre a quantidade de cearenses que se estabeleceram na região do vale do Itabapoana, mas, relativamente, foi um número significativo. Todo o vale do Itabapoana, retirando-se apenas a região de Veado (Guaçuí atual), pouco passava dos seis mil habitantes em 1878.

Alguns se tornaram importantes. Em São José do Calçado, por exemplo, radicou-se o cearense Carlos Mourão. Integrou-se à sociedade local, e casou-se com Amélia Teixeira Nunes, filha do coronel Juca Nunes e neta do coronel Antônio Teixeira Siqueira, ambos fazendeiros na região. Desse enlace, nasceu Abner Carlos Mourão, que foi importante jornalista e político capixaba.

Em São Pedro do Itabapoana, estabeleceram-se várias famílias. Ferreira da Costa, Cavalcanti, Aguiar, Feitosa, Gimenes, Sabino, dentre outras, são exemplos de famílias que chegaram em migração direta. A família Cysne, estabelecida mais tarde no distrito de Mimoso, é exemplo de cearenses que chegaram em migração indireta, vindos do Estado do Rio de Janeiro, onde primeiro se estabeleceram.  A maioria dos cearenses que se radicaram na região de São Pedro do Itabapoana era proveniente de Sobral e circunvizinhanças, no Ceará.


"MEUS" CEARENSES

E, como não poderia deixar de ser, reiterando com humor que "o BLOG é MEU", deixei para falar de ascendentes meus nessa parte final. Pois, sim, como "legítimo descendente" dos colonizadores do sul do Estado do Espírito Santo, além de fluminenses do vale do Paraíba e de mineiros da zona da mata, com pitadas de portugueses e uma cereja pury, também sou descendente de cearenses. Serve como exemplo para demonstrar que muita gente que tem família antiga no Itabapoana e nos dois Muqui's pode ter ascendentes cearenses; basta procurar, bem procurado...

De minha parte, minha descendência vem da avó paterna de meu pai, Gervizina Ferreira Cavalcanti (dona Gerviz), casada com meu bisavô Abdenago França (seu Bené). Filho deles foi o meu avô paterno, Gerson Cavalcanti França. Gervizina nasceu em Sobral, no Ceará, filha de Miguel Themístocles Ferreira Cavalcanti e de Amélia Olindina Ferreira da Costa, ambos naturais também de Sobral. Miguel, nascido em 06 de janeiro de 1850, foi proprietário de terras no interior do Ceará. Emigrou com sua família para São Pedro do Itabapoana em 1883, depois da grande seca que assolou sua terra. Faleceu em São Pedro em 16 de março de 1896. Junto vieram outros aparentados, como José Ferreira da Costa e Petronilho Gimenes.

Minha ex-companheira também é descendente de cearenses. O bisavô dela, de nome José Nicodemos Cysne, filho de Joaquim Guilhermino Maria da Costa Cysne e de Maria da Penha Vasconcellos e natural de Santana do Acaraú (próximo a Sobral), também emigrou do Ceará com alguns de seus irmãos. Seu pai Guilhermino foi deputado, jornalista e professor, e proprietário de uma fazenda chamada Jaburú. Migração "tardia", já no século XX. Primeiramente esteve radicado no Estado do Rio de Janeiro, fixando residência depois em Mimoso, então distrito de São Pedro do Itabapoana, na década de 1920. Foi médico e farmacêutico, e proprietário da grande fazenda Belmonte, comprada de José Ribeiro Monteiro da Silva.

Gerson Moraes França
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Fontes:

Província do Espírito Santo
1879 - Basílio Carvalho Daemon

Migração e mão-de-obra: retirantes cearenses na economia cafeeira do Centro-Sul (1877-1901)
2006 - Paulo Cesar Gonçalves
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Violeiros do Norte
1982 - Leonardo Mota

Relatórios dos Presidentes da Província do Espírito Santo - 1878

Projeto Imigrantes - Arquivo Público do Estado do Espírito Santo
Disponível em Estatísticas (informações do número de imigrantes estrangeiros)

Arquivo pessoal de pesquisas

domingo, 13 de fevereiro de 2011

A Trajetória de um Telegrama

O presente post não é uma continuação do anterior, mas serve como complementação. Pode ser lido separadamente, embora seja interessante ler, antes, o post intitulado de "A Proclamação da República em São Pedro do Itabapoana".

Não cabe aqui traçar todas as marchas e detalhes da Proclamação da República, acontecidos no Rio de Janeiro. A queda do Gabinete Ouro Preto, a adesão de Deodoro à causa republicana e a consequente queda da Monarquia, são assunto vastamente estudado e divulgado. Basta o leitor, se quiser, googlar para se enriquecer de informações mais pormenorizadas. Vamos ficar adstritos ao tema em questão, que é a chegada da notícia em São Pedro do Itabapoana, através daquele lacônico telegrama retratado no post supra aludido. Aqui acompanharemos a trajetória de alguns telegramas que, em ligação direta uns com os outros, vão terminar naquele telegrama que chegou em São Pedro.


TOMA-SE DE ASSALTO OS TELÉGRAFOS

No início da manhã do dia 15 de novembro de 1889, quando a real dimensão dos acontecimentos no Rio de Janeiro ainda era um tanto incerta, e durante a marcha das tropas do Campo de Santana ao Arsenal da Marinha, Quintino Bocaiuva sugeriu, e Deodoro ordenou, que o Tenente da Armada José Augusto Vinhaes, que os acompanhava, se dirigisse até a Repartição Geral dos Telégrafos e a tomasse para os republicanos.

O Tenente Vinhaes reuniu um pelotão e para lá se dirigiu. Ao chegar no edifício dos Telégrafos, Vinhaes intimou o Barão de Capanema, então Diretor da Repartição, que a entregasse. O Barão recusou, e disse que só deixaria o cargo pela força, ou mediante uma ordem escrita por parte do Governo. Informado da situação, Deodoro deu a ordem escrita, em nome do Governo Provisório, que foi entregue ao Barão de Capanema pelo próprio Tenente Vinhaes. Capanema, então, deixou a Repartição que havia dirigido por mais de trinta anos.

E às dez horas da manhã do dia 15 de novembro, o Tenente Vinhaes ocupou a Repartição Geral dos Telégrafos. Inicialmente, Vinhaes cortou as comunicações da Capital do Império com as Províncias; mais tarde, na medida que a Proclamação da República se sedimentava como fato consumado, começou à divulgar notas dos acontecimentos à todo o país. O Tenente Vinhaes, que depois seria nomeado efetivamente Diretor dos Telégrafos por Deodoro, telegrafou a todas as Províncias e principais localidades do país, dando a nova de que a República estava proclamada. Foi ele e o telégrafo que levaram, grosso modo, a República para fora do Rio de Janeiro. Em alguns lugares os republicanos, ao receberem a notícia, desalojavam sem maiores custos as autoridades locais; em outros, oficiais do Exército mantinham a ordem até que o novo Governo determinasse as providências à serem tomadas.

Este último foi o caso do Espírito Santo, onde pela tarde do dia 15 de novembro começaram a chegar as primeiras notícias do que se passava no Rio de Janeiro, e onde os militares da Guarnição da capital Vitória mantiveram a ordem até que Afonso Cláudio, designado Governador do Estado no dia 16 de novembro pelo Governo Provisório, tomasse posse do cargo no dia 20 do mesmo mês.


A REPÚBLICA CHEGA EM CAMPOS

Às seis e meia da tarde do dia 15 de novembro de 1889 chega na Estação Telegráfica da cidade de Campos, no norte da então Província do Rio de Janeiro, o telegrama procedente da Capital da agora República informando acerca dos acontecimentos. Assim estava redigida, precedida do intróito do chefe da estação:

"Circular que recebeu esta estação para dar publicidade:
Povo, Exército, Armada vão installar Governo Provisório, que consultará Nação convocação Constituinte. Acclamações gerais República. Vinhaes."

Deixemos, agora, a narração do que se passou em Campos à cargo de uma testemunha que presenciou os fatos e os eternizou em seus escritos, o Sr Julio Feydit:

"Às 9 1/2 da noite, grande massa de povo dirigio-se ao Paço, e ahi foi feita uma reunião sob a presidência do Dr. Antonio Francisco Ribeiro, servindo de Secretario o Dr. Candido de Lacerda . A reunião teve por fim destituir as auctoridades e formar um Concelho Administrativo, sendo acclamados os Drs. Antonio Francisco Ribeiro, Pedro Tavares e Nilo Peçanha, os quaes dirigiram ao povo as seguintes proclamações:
« Cidadãos! Perante a justiça eterna dos Povos, e condemnada pelos seus desatinos e pelos seus crimes durante tanto tempo commetidos contra o direito e a liberdade da Nação, acaba se ruir por terra a Monarchia, origem de nosso males, causa do nosso atraso e pobresa, opprobio da America livre!
Está proclamada a Republica no Brazil ! Uma nova éra de paz, de ordem, de justiça e de progresso começa para a nossa Patria, já agora segura de seus gloriosos destinos!
Cidadãos! Vós constituintes, na vossa soberania, o Governo Provisorio desta cidade e município, e elle conta com a vossa autoridade ea vossa força para a manutenção da paz e tranquilidade geral. Viva a Nação Brasileira! Viva a America livre! Viva o povo campista!
Campos, 15 de Novembro, de 1889.
Cidadãos! A manutenção da ordem pública é a primeira necessidade social e o primeiro dever de um governo regularmente constituído. O Governo Provisorio no intuito de tornar effectiva essa obrigação, que lhe assiste, e não querendo lançar mão dos dinheiros publicos sob a guarda dos empregados responsaveis, convida a todos os habitantes a concorrer com donativos pecuniarios para a organização de uma guarda civica destinada a manter inalteravel a paz e a tranquilidade nesta heroica cidade. A subscrição fica aberta na Colletoria Provincial.
Campos, 15 de Novembro de 1889".
O movimento republicano em Campos era bem atuante e articulado. Data de 1876 o início da propaganda republicana na cidade, mas o Clube Republicano local só foi fundado anos depois, em uma grande reunião realizada no dia 20 de setembro de 1885. Nilo Peçanha era o republicano campista responsável pela ligação entre o Clube Republicano local e os Clubes Republicanos de São Pedro do Itabapoana, Conceição do Muqui e São José do Calçado, estes últimos todos distritos do Município de Cachoeiro do Itapemirim.

Já como autoridade republicana constituída é que o Dr Nilo Peçanha, na manhã do dia seguinte à proclamação do Governo Provisório em Campos, vai até a estação telegráfica da cidade e despacha o comunicado da Proclamação da República aos Clubes Republicanos sediados nos povoados das vertentes espírito-santenses do Itabapoana.


DE SANTO EDUARDO ATÉ SÃO PEDRO

Foi às seis horas da manhã do dia 16 de novembro de 1889 que o telegrama despachado por Nilo Peçanha chegou na estação telegráfica de Santo Eduardo, povoado no extremo norte do Município de Campos, às beiras do rio Itabapoana. Santo Eduardo era a ponta dos trilhos da estrada de ferro Leopoldina, e também o final das linhas telegráficas que seguiam pelo interior. Dali em diante, só mesmo à cavalo. O povoado de São Pedro não possuía telégrafo, mas possuía agência do correio.

A agente do telégrafo, então, entregou o telegrama ao agente do correio, e este correu ao arraial de Ponte de Santo Eduardo, atualmente Ponte do Itabapoana, entregando o telegrama nas mãos do agente do correio local. Este, sem demora e considerando a urgência da informação, entregou o telegrama ao estafeta, que deixou seus malotes postais para trás e rumou, à galope, para São Pedro. Esse estafeta chamava-se Olympio Christiano da Silva.

Em duas horas, o estafeta Olympio chegou ao seu destino e entregou a correspondência ao agente local do Correio, Manoel Martins Coelho do Nascimento. Este, prontamente, dirigiu-se à residência do jovem médico José Coelho dos Santos, que ficava na parte baixa do povoado. Era sua residência que servia de sede ao Clube Republicano São Pedro de Alcântara, onde exercia a função de 2º Secretário. Assim, o primeiro sãopedrense a ler o teor do telegrama despachado pelo Dr. Nilo Peçanha foi o Dr. José Coelho dos Santos. E coube à ele comunicar o fato ao povo sãopedrense, bem como aos membros da direção do Clube Republicano local.

O Presidente do Clube Republicano sãopedrense, Augusto Cesário de Figueiredo Côrtes, bem como seu 1º Secretário, José Carlos de Azevedo Lima, grandes fazendeiros, não estavam presentes no povoado naquele dia 16 de novembro. Estavam em suas propriedades, pois residiam nos grandes casarões que serviam de sede de suas fazendas. Assim, naquele dia, o Vice-presidente do Clube Republicano, Dr. Carlos Augusto May, assumiu a condição de Presidente, e o Dr. José Coelho dos Santos assumiu a 1ª Secretaria. Estes delegaram ao Dr. Olegário Ribeiro da Silva a presidência dos festejos que seriam realizados dias depois, quando todos os republicanos sãopedrenses estariam reunidos em traje de gala para uma reunião solene. Em ato cortês, Augusto Cesário e Jose Carlos não reassumiram as suas funções, deixando os discursos do dia 20 de novembro à cargo dos doutores Carlos Augusto e José Coelho.

Quanto ao estafeta Olympio: logo depois de entregar o telegrama, partiu novamente, agora rumo à Conceição do Muqui, onde chegou antes do meio dia. Lá entregou o telegrama direcionado ao Clube Republicano Saldanha Marinho, pousou e participou dos festejos locais. Quando o portador do recado da Proclamação da República chegou em Conceição pela tarde, vindo de Cachoeiro do Itapemirim e sob delegação da Câmara Municipal, a notícia já era conhecida naquela Paróquia. Restou ao mesmo aproveitar o baile de comemoração.


E NA SEDE MUNICIPAL, CACHOEIRO

Na sede do Município, em Cachoeiro do Itapemirim, a notícia chegou via telégrafo, vinda de Vitória, também na manhã do dia 16 de novembro. Houve festejo com a banda Euterpe cachoeirense e queima de fogos. A Câmara Municipal logo se apressou em aderir ao novo regime, prestando solidariedade e telegrafando ao novo Governador republicano Afonso Cláudio.

Por fim, mudando um pouco o foco, mas aproveitando a oportunidade, e a título de curiosidade: um dos integrantes da Câmara Municipal cachoeirense era o coronel Nominato Ferreira da Silva, parente de Antão Ferreira da Silva, este então proprietário da fazenda Mimoso. Também grande proprietário de terras, o coronel Nominato era o representante sãopedrense na Câmara cachoeirense. Em 08 de fevereiro de 1890, pouco mais de dois meses depois de proclamada a República, a Câmara Municipal de Cachoeiro foi fechada pelo Governo estadual, e substituída pelo Conselho de Intendência; o coronel Nominato foi afastado da vereança. Chegou a ser intimado pela Intendência, para prestar esclarecimentos acerca da nomeação de um funcionário que dera um desfalque na Câmara quando da realização dos serviços de iluminação pública na sede municipal, coisa ainda da época do Império. Nada ficou provado contra ele, embora o funcionário tenha sido culpabilizado.

Voltaria à exercer função equivalente meses depois, em 04 de agosto de 1890, quando a política local "virou" e o Governador exonerou os antigos membros e nomeou novos integrantes para o Conselho de Intendência cachoeirense. Em 20 de novembro do mesmo ano, o coronel Nominato estaria presente na instalação do Município de São Pedro do Itabapoana. Exerceria o cargo de Intendente do Conselho cachoeirense até o dia 18 de março de 1891, quando o novo Governador Antônio Aguirre destituiu e nomeou novos intendentes para Cachoeiro, em nova "virada" política no Estado.

Gerson Moraes França

quarta-feira, 26 de janeiro de 2011

A Proclamação da República em São Pedro do Itabapoana

O 15 de novembro chegou no dia 16, e foi festejado no dia 20


Leitor, o título do presente post pode não ser muito apropriado. Não houve proclamação de república alguma em São Pedro do Itabapoana. Escrevo aqui sobre a Proclamação da República no Brasil, e como foi que esse fato se passou naquela povoação. Acredito que o leitor certamente entendeu o título mas, pelo sim, pelo não, entendi por bem iniciar com esse intróito elucidativo.

São Pedro do Itabapoana, em novembro de 1889, era ainda uma Freguesia do Município de Cachoeiro do Itapemirim. Apesar de haver uma Lei  datada de 1887, criando o Município  de São Pedro e separando as vertentes do Itabapoana das do Itapemirim, não havia ocorrido a instalação do nova municipalidade. Isso porque a legislação imperial e provincial exigiam que, para haver a instalação do Município, era necessário, antes, que o povo local levantasse o Paço da Câmara, em subscrição corrida na Paróquia. Assim, dois anos depois da Lei que criara o ente municipal e apesar da prosperidade local, por não haver ainda sido concluída a edificação que serviria de câmara, São Pedro do Itabapoana seguia como parte do Município de Cachoeiro do Itapemirim.


PROCLAMA-SE A REPÚBLICA NO BRASIL ...

Aristides Lobo, em carta escrita na tarde do dia 15 de novembro, publicada em forma de artigo no dia 18 no jornal carioca "Diário Popular", assim diz em certo trecho, quando faz referência ao golpe cívico-militar que derrubou a Monarquia:
"O povo assistiu àquilo bestializado, atônito, surpreso, sem conhecer o que significava".

Em São Pedro do Itabapoana, também, não houve manifestação popular alguma. Manifestação popular maior aconteceu em setembro de 1888, por engano, quando o campista Nilo Peçanha esteve em São Pedro para fazer uma conferência sobre a forma republicana de governo; na ocasião, os negros supuseram que a reunião se tratasse do retorno da escravidão, e criaram um "ligeiro incidente" que fez a sessão "correr apreensiva", segundo as palavras de Grinalson Medina em sua obra. Desfeita a confusão, os negros voltaram à suas pacatas e suadas vidas de jornadas e serviços. Os mesmos negros que, pouco mais de um ano depois, iriam se refestelar com o banquete público - rega bofe, no coloquial da época - promovido pelo Clube Republicano sãopedrense em comemoração ao advento da República.

Houve, sim, e é claro, comemorações por parte da elite sãopedrense que havia aderido ao movimento republicano pouco mais de um ano antes de 1889. Os dois Clubes Republicanos da Freguesia de São Pedro do Alcântara foram fundados em agosto de 1888, um na Paróquia de São Pedro, então sede da Freguesia, e outro na Paróquia de Conceição do Muqui, que havia sido sede da mesma Freguesia até o ano de 1880. A maioria dos grandes proprietários que aderiram ao republicanismo o fizeram somente após a abolição da escravatura, em maio de 1888.

Mas, mesmo assim, o ideal republicano já estava penetrando, e bem penetrado, nas mentes de muitos dos locais, e isso antes mesmo da Lei Áurea. Em abril de 1888, por exemplo, e antes da abolição da escravatura - destaque-se -, houve eleição para deputado geral. Na Freguesia de São Pedro de Alcântara houve "perturbação da ordem pública", no jargão de então, e o Presidente da Província teve que nomear um Sub-delegado e remeter um destacamento de três praças para "auxiliar as autoridades policiais na manutenção da ordem pública, principalmente na sede do distrito, que de certo tempo em diante tem sido alterada". Mas, mesmo com a "pressão das autoridades", na Paróquia de Conceição de Muqui o republicano e cachoeirense Bernardo Horta venceu o seu rival monarquista do Partido Conservador, Costa Pereira, embora por pequena diferença. Em São Pedro, Costa Pereira foi vitorioso por ampla margem de votos - "livre e expontânea pressão das autoridades policiais na sede do distrito?".


... E A NOTÍCIA CHEGA EM SÃO PEDRO

Assim está no livro de Grinalson Medina, na página 26, acerca da chegada da notícia da Proclamação da República em São Pedro do Itabapoana:
"Em 16 de novembro de 1889, às 8 horas da manhã, chegou à freguesia, via S. Eduardo, o seguinte telegrama: Presidentes Clubes Republicanos, S. Pedro de Alcântara e Saldanha Marinho, S. Pedro do Itabapoana e Conceição do Muqui. Espírito Santo. REPÚBLICA PROCLAMADA. Abraços - Nilo Peçanha".

No mesmo dia, ainda pela manhã, a notícia chegou em Conceição do Muqui. O Clube Republicano local se reuniu e apressou-se em organizar diversos festejos, com grande baile improvisado na noite daquele dia 16 de novembro. Em São Pedro, o Clube Republicano também se reuniu, marcando e organizando uma reunião solene e um banquete público para o dia 20 de novembro. Nesse dia, os festejos foram realizados sob a presidência do médico Olegário Ribeiro da Silva, genro do fazendeiro Olimpio Ribeiro de Castro, discursando os médicos José Coelho dos Santos e Carlos Augusto May. Eram os médicos sãopedrenses "remediando, com a república, os males da monarquia" em seus discursos.

Exatamente um ano depois, em 20 de novembro de 1890, seria finalmente instalado o Município de São Pedro do Itabapoana, e o povoado seria elevado à condição de Vila. Prêmio recebido pelas mãos das novas autoridades republicanas estaduais, que mantiveram vigente a Lei provincial de 1887 que criou o Município, mas fizeram vista grossa ao dispositivo que obrigava a instalação à edificação do prédio da Câmara. Por sinal, o prédio da Câmara só seria inaugurado em 15 de dezembro de de 1896, seis anos após a instalação da municipalidade, e quando a Vila já até tinha foros de Cidade.

No ato da instalação, foram empossados os membros do Conselho de Intendência, nova denominação das Câmaras, cujo Presidente exercia também o poder executivo municipal. Eram cinco os Intendentes, sendo nomeados três republicanos de São Pedro do Itabapoana (Olegário Ribeiro da Silva, designado também Presidente, José Coelho dos Santos e Silvério Francisco Medina) e dois republicanos de Conceição do Muqui (Domingos José de Almeida e Antônio Batista Sobrinho).


Pronto. Foi aqui explanado um pouco sobre o Movimento Republicano e a Proclamação da República em São Pedro do Itabapoana, bem como um pouquinho mais em seu desdobramento. Para quem chegou até aqui e já está satisfeito, o assunto se encerra. Mas, caro leitor que ainda contua a ler essas linhas, que tal algo mais? Tão lacônico o telegrama que comunicou aos sãopedrenses a queda da Monarquia e o advento da República, não concordam? A República chegou em São Pedro, assim, por telegrama insosso. Não estou satisfeito; falta algo. Ocorre que o presente post já está longo. Então, esse "algo mais" virá no próximo post, cujo título é "A Trajetória de um Telegrama".


Gerson Moraes França

De treze em treze ?

Tentei; juro que tentei. A intenção era publicar ao menos alguma coisa, qualquer coisa, de dois em dois, ou de três em três dias. Mas, n'um BLOG assim, tão sem compromisso, tão inorgânico, aonde quero manter um certo nível de "simplicidade na complexidade" (ou, como queiram, "complexidade na simplicidade"), sem obrigações mais que as de minhas inspirações e vontades, permitindo-me ser prolixo e massante, não tem como.
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Coincidência ou não, o post anterior está datado do dia 13 de janeiro. E hoje, 13 dias depois, dia 26 de janeiro, cá estou eu dedilhando o teclado. Só notei esse fato quando comecei à escrever a matéria que publicarei ainda hoje; e fui impelido à interrompê-la, para escrever o presente post. Será que o máximo de regularidade que consigo para o BLOG é essa "trezenária"? E logo o número 13, tão carregado de preconceitos de ordem "superticional"?
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Curioso com o que reza a numerologia, resolvi apear-me de qualquer sentimento de receio, pesquisando no Google. E fiquei mais calmo. Afinal, o número 13, de acordo a numeróloga Norma Estrella, é um algarismo injustiçado. O 13 representa a transformação. A morte da matéria e o nascimento do espírito. A ressurreição. Representa um momento, e não um processo. É o ponto entre o antes e o depois. Não representa a morte ou o azar. E Zagallo já sabia disso, para a felicidade (sorte?) de nosso tetra-campeonato. Número primo, número de Fibonacci, número dos primeiros Estados norte-americanos que assinaram a independência dos Estados Unidos e a Declaração dos Direitos do Homem.
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Curioso é que a matéria histórica que estou escrevendo para o BLOG, a qual interrompi para escrever essas linhas, é sobre um momento de transformação. Transformação política, com a mudança de regime de Império para República, e como esse fato passou-se em São Pedro de Itabapoana. Matéria que também será publicada na seção de colunas do site www.mimosoonline.com.br pois, no intervalo desses últimos 13 dias, fui convidado para ser um dos colunistas do portal.
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Gerson Moraes França

quinta-feira, 13 de janeiro de 2011

Feliz Ano de 2011 !

Dizem os entendedores do mundo dos blog's que o ideal é atualizar o mesmo quase todos os dias, com novas matérias, comentários, ou mesmo pequenas citações. O último post que aqui coloquei data do dia 26 de novembro do ano passado; lá se vai um mês e duas semanas.

Idéias, tenho todos os dias. Mas como colocá-las aqui, n'um blog com o formato de adotei? Afinal, para quem acompanha, fica bem claro que meus post's são quase sempre grandes; alguns até bem aprofundados. Como colocar aqui, todos os dias, ao menos uma pequena citação qualquer, sem desvirtuar o estilo que escolhi?

Bom, vamos tentar. Aqui vai, inclusive, o primeiro post do ano corrente, para inaugurar essa (possível, mas não provável) nova era:

FELIZ ANO NOVO !

Gerson Moraes França