sexta-feira, 30 de abril de 2010

FOTO ANTIGA DE MIMOSO

Assim que der, aqui colocaremos a foto panorâmica mais antiga de Mimoso, pelo menos de que se tem notícia até o presente dia. Ato contínuo, escreveremos um pouco sobre aquela Mimoso antiga, e sobre a história das "peripécias" que fiz para conseguir ter acesso ao original.

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Mudanças no BLOG

Nesse final de semana irei executar mudanças no formato do BLOG. Tempos atrás mencionei que iria deixá-lo com mais fácil navegação e visualização; vamos ver se faço isso logo.

terça-feira, 27 de abril de 2010

Gírias mimosenses - Tampa, cabrunco!

Comecei a frequentar Mimoso do Sul no ano de 1989, pouco depois que fui morar com meu pai e sua nova companheira; meus pais haviam se separado em 1987, salvo engano. Como eu já disse em outro post, o novo sogro de meu pai residia em Mimoso, e comecei a passar as férias de julho por lá.

Logo fiz muitos amigos em Mimoso; algumas expressões e gírias que as pessoas falavam me chamaram a atenção, pois eram novas para mim. Palavras como cabrunco (com sentido de coisa ruim) e tampa (com sentido de arremessar), bem como expressões como é ruim, hein! (com sentido de negação) e ê vem (corruptela de "lá vem"); eu nunca as havia escutado em Vitória, onde nasci e cresci.

Lembro que certa vez estávamos jogando "cinco corta" no começo da "rua da pratinha", sentido praça - estrada da "gurita" (corruptela de guarita), quando passou um carro e eu peguei a bola de vôlei. Logo uma das meninas disse para mim:
- Tampa!
Diante de minha inércia, pois para mim tampa era aquilo que fecha uma garrafa ou um bueiro, um dos garotos falou mais alto:
- Tampa, cabrunco!!
Subentendi que era para jogar a bola, e assim o fiz. Logo depois uma das meninas, vendo um dos garotos que foi buscar a bola que haviam "isolado", disse:
- Ê vem! Ê vem ele! Tampa pra mim!
No que ele respondeu:
- É ruim, hein! (ruim com sílaba tônica no ru, pronunciando-se "rúim").

Tantas informações novas, numa mesma brincadeira, me deixaram confuso naquela hora; mas logo aprendemos o significado dessas gírias, embora só o "cabrunco" e o "é ruim, hein!" tenham se incorporado ao meu vocabulário coloquial, embora muito ocasionalmente.

A pouco tempo, curioso, resolvi pesquisar um pouco sobre a origem dessas gírias e expressões. Eram surgidas em Mimoso? Originárias de Mimoso ou não, quais as suas origens?

A expressão ê vem, embora bem enraizada entre o povo mimosense, é de origem bem antiga. Foi, realmente, uma corruptela do "lá vem" e do "aí vem", surgida entre os escravos negros. Está bem espalhada no vocabulário de diversos Estados, sendo muito forte no Estado do Rio de Janeiro, de onde procederam a maioria dos negros escravos que viviam no atual Município de Mimoso do Sul.

A expressão é ruim, hein! é bem mais moderna, embora também seja originária do Rio de Janeiro. Gíria de origem urbana, foi trazida para Mimoso, principalmente, por estudantes mimosenses que estudavam no Rio. Mas também se enraizou no vocabulário de muitos mimosenses que, na onda da grande corrente migratória da época da erradicação dos cafezais, passou a habitar o Rio de Janeiro. Como boa parte desses emigrantes manteve laços de parentesco em Mimoso, traziam essa nova expressão.

A palavra cabrunco é de origem nordestina. É corruptela de carbúnculo, que é uma doença que hoje é conhecida como antraz. Ainda no Nordeste, o significado da palavra passou a ser tanto de coisa qualquer - treco, mas também caracterizou-se com significado ofensivo, um xingamento. No final do século XIX, muitos cearenses acossados pelas secas emigraram e vieram morar nas terras de São Pedro do Itabapoana. Foram eles quem trouxeram para cá a gíria cabrunco, embora com o tempo a palavra tenha passado por nova mudança de entendimento, sedimentando-se o tom ofensivo, embora continuasse a ser também empregada como coisa - treco. A gíria cabrunco é muito falada na região do médio Itabapoana e nos arredores de Campos dos Goitacases. É tanto substantivo (coisa), quanto interjeição (sentimento de raiva ou frustração). Tomou também o significado de capeta - demônio, sempre mantendo o tom ofensivo.

Por fim, a palavra tampa, com significado de joga - arremessa, parece ser genuinamente mimosense. Não encontrei, pelo menos até hoje, exemplo algum da origem dessa palavra (com esse sentido). Ao que parece, ela não tem esse significado à não ser em Mimoso e seus arredores mais próximos. Mas é apenas hipótese, carecendo ainda de mais fontes. Como tal, originou um verbo (tampar), com todas as suas conjugações em todos os tempos (eu tampo, ele tampou, etc).


Gerson Moraes França
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EDIT
(24/06/2010)
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"Tantas informações novas, numa mesma brincadeira, me deixaram confuso naquela hora; mas logo aprendemos o significado dessas gírias, embora só o "cabrunco" e o "é ruim, hein!" tenham se incorporado ao meu vocabulário coloquial, embora muito ocasionalmente." (grifo nosso)
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Tenho que modificar o que acima escrevi. Na verdade, o "cabrunco" não é tão ocasional assim. Já me peguei bradando o termo por várias vezes depois que aqui coloquei o post. Basta uma topada na mesa ou com o dedão, um tropeço no meio da rua, uma escorregada na área de serviço para sair, inconsciente e inexoravelmente, o citado termo. Normalmente, comigo ao menos, precedido da palavra "porra".
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-Porra, cabrunco!

quinta-feira, 22 de abril de 2010

21 de abril - morte de Tancredo

Sim, eu sei. O feriado do dia 21 de abril é em homenagem ao mártir da Inconfidência Mineira, Tiradentes. Mas é também a data em que faleceu o primeiro Presidente civil eleito do país, mesmo que por via indireta, desde o movimento de março de 1964. Tancredo Neves morreu no dia 21 de abril de 1985, há 25 anos.

[abrindo um adendo, não vou escrever nem "revolução de 1964", nem "golpe militar de 1964"; como cada qual tem suas posições acerca do que foi o movimento de 1964, vamos tratá-lo assim - movimento -, e quem quiser leia essa palavra como revolução ou como golpe, conforme queiram e entendam]


1984

Todos nós estamos inseridos na história. Todos nós participamos dela, seja como espectadores ou como protagonistas. Nós somos e fazemos a história - estamos nela e participamos dela. E, sem ter muita noção do que se passava, acabei presenciando um acontecimento histórico importante.

Aquela quinta-feira, dia 15 de novembro de 1984, era feriado da proclamação da República. Eu tinha apenas nove anos de idade. Estudava no Colégio Nacional Júnior, que até hoje fica na mesma localidade na Praia do Canto. No dia anterior, tínhamos participado de um desfile pela escola, com bandeiras do Brasil e uniforme do colégio, todos enfeitados com uns papéis molengos verdes que cruzavam nossas camisas. Rodamos várias ruas do bairro, numa festa só, cantando o Hino Nacional e outras músicas que exaltavam a nação - sabíamos elas de cor. Na época sempre tínhamos, em dias determinados, aquelas formações que se faziam na quadra para cantar o hino e hastear a bandeira. Não me lembro se ainda ensinavam educação moral e cívica, mas acho que sim.

"Esponja da mídia", era eu fã do Balão Mágico, embora também assistisse a Xuxa, num programa que se chamava Clube da Criança e passava na rede Manchete. Adorava o Bozo e aquele joguinho de batalha naval, e também sempre acompanhava um programa local do Milson Henriques, que ensinava a desenhar - cheguei a ir no programa, pois eu desenhava bem para a idade. Naquela época, só pegavam, aqui em Vitória, a Globo (Gazeta), a TVS (SBT) e o "canal 2" (TV Educativa); a Manchete era nova, e tinha começado à transmitir por aqui naquele ano de 1984.

Mas eu também via os jornais, como o Jornal Nacional; na época só tínhamos uma televisão, e quando meu pai estava vendo os noticiários, eu acabava sendo obrigado a ver também. Mas eu até gostava. E as novelas. Naquele ano também começou a passar Supercine, com filmes inéditos na TV, todo sábado; mas, para mim, aqueles filmes começavam tão tarde!

Vendo os jornais, acabava eu, por "osmose", assimilando algumas das coisas que aconteciam. Mas não me interessava muito não. Desde que me conhecia por gente o nosso Presidente era o General Figueiredo, que eu achava que tinha uma cara de mau. Era também a época do conflito Irã-Iraque, que era uma guerra que não acabava nunca - todo dia passava alguma coisa sobre esse conflito.

1984 foi, também, a época das Diretas Já. Eu não me lembro de ter passado muita coisa sobre as Diretas na televisão (hoje, sei que a Globo só "aderiu" quando as Diretas tinham, definitivamente, ganhado as ruas). Mas, depois disso, todos os brasileirinhos passaram a adorar uma figura, que representava uma espécie de "salvador", e que devolveria a democracia ao país (seja lá o que isso fosse!). Era Tancredo Neves, que eu achava que tinha uma cara de velhinho do bem. O adversário dele era o capeta, o verdadeiro anti-Cristo; incrível analisar, hoje, como conseguiram inserir na cabeça dos brasileiros tamanha aversão, que até beirava o ódio. Era Paulo Maluf, que eu achava que tinha cara de inimigo, ainda mais com aqueles óculos pretos que ele usava.


15 de novembro de 1984

Enfim, voltemos ao início. Feriado da proclamação da República, quinta-feira. Acordava cedo, mesmo estudando à tarde. Sempre aproveitava a manhã para "descer" e brincar com os amiguinhos, quando não ficava vendo desenhos na televisão. Naquele dia, uma coisa diferente havia acontecido. No dia anterior o asfalto da rua em frente à janela do quarto estava como sempre foi, sem nenhuma "pintura"; e, na manhã do dia 15, a rua estava toda pintadinha, com as faixas e sinalizações todas pintadas em branco ou amarelo. Fizeram tudo durante a noite.

Não me lembro se pela manhã, ou pela tarde, mas em determinada hora começaram a passar, na rua em frente à janela do quarto, vários e vários carros enfileirados; alguns deles com aquelas placas pretas. Junto com meus amigos, não sei como, ficamos sabendo que o Tancredo estava em Vitória, e que iria participar de um evento no Hotel Senac, hoje chamado Hotel Ilha do Boi.

[Novo adendo: de tempos em tempos eu e meus amigos íamos ao Hotel para pegar autógrafos de pessoas famosas, fossem jogadores de futebol, apresentadores de TV, atores, cantores. Ficávamos sabendo que alguém famoso estava lá hospedado, e corríamos com nossos caderninhos. Em alguns anos de "atividade", consegui pegar autógrafos do Roberto Carlos, da Xuxa, de todos os meninos do Balão Mágico, da Cláudia Raia, do Evandro Mesquita (Blitz, documentos!), do Júnior que jogava no Flamengo, e até do Cid Moreira!! De outros não me lembro mais. Esse caderninho com os autógrafos, assim como minhas revistas do Asterix e do Timtim, e a minha coleção de notas e moedas, foram todas parar na "roça" quando nos mudamos para Mimoso do Sul em 1991. Certamente foi destruído com o tempo, ante a ação da umidade e das traças.]

Assim, saímos nós, subindo o ladeirão que leva ao então Hotel Senac, e adentramos sem embargo no salão onde estavam reunidas várias pessoas, quase todas de terno e gravata. Entrei pela porta, passei pelo meio de vários "adultos", e fui parar pertinho da mesa onde estava discursando o Tancredo Neves. Interessante é que ninguém nos barrava. Ver a Xuxa, o que fiz anos depois, foi bem mais difícil do que ver o Tancredo. Lembro que perto do Tancredo estava o Gerson Camata, que era o Governador do Estado. Eu adorava o Camata, pois meu falecido avô materno, Octacílio Moraes, tinha veneração e paixão por ele - tinha até fotos dele em Muqui, onde moravam meus avós maternos.

Não me lembro se Tancredo falava ao microfone. Lembro que precisávamos fazer esforço para escutar o que ele falava, e o pouco de burburinho que surgia vez por outra atrapalhava. De toda forma, eu nem prestava atenção no que ele transmitia; só prestava atenção nele falando. Lembro-me até hoje da voz dele. Depois que ele terminou de discursar, outras pessoas tomaram a palavra, mas aí eu fui para fora do salão. Só queria ver o Tancredo e tentar pegar um autógrafo, o que não consegui fazê-lo; assim que terminaram os falatórios, foram todos embora, e eu nem vi por onde Tancredo passou - deveria estar no meio de um "bolinho" de gente sorridente que saiu do salão pouco depois.



NOVA REPÚBLICA

Sem ter a mínima noção, eu estava presenciando um dos mais importantes momentos da vida e da história política do nosso país. Pois foi naquele evento, que hoje sei que se tratava do Congresso da União Parlamentar Interestadual, que Tancredo Neves lançou o termo Nova República, com o qual seria cognominado o novo regime que surgia com a entrega do poder aos civis e o fim dos governos militares.

Dois meses depois disso, Tancredo foi eleito Presidente da República pelo Colégio Eleitoral, derrotando Paulo Maluf. Lembro-me que essa eleição indireta foi televisionada, e eu vi toda a transmissão. A idéia que eu fazia dessa eleição era que Tancredo venceria - afinal, na minha cabeça era a briga do "bem contra o mal". Acredito que todos os brasileirinhos já consideravam-no como nosso próximo Presidente. Mesmo assim, festejei a vitória do Tancredo como se fosse um título conquistado pelo Clube do coração. E, depois, acompanhei toda a agonia que ele sofreu em sua doença, até culminar em sua morte. Lembro-me do anúncio que noticiou o falecimento do Presidente Tancredo - lembro-me do cortejo fúnebre e, salvo engano, do seu funeral. Passou tudo na televisão, interrompendo por vezes os desenhos e programas que eu gostava de assistir, junto com a cobertura que todos os jornais de TV conferiam aos acontecimentos.


DISCURSO

Como já me referi acima, eu não entendia, e nem prestava atenção, nas palavras proferidas pelo meu "salvador" Tancredo Neves. Eu tinha apenas nove anos de idade. Só admirava aquele homem falando, com aquelas palavras bonitas ou difíceis que às vezes tocavam nossos ouvidos.

Hoje, posso ler e entender aquele discurso histórico, e compreendo a importância daquele momento, simbolicamente, para a história do Brasil. Abaixo seguem alguns trechos do discurso, palavras essas que eu ouvi pessoalmente, embora sem as muito compreender na época.


Gerson Moraes França


Trechos do discurso de Tancredo Neves,
em 15 de novembro de 1984,
Vitória, Espírito Santo,
aonde o mesmo lançou a Nova República:


Minha formação democrática, alicerçada numa vida pública em que nunca faltaram o apoio do povo, o voto direto dos meus concidadãos e a confiança das lideranças políticas e sociais, não foi e jamais será marcada por revanchismos e represálias. Estes são os métodos próprios de governos e governantes temerosos de suas injustiças e de seus excessos de poder".

"A agressividade e o radicalismo não passam de formas de pânico, individuais ou coletivas, situações-limite que, por isso mesmo, não podiam durar e muito menos, ser permanentes”.

Restaurar a democracia é restaurar a República. É edificar a Nova República, missão que estou recebendo do povo e se transformará em realidade pela força não apenas de um político, mas de todos os cidadãos brasileiros”.

De norte a sul do Brasil, estou pregando, em praça pública, a unidade nacional. Prego a concórdia, a construção do futuro, e não me prendo aos pesadelos do passado”.

O povo é a substância da República, como prova a raiz latina da palavra. A República deve, pois, ser o compromisso fundamental do Estado para a solução dos problemas do povo, o atendimento de suas necessidades básicas até de sobrevivência”.

Podem os brasileiros estar seguros de que faremos, com prudência e moderação, as mudanças que a República requer”.


Fonte dos trechos do discurso:
Revista VEJA, 21 de novembro de 1984.

sexta-feira, 2 de abril de 2010

A Saga de Seu Setenta

Em 1998 estive em São Pedro do Itabapoana, para executar minhas pesquisas. Naquela ocasião, além de levar uma máquina para fotografar as edificações, tinha eu mais três "missões": pesquisar documentos no cartório local, e entrevistar duas pessoas: Balbino Miguel Nunes e José de Souza, este último conhecido pelo apelido de "Seu Setenta".

Cheguei em São Pedro pouco antes das onze horas da manhã, e logo tomei conhecimento de que minha pesquisa no cartório teria que ser feita em outro dia: os titulares haviam saído a pouco para Mimoso. Fui, então, até a casa de "Seu Setenta", e o mesmo me atendeu com atenção. Sabedor de que eu queria entrevistá-lo, perguntou se eu era de algum jornal, e se ele receberia algum trocado pela arguição. Diante de minha resposta, informando que eu era apenas um estudante e que não poderia pagar, ele me disse que daria a entrevista, mas somente depois do almoço e de dormir a sesta.

Fui, então, fotografar alguns imóveis antigos e, após, comer um lanche que tinha levado comigo. Depois fiquei esperando sentado diante da Igreja, aproveitando a sombra que a mesma fazia na pequena escadaria lateral, mergulhado em minhas anotações. Por volta das três da tarde apareceu o Balbino, que me convidou para tomar um café em sua casa. Lá comi um delicioso bolo de fubá com um cafezinho feito na hora, enquanto conversava com ele, anotando tudo o que me era relevante. Aproveitei e entrevistei, também, o pai de Balbino, chamado José Miguel de Souza.

Uma hora depois, Balbino seguiu comigo até a casa de "Seu Setenta", que já havia descansado. Iniciei, então, a entrevista; caderninho na mão, anotando tudo, e confrontando a memória do já idoso homem com dados que eu havia colhido para reavivar qualquer esquecimento que o tempo tivesse obrado. Com os dados que eu possuía, pude notar que "Seu Setenta", apesar de umas poucas escorregadas, lembrava muito bem do que viveu em 1930, pois invariavelmente acertava nomes e localidades. Com os relatos dele, junto com os dados de minha pesquisa, pude retratar os acontecimentos daqueles dias.

Casa onde morou José de Souza, o "Seu Setenta", em São Pedro do Itabapoana. O imóvel é tombado pelo Conselho Estadual de Cultura.


José de Souza nasceu em 25 e julho de 1907, e em 1930 residia no então Distrito sãopedrense de Antônio Caetano, que atualmente é a sede do Município de Apiacá. Exercia a atividade na época chamada de chauffeur, que é simplesmente a palavra francesa para "motorista". No início da década de trinta, poucos eram os automóveis existentes no interior; apenas para título de comparação, o próspero Distrito de Mimoso possuía, em 1930, uma "frota" total de dois automóveis e onze caminhões. Assim, o chauffeur era muito requisitado para levar ou buscar pessoas em localidades que fossem ligadas por entradas de rodagem.

No dia 13 de outubro de 1930, José de Souza saiu de Antônio Caetano para prestar um serviço de transporte. Seu destino era Carangola, onde iria pegar dois passageiros a pedido de um comerciante local. Saiu bem cedo, pela estrada de rodagem que ligava Antônio Caetano ao então Distrido calçadense de Bom Jesus - estrada esta inaugurada em 1924. Ainda cedo chegou em Bom Jesus, e atravessou a ponte que ligava esta localidade à Bom Jesus do Itabapoana, então Distrito de Itaperuna, no Estado do Rio de Janeiro. Passou por Itaperuna, Natividade, e antes de terminar a manhã chegou à Porciúncula; agora faltava menos de uma hora para chegar em Carangola, destino da viagem.

Mas em seu caminho havia uma revolução em curso...


Estação ferroviária de Porciúncula ocupada por tropas revolucionárias


Poucas horas antes de José de Souza, o nosso "Seu Setenta", chegar em Porciúncula com o seu "fordeco 29", uma tropa revolucionária vinda de Minas Gerais havia ocupado o povoado. Eram cerca de cem homens, da "companhia motorizada" comandada pelo Tenente Serôa da Motta, então designado Capitão revolucionário pelo "Comando do Setor Leste". Este dia 13 de outubro de 1930 foi o determinado pelo Comando da Revolução em Minas Gerais para a execução do início das invasões dos Estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia e Goiás.

Ao chegar em Porciúncula, José de Souza foi parado por soldados que haviam formado uma barreira na entrada do povoado. Necessitados os revolucionários de meios de transporte, seu Ford foi requisitado pela Revolução. A tropa de Serôa da Motta possuía quatro caminhões, um deles blindado, mas nenhum automóvel...

Temeroso de deixar o automóvel em mãos alheias e, quem sabe, nunca mais ter restituído o seu bem, à José de Souza restou somente uma alternativa: aderiu à Revolução, pois assim poderia ficar na posse de seu veículo. Ficou com a função de chauffeur de seu "fordeco", transportando parte dos comandantes da tropa; e tal decisão foi vantajosa para ambos os lados, considerando que entre os homens de Serôa da Motta, a maioria simples homens do campo, não havia mais pessoas que tinham prática em dirigir.

Ford 1929, chamado de fordinho, ou fordeco no sul do Estado


Nesse mesmo dia 13 uma tropa mineira ocupou Itaperuna no início da tarde, vinda de Muriaé; e à noite avançaram, ocupando Bom Jesus do Itabapoana. No dia seguinte, a tropa de Serôa da Motta deixou Porciúncula para se encontrar com as tropas mineiras que haviam tomado o Município capixaba de Veado, atualmente Guaçuí. José de Souza e seu Ford foram então para Carangola, curiosamente o destino de sua viagem inicial. Mas na conjuntura de então não era mais possível pegar os passageiros que o esperavam...

De Porciúncula até Carangola, José de Souza transportou o Tenente revolucionário Rosental Machado. De Carangola, a tropa de Serôa da Motta foi despachada para Veado, e nosso "Seu Setenta" foi "transferido" de unidade. Ficando na cidade, passou a servir ao Tenente revolucionário Coracy Ferreira.

Ainda no dia 14 de outubro, pela noite, um susto: os homens do Tenente Coracy foram despachados para arrancar parte dos trilhos da estrada de ferro que ligava Carangola à Porciúncula. A notícia de que os legalistas estavam avançando contra os revolucionários, tendo inclusive retomado algumas cidades, alarmou o Comando do Setor Leste. Na madrugada do dia 15 de outubro, José de Souza "colocou a mão na massa" e, junto com os homens do Pelotão do Tenente Coracy, arrancaram parte dos trilhos para dificultar um eventual avanço legalista pela linha ferroviária.

Durante toda a madrugada e manhã do dia 15 a tropa onde servia José de Souza ficou guardando a estrada de ferro, e nosso "Seu Setenta" viveu a tensão e a ansiedade de poder entrar em combate à qualquer momento, e ainda na escuridão da noite. Mas logo o susto e a tensão foram aliviados. As tropas mineiras continuavam ocupando Itaperuna sem ameaças, e o avanço legalista havia ocorrido bem mais ao sul, na região de Itaocara e Cambuci.

Na tarde desse mesmo dia o Pelotão Coracy deslocou-se para Itaperuna, e integrou-se operacionalmente à tropa comandada pelo Coronel revolucionário Otto Feio, comandante de operações do Setor Leste. Barrado o avanço legalista em Itaocara e Cambuci, e retomadas essas cidades, começaram os preparativos para avançar em direção a Campos. Foram dias de muitas corridas para José de Souza e seu Ford 29, pois o Comando estava coordenando uma operação conjunta de quatro colunas revolucionárias para o ataque a Campos, poderosamente guarnecida por homens da Polícia Fluminense, dos Fuzileiros Navais e do Exército.

Mas não foi preciso haver combate. No dia 24 de outubro, quando as forças revolucionárias estavam todas prontas para avançar contra Campos no dia seguinte, um golpe militar derrubou o Presidente Washington Luís. A Junta Militar que assumiu na Capital Federal deu ordem para que as tropas legalistas deixassem Campos e recuassem para Niterói. Desguarnecida, Campos foi ocupada pelas tropas revolucionárias no dia 25 de outubro.

José de Souza, conduzindo o Tenente Coracy, deixou Murundu, onde estava, passou pela vanguarda que estava em Travessão, e chegou em Campos. Nesta cidade a tropa acantonou, e José de Souza pôde descansar das frequentes corridas e da tensão. Pôde, também, festejar pela vitória e término da Revolução.

Oficiais e sargentos revolucionários em Campos dos Goitacases


No dia 31 de outubro Getúlio Vargas, após as negociações de Oswaldo Aranha com a Junta Militar, chegou ao Rio de Janeiro. Vargas saiu de Ponta Grossa ainda no dia 24, e passou por São Paulo no dia 29, antes de chegar à Capital Federal. A posse foi marcada para o dia 03 de novembro.

E assim iria surgir o apelido de José de Souza. O Coronel Otto Feio tinha pressa em chegar ao Rio de Janeiro, e pediu ao Tenente Coracy para lhe arrumar um automóvel e um chauffeur experiente. Coracy, então, escolheu o seu próprio motorista para executar a "missão". E partiu de Campos, no dia 01º de novembro, rumo à Capital Federal. José de Souza, bom motorista e conhecedor de seu automóvel, fez a viagem atingindo, várias vezes, a velocidade de 70 Km/h. Na época, e considerando que as estradas eram de terra, nem sempre bem cuidadas, essa velocidade era bem alta.

Chegados no Rio de Janeiro, Otto Feio e Coracy Ferreira foram ao encontro de Getúlio Vargas, ainda não empossado. Narrando ao futuro Presidente do Governo Provisório a rapidez com que fizeram a viagem no "fordeco", sob a direção de um excelente e veloz chauffeur, o Coronel Feio apresenta o motorista à Vargas.

Coracy diz ao futuro Presidente:
- Fizemos a viagem em poucas horas. Viemos a setenta por hora!
No que responde Vargas, sorridente e bem humorado, virando-se para José:
- Mas seu José, setenta?

Foi o suficiente para fazer nascer o apelido que carregaria para o resto de sua vida: "Zé Setenta".

Getúlio Vargas no dia de sua posse


No dia da posse de Getúlio Vargas, após a cerimônia, José de Souza retorna à Campos com o Tenente Coracy. Lá chegando, o Comandante da Praça o desliga da tropa revolucionária, e "devolve" o Ford requisitado. José de Souza, então, viaja de volta para Antônio Caetano, aonde chega no dia 04 de novembro.

Ficou 22 dias fora, e sua memória não esquecia esse número de dias longe de casa. Até porque seus amigos e familiares ficaram preocupadíssimos com o seu sumiço. Na época, José de Souza tinha 23 anos de idade. Quando chegou em Antônio Caetano, acalentou os preocupados e narrou sua epopéia.

À partir de então, José de Souza foi apelidado de "Zé Setenta", transformado mais tarde em "Seu Setenta" quando já morava em São Pedro do Itabapoana, onde viveu até sua morte.


Gerson Moraes França


Fontes -
Texto:
Arquivo pessoal

Depoimento de José de Souza, 1999
Fotos:
Arquivo pessoal
Revista da Semana, 15/11/1930

quinta-feira, 1 de abril de 2010

Alforriados antes da Abolição

Estava lendo eu alguns dos artigos que escrevi para o antigo jornal Acontece, editado por Ledílson Mirre e Carlos Miranda, quando me deparei com um texto que escrevi sobre o calçamento em estilo "pé-de-moleque" das ruas de São Pedro do Itabapoana. Foi publicado na edição de junho/julho de 2005 (ano 04 - n.º 03).

No referido artigo eu corrigia um equívoco que muitos afirmavam com certa convicção; falava-se que o calçamento em "pé-de-moleque" havia sido construído por escravos, sendo que no texto demonstrei que a realidade não era essa. O calçamento das ruas de São Pedro foi proposto pelo Vereador Francisco Alexandrino de Andrade, e foi aprovado pela Câmara Municipal na sessão de junho de 1908. Sua execução, realizada durante a administração de João Lino de Silveira, iniciou-se em 1909 e terminou em 1911, utilizando apenas recursos próprios do Município.

Assim, o calçamento em "pé-de-moleque" das ruas de São Pedro foi construído já no século XX, mais de vinte anos depois da Abolição da Escravatura.


Mais o assunto que quero tratar hoje é outro; como falamos em escravos e na Abolição, resolvi tecer alguns interessantes comentários sobre o final da escravatura em São Pedro do Itabapoana.

A ocupação efetiva do vale do Itabapoana ocorreu em decurso da expansão da zona cafeeira. Pequenos posseiros, mas principalmente grandes proprietários, abriram posses e fundaram grandes fazendas de café. Esses primeiros fazendeiros, já possuidores de rico cabedal, trouxeram para o Itabapoana grande número de escravos que possuíam em suas regiões de origem, comumente a zona da mata mineira ou o norte fluminense. Importante lembrar que as primeiras posses na região do atual Município de Mimoso do Sul datam de 1837, mas que somente na década de 1840 é que abrir-se-ia um número mais significativo de fazendas. Em 1850 foi decretado o fim do tráfico de negros e, a despeito do desembarque clandestino efetuado na barra do Itabapoana em 1854, a grande maioria dos novos escravos eram originários de outras Províncias do Império, africanos ou não.

Ao chegar a década de 1880, haviam quase 2.500 escravos no Itabapoana. A população livre passava dos 3.000 habitantes. Mas com o fim do tráfico ainda em 1850, concomitante com a lei conhecida como do "ventre livre" em 1871, a escravidão estava condenada à desaparecer brevemente. O número de escravos começou à cair, inclusive por alforrias e fugas.

São Pedro do Itabapoana era uma próspera localidade no final do século XIX. Grandes fazendas de café conferiam riqueza à região, que também era dotada de uma elite intelectual vibrante e progressista. Já conscientes de que a escravidão seria inevitavelmente extinta, os grandes fazendeiros logo trataram de estudar meios de substituir o sistema de mão de obra que trabalhava nas colheitas do café. Premidos pela opinião pública, já francamente favorável à extinção da escravatura, a grande maioria dos proprietários sãopedrenses converteu-se em abolicionistas e em republicanos.

No início de 1888, por iniciativa própria, alguns dos grandes fazendeiros resolveram dar liberdade aos seus escravos, sob a condição de que estes fizessem a colheita de 1888. A colheita do café iniciava-se em maio, e durava até setembro. Assim, José Carlos de Azevedo Lima, Eduardo Monteiro de Carvalho, Carlos Meyer, Antônio Cândido dos Santos, Olympio Ribeiro de Castro, Leopoldino Gonçalves Castanheira, Manuel Antunes Ramalho e D. América Azevedo entraram no rol dos primeiros proprietários que concederam a liberdade aos seus escravos. Domingos José de Almeida, de Conceição do Muqui, além de conceder a liberdade aos seus cativos, firmou com eles contratos de trabalho de parceria.

No dia 31 de março de 1888, foi feita uma grande reunião em São Pedro, sob a presidência de Cesário Miranda Monteiro de Barros, com a participação dos 50 maiores proprietários da Freguesia. Decidiram eles, também, dar a liberdade aos seus escravos, sob as mesmas condições dos acima descritos. E no mês seguinte, abril de 1888, foi amplamente divulgada a notícia de que a Freguesia de São Pedro do Itabapoana já não possuía mais escravo algum.

Assim, antes mesmo da publicação da Lei Áurea, em 13 de maio de 1888, os fazendeiros e proprietários sãopedrenses já haviam alforriado todos os escravos que havia na Freguesia. Firmaram com os ex-escravos, normalmente, contratos de empreitada ou parceria, e em alguns casos até mesmo salários. Quando foi publicada a Lei Áurea, bem no início da colheita da safra de café, os fazendeiros de São Pedro não foram pegos de surpresa, como aconteceu com muitos proprietários de fazendas e de escravos do Vale do Paraíba.

A maioria dos ex-escravos continuou trabalhando nas terras de seus ex-senhores. Com o passar do tempo, o sistema de contrato de meeiro passou a ser o mais usado, e muitos negros, com o fruto de suas economias e trabalho, conseguiram mais tarde adquirir pequenos pedaços de terra, tornando-se sitiantes e donos de seu próprio partrimônio.

Gerson Moraes França


Fontes:
Afro-Ásia, edições 25-27, 2001;
Arquivo pessoal.