Essa é naquele estilo dos romances que usam de nomes diferentes, porém parecidos com os reais, para falar de assuntos que não orgulham os protagonistas (ou ao menos não deveriam orgulhar).
Aqui, para quem é mais antigo, ou para quem conhece a nossa história local, os nomes são mais que clarividentes. Mas, mesmo assim, usaremos do jargão de cautela: "qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência". =)
No início do século passado, num Município do interior de um pequeno Estado, havia uma severa querela política. Dois coronéis, cada qual com seus correligionários, disputavam a hegemonia política para ver quem, definitivamente, seria o Chefe Político da região.
Um deles, Clarino Lindo de São-Pedreira, era de antiga e tradicional família estabelecida nas proximidades da cidade sede, descendente dos primeiros colonizadores daquelas terras. O outro, Joaquino Pais de Mimoso, vulgo Gambão, era a principal liderança dos novos habitantes que fizeram crescer, a uns poucos anos, um próspero distrito nas proximidades.
Na refrega entre ambos, não faltavam farpas. Cada qual detinha seus pecados, e o respectivo ex-adverso fazia questão de propagar os mesmos, na maioria das vezes exagerando no teor.
À Clarino Lindo era imputada a conduta de emprestar, à juros, dinheiro à sitiantes próximos de suas Fazendas. Segundo os boatos, ele até incentivava os pequenos lindeiros a tomarem o empréstimo, pois a rubiácea estava aumentando de preço, e valia à pena investir para aumentar as lavouras. Tomava como garantia o próprio sítio dos pequenos lavradores.
Passado o tempo, e impossibilitado de quitar a dívida porque os juros não eram assim tão baixos, e a rubiácea não tinha ficado assim tão rentável, o pequeno sitiante era cobrado e perdia suas terras para o poderoso potentado local. Não havia prazo, nem perdão. E assim o poderoso coronel foi aumentando suas já extensas terras, tornando-se o maior proprietário de todo o Município, dono de mais de mil alqueires de terra distribuídos em seis fazendas principais.
Aumentando o boato, dizia-se que Clarino Lindo coagia muitos dos sitiantes à pegarem esses empréstimos, que os tomavam, digamos, meio a contragosto. Diante do eminente "pedido" do coronel, sempre acompanhado por seus capangas, acabavam sempre "aceitando" o dinheiro. E quem assim não o quisesse, poderia não acordar no dia seguinte.
À Gambão era imputada a conduta de ameaçar a integridade física de qualquer um que se colocasse no seu caminho rumo à hegemonia política distrital. Segundo boatos, alguns infelizes falastrões sofreram com algumas surras executadas pelos capangas do coronel. A pena pelos agravos eram alguns hematomas e dentes quebrados.
Aos mais afortunados, ou de melhor família, ele apenas dava uns conselhos em tom de ameaça, que eram logo entendidos. Assim eram calados, mas ao menos preservavam suas integridades físicas. Assim, truculento, o grande coronel foi aumentando seu já grande poder, e tornou-se o inconteste Chefe Político local, mandando e desmandando nos resultados eleitorais e no provimento dos cargos locais, de acordo com sua vontade.
Aumentando o boato, dizia-se que a mando de Gambão muitos inveteráveis "línguas solta" foram sumariamente "apagados" e tornaram-se defuntos, afora uns poucos que nunca tiveram velório porque constavam como desaparecidos.
No duelo entre os titãs, brigavam um autêntico representante da antiga aristocracia, potentado rico e influente, contra um autêntico representante da nova elite comercial, liderança forte e poderosa. E, nesse bojo, crescia implicitamente a querela entre a antiga e requintada sede administrativa e a nova e movimentada povoação comercial. E cada qual espalhava os boatos a respeito do rival...
Na luta dos dois coronéis, cada um vencia um assalto. Quando a luta parecia ser ganha por um deles, eis que surgia um fato novo que dava reviravolta na situação. Chegaram até a se aliar quando ambos foram taxados de "carcomidos" após a tal da revolução, e lutaram juntos contra um inimigo em comum, que era mero "tenentista" querendo posar de "general". Pois no Município, já com nova sede, não poderia haver "oficial" superior ao "posto" de coronel. Resolvida essa pendenga impertinente, os coronéis rivais desataram a lutar novamente.
E, a propósito: como em briga de cachorro grande quem mete a mão acaba mordido, o "tenente" que posava de "general" acabou sem o poder e sem a fazenda. Sobrou pro Pedrito da serraria que, coitado, era mero preposto do Jassão do fórum, eminência parda e condestável do regime. O danado do Jassão, quando viu que seu "general" Pedrito estava enfraquecido, se apressou para fazê-lo cair, e com sorrateiro oportunismo o traiu. Mas Jassão também teve seu castigo: a fama de doido subiu pela cabeça, e ele acabou mesmo maluco.
Ao final, o rico potentado Clarino Lindo perdeu a liderança, mas continuou abastado e influente; o poderoso líder Gambão perdeu a fazenda, mas continuou prestigiado e mandante. Jassão pirou e foi internado, e o Pedrito perdeu tudo e foi embora da cidade.
Gerson Moraes França
Aqui, para quem é mais antigo, ou para quem conhece a nossa história local, os nomes são mais que clarividentes. Mas, mesmo assim, usaremos do jargão de cautela: "qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência". =)
No início do século passado, num Município do interior de um pequeno Estado, havia uma severa querela política. Dois coronéis, cada qual com seus correligionários, disputavam a hegemonia política para ver quem, definitivamente, seria o Chefe Político da região.
Um deles, Clarino Lindo de São-Pedreira, era de antiga e tradicional família estabelecida nas proximidades da cidade sede, descendente dos primeiros colonizadores daquelas terras. O outro, Joaquino Pais de Mimoso, vulgo Gambão, era a principal liderança dos novos habitantes que fizeram crescer, a uns poucos anos, um próspero distrito nas proximidades.
Na refrega entre ambos, não faltavam farpas. Cada qual detinha seus pecados, e o respectivo ex-adverso fazia questão de propagar os mesmos, na maioria das vezes exagerando no teor.
À Clarino Lindo era imputada a conduta de emprestar, à juros, dinheiro à sitiantes próximos de suas Fazendas. Segundo os boatos, ele até incentivava os pequenos lindeiros a tomarem o empréstimo, pois a rubiácea estava aumentando de preço, e valia à pena investir para aumentar as lavouras. Tomava como garantia o próprio sítio dos pequenos lavradores.
Passado o tempo, e impossibilitado de quitar a dívida porque os juros não eram assim tão baixos, e a rubiácea não tinha ficado assim tão rentável, o pequeno sitiante era cobrado e perdia suas terras para o poderoso potentado local. Não havia prazo, nem perdão. E assim o poderoso coronel foi aumentando suas já extensas terras, tornando-se o maior proprietário de todo o Município, dono de mais de mil alqueires de terra distribuídos em seis fazendas principais.
Aumentando o boato, dizia-se que Clarino Lindo coagia muitos dos sitiantes à pegarem esses empréstimos, que os tomavam, digamos, meio a contragosto. Diante do eminente "pedido" do coronel, sempre acompanhado por seus capangas, acabavam sempre "aceitando" o dinheiro. E quem assim não o quisesse, poderia não acordar no dia seguinte.
À Gambão era imputada a conduta de ameaçar a integridade física de qualquer um que se colocasse no seu caminho rumo à hegemonia política distrital. Segundo boatos, alguns infelizes falastrões sofreram com algumas surras executadas pelos capangas do coronel. A pena pelos agravos eram alguns hematomas e dentes quebrados.
Aos mais afortunados, ou de melhor família, ele apenas dava uns conselhos em tom de ameaça, que eram logo entendidos. Assim eram calados, mas ao menos preservavam suas integridades físicas. Assim, truculento, o grande coronel foi aumentando seu já grande poder, e tornou-se o inconteste Chefe Político local, mandando e desmandando nos resultados eleitorais e no provimento dos cargos locais, de acordo com sua vontade.
Aumentando o boato, dizia-se que a mando de Gambão muitos inveteráveis "línguas solta" foram sumariamente "apagados" e tornaram-se defuntos, afora uns poucos que nunca tiveram velório porque constavam como desaparecidos.
No duelo entre os titãs, brigavam um autêntico representante da antiga aristocracia, potentado rico e influente, contra um autêntico representante da nova elite comercial, liderança forte e poderosa. E, nesse bojo, crescia implicitamente a querela entre a antiga e requintada sede administrativa e a nova e movimentada povoação comercial. E cada qual espalhava os boatos a respeito do rival...
Na luta dos dois coronéis, cada um vencia um assalto. Quando a luta parecia ser ganha por um deles, eis que surgia um fato novo que dava reviravolta na situação. Chegaram até a se aliar quando ambos foram taxados de "carcomidos" após a tal da revolução, e lutaram juntos contra um inimigo em comum, que era mero "tenentista" querendo posar de "general". Pois no Município, já com nova sede, não poderia haver "oficial" superior ao "posto" de coronel. Resolvida essa pendenga impertinente, os coronéis rivais desataram a lutar novamente.
E, a propósito: como em briga de cachorro grande quem mete a mão acaba mordido, o "tenente" que posava de "general" acabou sem o poder e sem a fazenda. Sobrou pro Pedrito da serraria que, coitado, era mero preposto do Jassão do fórum, eminência parda e condestável do regime. O danado do Jassão, quando viu que seu "general" Pedrito estava enfraquecido, se apressou para fazê-lo cair, e com sorrateiro oportunismo o traiu. Mas Jassão também teve seu castigo: a fama de doido subiu pela cabeça, e ele acabou mesmo maluco.
Ao final, o rico potentado Clarino Lindo perdeu a liderança, mas continuou abastado e influente; o poderoso líder Gambão perdeu a fazenda, mas continuou prestigiado e mandante. Jassão pirou e foi internado, e o Pedrito perdeu tudo e foi embora da cidade.
Gerson Moraes França