domingo, 21 de março de 2010

Clarino Lindo versus Gambão - sobrou pro Pedrito do Jassão

Essa é naquele estilo dos romances que usam de nomes diferentes, porém parecidos com os reais, para falar de assuntos que não orgulham os protagonistas (ou ao menos não deveriam orgulhar).

Aqui, para quem é mais antigo, ou para quem conhece a nossa história local, os nomes são mais que clarividentes. Mas, mesmo assim, usaremos do jargão de cautela: "qualquer semelhança com a vida real é mera coincidência". =)

No início do século passado, num Município do interior de um pequeno Estado, havia uma severa querela política. Dois coronéis, cada qual com seus correligionários, disputavam a hegemonia política para ver quem, definitivamente, seria o Chefe Político da região.

Um deles, Clarino Lindo de São-Pedreira, era de antiga e tradicional família estabelecida nas proximidades da cidade sede, descendente dos primeiros colonizadores daquelas terras. O outro, Joaquino Pais de Mimoso, vulgo Gambão, era a principal liderança dos novos habitantes que fizeram crescer, a uns poucos anos, um próspero distrito nas proximidades.

Na refrega entre ambos, não faltavam farpas. Cada qual detinha seus pecados, e o respectivo ex-adverso fazia questão de propagar os mesmos, na maioria das vezes exagerando no teor.

À Clarino Lindo era imputada a conduta de emprestar, à juros, dinheiro à sitiantes próximos de suas Fazendas. Segundo os boatos, ele até incentivava os pequenos lindeiros a tomarem o empréstimo, pois a rubiácea estava aumentando de preço, e valia à pena investir para aumentar as lavouras. Tomava como garantia o próprio sítio dos pequenos lavradores.

Passado o tempo, e impossibilitado de quitar a dívida porque os juros não eram assim tão baixos, e a rubiácea não tinha ficado assim tão rentável, o pequeno sitiante era cobrado e perdia suas terras para o poderoso potentado local. Não havia prazo, nem perdão. E assim o poderoso coronel foi aumentando suas já extensas terras, tornando-se o maior proprietário de todo o Município, dono de mais de mil alqueires de terra distribuídos em seis fazendas principais.

Aumentando o boato, dizia-se que Clarino Lindo coagia muitos dos sitiantes à pegarem esses empréstimos, que os tomavam, digamos, meio a contragosto. Diante do eminente "pedido" do coronel, sempre acompanhado por seus capangas, acabavam sempre "aceitando" o dinheiro. E quem assim não o quisesse, poderia não acordar no dia seguinte.

À Gambão era imputada a conduta de ameaçar a integridade física de qualquer um que se colocasse no seu caminho rumo à hegemonia política distrital. Segundo boatos, alguns infelizes falastrões sofreram com algumas surras executadas pelos capangas do coronel. A pena pelos agravos eram alguns hematomas e dentes quebrados.

Aos mais afortunados, ou de melhor família, ele apenas dava uns conselhos em tom de ameaça, que eram logo entendidos. Assim eram calados, mas ao menos preservavam suas integridades físicas. Assim, truculento, o grande coronel foi aumentando seu já grande poder, e tornou-se o inconteste Chefe Político local, mandando e desmandando nos resultados eleitorais e no provimento dos cargos locais, de acordo com sua vontade.

Aumentando o boato, dizia-se que a mando de Gambão muitos inveteráveis "línguas solta" foram sumariamente "apagados" e tornaram-se defuntos, afora uns poucos que nunca tiveram velório porque constavam como desaparecidos.

No duelo entre os titãs, brigavam um autêntico representante da antiga aristocracia, potentado rico e influente, contra um autêntico representante da nova elite comercial, liderança forte e poderosa. E, nesse bojo, crescia implicitamente a querela entre a antiga e requintada sede administrativa e a nova e movimentada povoação comercial. E cada qual espalhava os boatos a respeito do rival...

Na luta dos dois coronéis, cada um vencia um assalto. Quando a luta parecia ser ganha por um deles, eis que surgia um fato novo que dava reviravolta na situação. Chegaram até a se aliar quando ambos foram taxados de "carcomidos" após a tal da revolução, e lutaram juntos contra um inimigo em comum, que era mero "tenentista" querendo posar de "general". Pois no Município, já com nova sede, não poderia haver "oficial" superior ao "posto" de coronel. Resolvida essa pendenga impertinente, os coronéis rivais desataram a lutar novamente.

E, a propósito: como em briga de cachorro grande quem mete a mão acaba mordido, o "tenente" que posava de "general" acabou sem o poder e sem a fazenda. Sobrou pro Pedrito da serraria que, coitado, era mero preposto do Jassão do fórum, eminência parda e condestável do regime. O danado do Jassão, quando viu que seu "general" Pedrito estava enfraquecido, se apressou para fazê-lo cair, e com sorrateiro oportunismo o traiu. Mas Jassão também teve seu castigo: a fama de doido subiu pela cabeça, e ele acabou mesmo maluco.

Ao final, o rico potentado Clarino Lindo perdeu a liderança, mas continuou abastado e influente; o poderoso líder Gambão perdeu a fazenda, mas continuou prestigiado e mandante. Jassão pirou e foi internado, e o Pedrito perdeu tudo e foi embora da cidade.

Gerson Moraes França

Espírito Santo Vencedor!



Esse post é apenas uma reflexão.

Todos nós ouvimos, alguma vez, alguém menosprezar o nosso Estado do Espírito Santo; até mesmo alguns capixabas fazem isso... somos um Estado pequeno, encravado no Sudeste e cercado por Estados maiores e mais "poderosos". Temos pouco "peso".

Eu digo: o Espírito Santo é um vencedor!

Apesar de pequenos, mantemos nossa autonomia política, e somos ente da Federação. O Espírito Santo possui governo próprio, gerido pelos capixabas. Enquanto existem uma série de movimentos regionais pela transformação de nacos de alguns Estados em novas unidades federativas, nós somos autônomos. O Triângulo Mineiro não se governa (ainda)...

Vejam: de todas as primitivas Capitanias entre a Bahia e o Rio de Janeiro, o Espírito Santo foi a única que subsistiu. Salvador e Rio de Janeiro foram cidades fundadas pelo "Poder Real", e eclipsaram todas as Capitanias entre ambas. Só sobramos nós; Ilhéus e Porto Seguro foram anexadas à Bahia, e São Tomé (depois Paraíba do Sul) foi anexada ao Rio de Janeiro. No meio desses "gigantes" financiados pelo Tesouro real, o Espírito Santo conseguiu manter sua posição.

Chegamos a ter nossa autonomia administrativa ameaçada. Apesar de termos mantido Campos dos Goitacases durante certo tempo sob a subordinação de nossa Ouvidoria, o Espírito Santo era subordinado administrativamente à Bahia. A cidade de São Mateus, inclusive, foi durante muito tempo parte da Ouvidoria de Porto Seguro (que detinha jurisdiçao até o rio Doce!), só sendo reintegrada ao Espírito Santo quando da independência do Brasil. Os mineiros expandiram-se pelo sertão e, se dependesse deles, teriam chegado ao mar...

Os historiadores mais antigos, inclusive, creditam a autonomia da Província do Espírito Santo ao fato de nossas Câmaras Municipais terem aceitado a independência, enquanto na Bahia houve resistência e guerra. Mantivemos nossa posição, e ainda "reganhamos" São Mateus.

Perdemos o Mucuri, mas compensamos com um naco entre o Itapemirim e o Itabapoana. Perdemos boa parte do sertão que poderia ser nosso, caso o tivéssemos ocupado antes dos mineiros; mas ao menos "freiamos" as aspirações de Minas Gerais nas escadinhas do rio Doce, no pedaço entre o rio Preto (Itabapoana) e o Veado, no Guandu e no noroeste capixaba (onde os mineiros conseguiram nos roubar pedaços além da serra dos aimorés).

Somos pequenos, mas somos nós quem nos governamos!

Gerson Moraes França

quinta-feira, 18 de março de 2010

Quatro Meses

No dia 17 de novembro do ano passado, começamos a escrever no presente Blog. O tópico "Pronto" foi o ponto de partida. São, pois, quatro meses de "vida".

Confesso: sinto um prazer enorme em escrever e divulgar os resultados de minhas pesquisas. Tento ser sucinto, mas já deu para perceber que eu não consigo... rsrs!

Nesse período de um quadrimestre, o Blog recebeu mais de 900 visitas, com o total de quase 2.500 páginas vistas. A média de tempo no Blog, por visita, ficou em quase 13 minutos. Uma média de mais de 230 visitas, e mais de 600 páginas vistas, por mês.

Tentarei mudar um pouco o formato. Penso em fazer textos mais resumidos, que serão postados, com um link para o artigo mais detalhado. Assim, será possível ler a matéria resumida, e quem se interessar e quiser ler o artigo mais detalhado e aprofundado, basta clicar no link.

Tenho tanta coisa para escrever, que fico até meio perdido. Sempre que estou fazendo minha caminhada diária, fico "escrevendo na cabeça", pensando nos assuntos que quero para cá trazer, em como colocá-los aqui, etc.

Ontem pensei em escrever sobre a navegação à vapor no Itabapoana (matéria que, inclusive, eu escrevi para o jornal Acontece, de Mimoso do Sul). Daí lembrei-me de outro artigo que eu havia escrito nesse jornal, sobre o Dr. José Coelho dos Santos, e me deu vontade de aqui colocar a matéria. Depois, tive vontade de escrever sobre a história da imprensa em São Pedro do Itabapoana. Hoje, minha vontade é falar um pouco mais sobre a Fazenda da Muribeca, de cuja sesmaria, que tinha 6 léguas para dentro do sertão, abarcava parte do nosso Município.

Enfim, são tantos os assuntos, que acabo escrevendo o que está na minha cabeça, no momento que começo à escrever. Pego parte de meus arquivos para subsidiar os textos, e dou início ao "trabalho".

Vejamos o que sairá na próxima.

Gerson Moraes França

domingo, 14 de março de 2010

Managé antigo - Itabapoana moderno - O NOME

UM ESTUDO SOBRE O NOME ANTIGO DO RIO


O MANAGÉ

Todas as pessoas que habitam os Municípios que estão inseridos na bacia do rio Itabapoana conhecem, ou certamente já ouviram falar, no Projeto Managé. É um projeto sócio-ambiental, oficialmente chamado de "Programa de Desenvolvimento Regional Sustentável da Bacia Hidrográfica do Rio Itabapoana", concebido pela Universidade Federal Fluminense (UFF).

O termo Managé foi tomado por causa do nome que os indígenas davam ao rio, quando os europeus tentaram se estabelecer no baixo Itabapoana, isso na primeira metade do século XVI. Foi o Donatário da Capitania de São Thomé, Pero Góis, quem grafou e registrou o nome do rio, nas cartas que remeteu ao Reino.

De acordo com os tradutores do termo, Managé significaria em tupi, grosso modo, "reunião do povo", ou "ajuntamento de pessoas". Essa foi a tradução dada pelo especialista na língua tupi, Teodoro Sampaio, em seu dicionário no livro "O tupi na geografia nacional", publicado em 1901.

A PROBLEMÁTICA

Sempre achei estranha a tradução desse termo. Não porque ele esteja equivocado; em tupi, realmente, a palavra amanajé significa "reunião", ou "ajuntamento". Mas o ploblema vem porque esse era o nome usado pelos silvícolas locais, como bem atesta Pero de Góis em suas cartas. E quem eram os indígenas locais naquela época, naquela região? A historiografia é unânime em atestar que eram os goitacases. Grafados em diferentes fontes como aitacazes, guaytacazes, waytacazes, os goitacases foram quem receberam os portugueses que tentaram se estabelecer no baixo curso do Itabapoana.

Ora; hoje, praticamente todos os estudiosos, em especial a unanimidade dos mais sérios, classificam os goitacases como sendo do tronco étnico e linguístico macro-jê; assim, os goitacases não eram do tronco tupi-guarani. Cronistas antigos já atestavam que os goitacases falavam língua diversa da língua geral dos tupis - era uma língua mais "bárbara" e "truncada" que a tupi, e estes não a compreendiam. Os tupis chamavam, de forma genérica, esses povos gês de tapuias (bárbaro, inimigo). No Brasil do século XVI, as nações indígenas tapuias eram cognominadas pelos portugueses conforme a denominação que os davam os tupis - nação que primeiro se integrou aos europeus. No Espírito Santo, duas eram as principais nações de tapuias: os guaymorés no norte e os guaitacazes no sul; hoje, aportuguesados, eles são grafados como aimorés e goitacases. Esses eram os nomes que os tupis davam, em sua língua, à essas nações que não falavam o mesmo idioma que eles.

MAS... E ENTÃO?

É fato, portanto, que os goitacases habitavam o Itabapoana, e que chamavam o rio de Managé, conforme relata e grafa o malogrado Donatário de São Thomé. Assim, o termo não seria de origem tupi-guarani, mas sim de origem macro-gê. Desse modo, não poderíamos traduzir a palavra como sendo derivada do tupi amanajé.

Importante também salientar que a letra J, na grafia portuguesa dos termos tupis, tinha muito mais a pronúncia fonética de I, do que de G (com som de J). Originalmente, a palavra amanajé era falada pelos tupis como 'manaié, com um "I meio ajotalhado". E, para escrever esse fonema, os portugueses utilizavam-se da letra J.

E, interessantemente, no português do século XVI, o fonema G (com som fonético de J) na língua lusitana era mais escrito com a letra J, do que com G. Em muitas localidades de Portugal, inclusive, as palavras grafadas com a letra G (seguidas das vogais E ou I) possuíam o som de X. A palavra grafada gente, por exemplo, era falada por muitos com o som de xente. Até hoje, mesmo no Brasil, temos pessoas, especialmente no norte/nordeste, que pronunciam o "famoso" ó xente!.

Pero de Góis grafou, usando o alfabeto da língua portuguesa, o termo que escutou da boca dos goitacases: MANAGÉ - assim mesmo, com acento no E. O problema é que se a pronúncia fosse, naquela época, como é hoje, ele escreveria MANAJÉ, e não MANAGÉ. E por que escreveu ele dessa forma? Simples: a pronúncia goitacás do termo era MANAXÉ. Como era corrente na época, Góis usou a letra G para representar o fonema X.

Assim, a palavra goitacás manaxé era a usada para dar nome ao rio que hoje conhecemos como Itabapoana. Palavra, inclusive, com raiz linguística tipicamente macro-gê, como eram os goitacases. Os tupis chamavam esse rio de Camapuan, que grosso modo significa "colina arredondada (como seios)". Nossos caboclos acabaram por adotar com o passar dos séculos, por corruptela, o nome que hoje é conhecido - Itabapoana (Camapuan - Cabapuana - Tabapoana).

E O QUE SIGNIFICA, AFINAL?

Infelizmente, não nos foi legado nenhum dicionário escrito goitacás-português. Um padre jesuíta chegou à confeccionar um, entre os goitacases estabelecidos em um Aldeamento tupi, mas essa obra não sobreviveu ao tempo. Inclusive, esses goitacases aculturados deixaram de falar sua língua, para falar a língua geral; as crianças eram instruídas em tupi, e em uma geração a língua havia se perdido.

Mas goitacases haviam que tinham se retirado para o sertão. Segundo grande parte dos estudiosos modernos, os goitacases falavam uma língua parecida com o puri, e, ainda segundo os mesmos, puris e coropós seriam os descendentes da mescla entre goitacases e gês do sertão. Assim, a língua dos puris seria bem parecida com a língua dos goitacases, lembrando que ambos eram do tronco macro-gê, e viveram na mesma região geográfica, embora em tempos diferentes.

E, da língua puri, existe dicionário - o mais famoso é o confeccionado por Alberto Torrezão, em 1889. É certo que as línguas vão mudando com o tempo, mas elas mantém uma certa similaridade quando comparadas com a mesma no passado, se não for tão distante. É plenamente possível um brasileiro, por exemplo, ler os textos escritos pelos portugueses do século XV. O tupi falado hoje em dia não difere substancialmente do falado no século XVI.

Desse modo, não seria incorreto tentar traduzir a palavra goitacás MANAXÉ, usando dos dicionários da língua puri. Como aqui foi dito e fundamentado, as duas línguas eram, com grande probabilidade, parecidas. Obviamente que fica esse estudo ainda no campo das hipóteses, mas acreditamos que não devemos desmerecer a interpretação.

O MANAXÉ

A palavra água, em puri, era falada m'nhamã. Dessa palavra derivavam as palavras rio e lagoa, respectivamente, m'nhama-rôra e m'nhama-rorá. A palavra peixe, ao que tudo indica, também deriva daquela: nhama-quê. Assim, resta bem claro que a raiz MANA, de MANAxé, significaria "água".

Mas é o "XÉ", o que significaria? Ou seria manaxé uma expressão derivada, simplesmente, como eram as palavras rio, lagoa e peixe?

Duas são as hipóteses que encontrei.

Ou "manaxé" significava simplesmente "peixe", o que seria plausível pois no baixo curso do Itabapoana sempre houve boa pescaria - a palavra nhama-quê é bem parecida com manaxé, e teria se corrompido após a passagem de mais de 300 anos.

Ou então poderia ser a junção das palavras "água" e "lábio/boca", que eram faladas tsché (txé, ou ché). Essa hipótese é mais plausível que a primeira, embora não possamos desqualificar nenhuma delas. As palavras morder, beber, dente, entre outras, eram todas derivadas da raiz tsché.

Assim, qual seria o significado, grosso modo?
Poderia ser "água de beber", denotando que esse curso d'água era fonte de água "bebível"; lembremos que os goitacases habitavam zonas de brejos e pântanos, onde nem sempre existia água própria para consumo.

Mais ficam todas elas apenas no campo das meras hipóteses...

MAS E O PROJETO?

O nome "Managé" foi escolhido para intitular o projeto da UFF, principalmente, por causa da tradução tupi de "amanajé", que significa "reunião do povo"; pois uma de suas metas é REUNIR, em um mesmo programa, diversos projetos de ensino e de meio-ambiente dos Municípios que integram a bacia do antigo rio "Managé".

Mas, mesmo demonstrando que a tradução do nome antigo do rio Itabapoana encontra-se equivocada, de modo algum este perde o glamour simbólico. Afinal, como projeto voltado para a área da educação sócio-ambiental, um de seus objetivos é preservar a bacia do rio. Preservar o rio é deixá-lo saudável, limpo. E num rio limpo, a água é limpa. Quem sabe um dia o Itabapoana não seja tão limpo, que possamos beber diretamente de suas águas?

"Água de beber", diriam os antigos goitacases.

Gerson Moraes França

EDIT (25/05/2009)

Interessantemente, no tocante ao nome tupi "Camapuana", cujo significado é, grosso modo, "colina arredondada (como seios)", temos um similar muito interessante na língua portuguesa.

É o termo "mamelão". Em desuso no coloquial atual, ainda é muito usado entre os militares em seus relatórios. É sinônimo de "colina" e "outeiro". Também é grafado como "mamilão", e significa "montículo arredondado". A raiz da palavra é "mamilo", que significa tanto "bico do peito", como "outeiro terminado em bico".

Assim, coincidência ou não, tanto a língua tupi, quanto a língua portuguesa, temos palavras derivadas de "seios" para designar "colinas arredondadas".

sábado, 13 de março de 2010

Um pouco sobre os antigos índios do Itabapoana



Possuo farto material documental sobre os indígenas que um dia habitaram o território do atual município de Mimoso do Sul. Apenas por si, esse tema possui elementos o suficiente que serviriam para escrever um extenso livro.

O objetivo aqui, porém, é tentar deixar o assunto bem sucinto, sem descer em detalhes e minúcias. Intencionamos dar ao leitor apenas uma pequena, mas importante, noção de quem eram os "nossos" índígenas quando aqui aportaram os europeus.

Antes, é importante lembrar que, no curso da história, os documentos grafam a nomenclatura das nações e tribos de várias formas diferentes, embora sejam todos muito parecidos entre si. Assim, decidimos por adotar nesse texto os nomes "aportuguesados modernamente", para facilitar e metodizar o artigo.


OS GOITACASES

Quando os europeus se estabeleceram no baixo Itabapoana, pouco antes de 1540, encontraram uma nação indígena chamada, pelos tupis, de goitacás. Os cronistas divergem sobre o significado da alcunha, embora haja uma certa unanimidade em traduzir o nome goitacás como corredor, ou nadador. Atualmente, é de conhecimento geral que os goitacases são do tronco chamado de macro-gê, e não falavam o tupi. Eram, grosso modo, tapuias (bárbaro ou inimigo em tupi).

Os primeiros contatos foram, de certo modo, pacíficos. Os goitacases da região aceitaram o estabelecimento dos portugueses, animados e interessados no comércio de bens manufaturados como machados, facas, anzóis, pentes e espelhos, que eram novidade e tinham muita utilidade para eles. Chegaram mesmo a trabalhar na formação dos canaviais, em troca desses bens.

Mas os goitacases eram arredios. Um incidente envolvendo um chefe indígena acabou por levantar a tribo, que destruiu e queimou os canaviais. Feita a paz, logo outro incidente aconteceu, e desta vez a guerra foi ainda mais renhida; destruíram e queimaram novamente os canaviais e os recém montados engenhos, e por fim expulsaram os europeus do baixo Itabapoana. Depois disso, os goitacases passaram a evitar qualquer contato com os europeus, assaltando-os e combatendo-os sempre que necessário, e não aceitando fazer paz.

Antes da chegada dos europeus, os goitacases estavam em expansão. Haviam descido o Paraíba do Sul, assenhorando-se dos campos que hoje pertencem ao município de Campos dos Goitacazes e arredores. Haviam chegado ao litoral a não muito tempo. Tal fato é atestado pelos sítios arqueológicos tupi encontrados no baixo Itabapoana, cuja datação não é muito anterior ao início do século XVI. Esses sítios, inclusive, foram identificados apenas como acampamentos provisórios, sem evidências que atestem uma permanência estável. As crônicas da época atestam que os goitacases guerreavam com grupos tupis do sul do Espírito Santo, e que expulsaram os tupis papanases do litoral.

Cronistas antigos chegam à afirmar que uma partida de goitacases, dos que expulsaram os europeus do Itabapoana, foi ter ao Espírito Santo em 1546/1547. A maioria reza que eles chegaram até o rio Benevente, que banha a atual cidade de Anchieta. Alguns mencionam que eles foram ainda mais além, atingindo Guarapari; há ainda menção de que os goitacases chegaram às proximidades de Vila Velha, chegando a atacar os estabelecimentos portugueses lá existentes. Seja o que tenha acontecido, verossímel parece que organizaram e executaram uma expedição que subiu o litoral, e é provável que tenham atingido a região de Anchieta, voltando para o sul logo depois.


COMO ERAM?

Eram muito bons nadadores, e sentiam-se à vontade no ambiente de brejos e lagos da região. Não formavam aldeias, e não praticavam a agricultura como os tupis. Nômades, suas hordas vagavam pela região praticamente sem se fixar em algum sítio, os tornando muito móveis e "corredores", como se falava da linguagem da época. Viviam da caça/pesca e da coleta. Suas tribos lutavam umas com as outras, mas por vezes se confederavam quando havia algum inimigo em comum. Homens e mulheres combatiam, diferentemente dos tupis, onde só os homens iam para a guerra.

Suas hordas não eram muito numerosas. As cabildas possuiam cerca de 200 pessoas, entre homens, mulheres, velhos e crianças. Estavam divididos, no final no século XVI, em 4 grupos maiores, cada grupo contendo entre 3 e 5 hordas aparentadas.


O QUE ACONTECEU COM ELES?

Após guerrearem e expulsarem os europeus do baixo Itabapoana, passaram a ser muito temidos entre os portugueses. Todos que passavam pelo litoral do atual norte fluminense o faziam com cautela, e só desembarcavam em terra em último caso. Entre 1546, quando expulsaram os portugueses do Itabapoana, e 1594, quando foi organizada uma expedição punitiva contra eles, essa parte do Brasil permaneceu inacessível ao europeu. Após a referida expedição, os goitacases recuaram do litoral e se internaram nos campos do baixo Paraíba do Sul, mas continuaram ameaçando a zona litorânea com suas correrias e obstaculando qualquer estabelecimento português.

Alguns anos depois, no início do século XVII, grassou entre os goitacases severa epidemia, que muito os debilitou. Uma frouxa aliança entre ingleses e holandeses, que tentaram se estabelecer perto da sua zona, pode ter sido a origem da epidemia, embora seja crível que a doença tenha ceifado vidas de tempos em tempos. As autoridades portuguesas, alarmadas com a presença dos estrangeiros, logo organizaram uma expedição para expulsá-los antes que se consolidassem no terreno. Ato contínuo, após desarticular a tentativa inglesa/holandesa, levaram a guerra aos debilitados goitacases. Junto com aliados tupis, os portugueses massacraram várias cabildas. A guerra foi tão cruel, que os goitacases abandonaram os campos do baixo Paraíba do Sul e as lagunas, internando-se no noroeste fluminense.

Em 1617, finalizada a guerra, tupis do Rio de Janeiro e, mais tarde, do Espírito Santo, foram deslocados para formarem Aldeamentos no litoral, sob a coordenação dos padres Jesuítas. Para se ter noção da gravidade da epidemia e da guerra que assolou os goitacases, os remanescentes de uma tribo inteira deles foi ter à um dos Aldeamentos, pedindo para serem aldeados. Os campos dos goitacases esvaziaram-se de tal forma que, quando a região foi doada em sesmarias à alguns portugueses e brasileiros ainda no século XVII, já não haviam mais índios selvagens por lá. Apenas o nome "Campos dos Goitacazes" ainda fazia lembrar de que ali haviam vivido esses bravos indígenas.

Os remanescentes das debilitadas hordas que não se renderam afastaram-se para o interior, e os estudiosos afirmam que eles acabaram mesclando-se com grupos também do tronco macro-gê que habitavam as cabeceiras dos rios Muriaé e outros rios da região. Alguns pesquisadores entendem que os coropós e os puris do século XVIII e XIX seriam resultado dessa mescla.


E EM MIMOSO?
Goitacases expulsos, chegam os Tupis.

Como vimos, a região do Itabapoana era habitada e percorrida, no século XVI, pelos índios goitacases. No início do contato com os europeus, chegaram a trabalhar pacificamente na formação dos canaviais da região da atual cachoeira das Garças, em troca de bens manufaturados e mantimentos. Desentendidos com os forasteiros, fizeram contra eles duas guerras, e por fim os expulsaram do Itabapoana em 1546.

Organizaram uma partida que correu pelo litoral, atingindo no mínino a região de Anchieta. Depois dessa correria, retornaram aos seus sítios no atual norte fluminense. Até 1594 impediram qualquer estabelecimento na região, e nesse ano foram batidos por uma expedição que os repeliu do litoral. Foi somente nessa data que o Itabapoana tornou-se relativamente "seguro" para se povoar novamente. Próximo ao ano de 1620, os Jesuítas construíram uma Capela (Nossa Senhora das Neves) e formaram uma Fazenda (Muribeca), deslocando para a região do Itabapoana índios tupis que estavam reduzidos em Anchieta, então chamada de Rerigtiba.

Um pequeno grupo desses índios se estabeleceu na região da cachoeira das Garças, onde viviam em cultura de subsistência, com pequena lavoura de mantimentos e vivendo da atividade pesqueira. O nome dessa pequena aldeia era São Pedro Apóstolo, que passou à ser chamada coloquialmente de São Pedro do Norte, por causa da aldeia de São Pedro do Cabo Frio (atual São Pedro da Aldeia).

Sem o perigo dos goitacases, expulsos da região, esses índios tupis semi-aculturados viveram tranquilos na aldeia de São Pedro por cerca de dois séculos, até que começaram à ser acossados pelos puris no final do século XVIII. A aldeia era pequenina, e não tinha mais que 50 moradores.

Várias vilas, e até cidades atuais, tiveram origem parecida à da aldeia de São Pedro - índios tupis aculturados ou semi-aculturados que foram formar pequenas roças de subsistência nas proximidades de algum Aldeamento, Fazenda ou Igreja/Capela Jesuíta, e passaram a se dedicar à pesca. Essa é a origem remota das atuais Piúma, Itaoca/Itaipava, Meaípe, Perocão, Santa Cruz, Riacho, dentre outras. Representam a chamada cultura maratimba, os nossos caboclos, tão celebrada por Rubem Braga em seus escritos.