sexta-feira, 3 de julho de 2015

A Capela de São Pedro de Alcântara - Parte 1



A história se constrói com documentos, primários ou não, com pesquisas arqueológicas, antropológicas, com prospecção de memórias e de história oral, dentre outros modos que se somam, observada sempre a crítica das fontes. Nos tempos atuais, com o compartilhamento mundial de informações na internet, o acesso a uma série de documentos que, antes, seriam difíceis de serem manuseados ou mesmo de serem encontrados pelo pesquisador, se tornaram cada vez mais palpáveis. Atualmente, o pesquisador e o historiador tem a chance de "corrigir" erros, equívocos ou omissões cometidos por pesquisadores do passado. Alguns desses historiadores ou memorialistas de outrora, talvez justamente por não terem acesso à bagagem documental que hoje podemos manusear, acabaram cometendo alguns desses erros.

Esses erros, importante salientar, na maior parte das vezes, não foram cometidos de má-fé. Muitos, buscando preencher lacunas, ou dar "ordem ao caos", acabaram "criando fatos". Por vezes, interpretações errôneas também contribuem para sedimentar alguns equívocos. Nesse sentido, busco nesse artigo corrigir alguns pequenos erros cometidos em relação à história do antigo município de São Pedro do Itabapoana. O foco do presente artigo é a correção das informações sobre a construção da primeira Capela do então arraial de São Pedro de Alcântara, atualmente vila e distrito de Mimoso do Sul com o nome de São Pedro do Itabapoana. Ato contínuo, acabo também discorrendo um pouco sobre os primórdios desse arraial e sobre algumas personalidades que fizeram parte desse "início".

Todos os pesquisadores, memorialistas e historiadores, ao escreverem, correm o risco de cometerem erros. Afinal, já reza o jargão que "errar é humano". A construção da história é um processo contínuo. Corrigir erros de um escritor anterior não é, de forma alguma, uma forma de desqualificar seu trabalho. Ao contrário. Acredito que a aspiração de todo historiador é, justamente, conseguir chegar o mais próximo possível dos fatos antigos tais como realmente ocorreram. Assim, ao "corrigir" alguns equívocos, estamos contribuindo para a soma dos esforços de desanuviar as brumas que cobrem partes da história. Nada impede, também, que no futuro algum outro escritor nos corrija, uma vez que tenha acesso a documentos primários inéditos. Na minha opinião, essa é uma das "belezas" da pesquisa histórica.


Atualmente, a principal fonte sobre a história de São Pedro do Itabapoana é o livro de Grinalson Francisco Medina, cujo título é "História do antigo município de São Pedro do Itabapoana, Estado do Espírito Santo - páginas de nossa terra.", publicado em 1961 pela editora Viper Artes Gráficas, do Rio de Janeiro. O livro foi montado e escrito durante a década de 1930. É um trabalho de compilação de dados e de fontes, reportagens de jornais e estatísticas, dentre outras informações garimpadas pelo seu autor. Não é um trabalho crítico; foi escrito como uma sucessão de fatos colhidos e selecionados por Medina. Mesmo assim, é um trabalho grandioso que cumpriu sua função e, graças a ele, temos um rico inventário de fontes sobre a antiga São Pedro do Itabapoana.

Quando Grinalson Medina escreve sobre os primórdios de São Pedro do Itabapoana, porém, comete uma série de equívocos. A principal fonte usada por Medina para escrever sobre os tempos mais recuados foi o Dicionário Histórico sobre o Espírito Santo, de autoria de Cezar Marques, publicado em 1879. Talvez tentando "encaixar" fatos históricos antigos que tenha ouvido de pessoas mais velhas, Medina acaba criando fatos inexistentes; e na busca de dar "ordem ao caos", acaba metodizando certas passagens antigas de modo precário e temerário, sem fontes que as fundamentam.

Assim, Medina "criou" uma aldeia indígena que nunca existiu, chamada de Aldeia de São Pedro Apóstolo, que ficaria nas proximidades do antigo povoado de Limeira, próximo da antiga cachoeira do Inferno (também chamada "das Garças"). Não há documento algum que comprova a existência dessa aldeia. Ao contrário: quando os primeiros exploradores de madeira (re)atingiram as primeiras cachoeiras do Itabapoana, na década de 1830, encontraram a região completamente desabitada, a não ser pela aparição pouco frequente de pequenos grupos de índios puris que viviam nos sertões do então chamado, oficialmente, Rio Camapuan. Medina, provavelmente, confundiu um aldeamento de índios puris fundado na década de 1820, que existiu sob o nome de São Pedro do Aldeamento e que ficava onde hoje está São Pedro Rattes, em Guaçuí, também na bacia do Itabapoana. Essa é a única explicação plausível que encontrei para a confusão de Grinalson Medina no que toca a essa matéria.

Medina, também, acabou criando confusão ao tentar "dar ordem ao caos" em relação aos grupos indígenas existentes em São Pedro do Itabapoana, quando de sua ocupação pelos primeiros posseiros. Citou, por exemplo, os goitacazes, que já não existiam e nem eram citados a mais de 150 anos. "Criou" três tribos, que tinham como "bases" as bacias dos principais rios da região (Muqui do Sul, São Pedro e Barra Alegre), elencando seus respectivos "chefes". Foi infeliz até da "tradução" dos nomes Itabapoana e Muqui, levantando hipóteses totalmente desprovidas de fundamento linguístico.

Mas, a despeito desses equívocos, o trabalho de Grinalson Medina é importantíssima fonte para a história de São Pedro de Itabapoana e de Mimoso do Sul, bem como de todo o médio Itabapoana. É admirável a capacidade do autor de coligir dados, inclusive relatos colhidos em pesquisas de história oral. Basta analisar o texto com a devida crítica histórica para se verificar que Medina, grosso modo, foi um grande pesquisador e que, graças a ele, muitos dados que hoje estariam totalmente perdidos foram preservados. Grande parte dos erros sobre os primeiros fatos ocorridos na época da entrada dos primeiros posseiros dizem respeito a datas. Mas os fatos, via de regra, são corretos. E essa contribuição de Medina é inestimável para nortear o pesquisador atual.

Por exemplo, a história do "primeiro posseiro da nossa zona". Essa história foi colhida por Grinalson junto aos seus parentes mais velhos, bem como junto à família desse primeiro posseiro. Os Medina, importante informar, foram das primeiras famílias que migraram de Minas Gerais e se estabeleceram naquelas matas do sul do Espírito Santo. Foi um seu tio-avô, chamado de Martinho Francisco Medina, por exemplo, que abriu uma das primeiras fazendas nas margens do Itabapoana acima das primeiras cachoeiras, e que foi o primeiro comerciante do que mais tarde se transformaria no povoado de Limeira do Itabapoana. Foi graças ao esforço dos Medina, e de mais dois outros fazendeiros, que se tornou franca a navegação desde a Barra do Itabapoana até Limeira. Até então, o "transbordo" das mercadorias na região era feito por precárias estradas, que mais se pareciam picadas e trilhas, que iam até Campos, no norte do Rio de Janeiro.

Encontrei, em minhas pesquisas, alguns documentos que corroboram a assertiva de que foi Francisco José Lopes da Rocha o primeiro posseiro das cabeceiras do ribeirão São Pedro e de partes médias do rio Muqui do Sul, tal como asseverou Grinalson Medina. Essa "situação" era chamada de "Posse do Lopes". Medina, porém, errou na data. Não foi em 1837 que Lopes da Rocha posseou na região. "Descobri" é que sua posse é posterior a 1843, e anterior a 1846. E, assim como tentei "decifrar" a confusão sobre a Aldeia de São Pedro, também tentei entender o porquê do equívoco em relação à data. Tenho a minha tese: foi em 1837 que foi organizada a primeira "expedição" de mineiros que desceram o Rio Preto (nome que os mineiros davam ao Itabapoana em suas cabeceiras) e que exploraram o rio até as suas últimas cachoeiras. Lopes da Rocha teria participado dessa expedição? Resposta que não podemos dar, ao menos com os documentos que dispomos atualmente. Mas a coincidência das datas é indício de que Medina usou a data dessa primeira expedição, equivocadamente, para temporalizar a chegada do primeiro posseiro.

Importante dizer, também, quanto aos primeiros posseiros: antes de Lopes da Rocha, já existiam alguns posseiros nas regiões que hoje fazem parte dos municípios de São José do Calçado, Bom Jesus do Norte e Apiacá. Assim, Lopes da Rocha teria sido o primeiro posseiro a "subir" a então chamada de "Serra dos Puris", divisor de águas entre os ribeirões São Pedro/Muqui do Sul e os de Boa Vista/Barra Alegre. Essa região foi a que nucleou a formação do que, posteriormente, se transformaria no município de São Pedro do Itabapoana. Também é importante dizer que já existiam posseiros em regiões que, hoje, fazem parte do município de Mimoso do Sul. Estavam situados em regiões que hoje pertencem ao distrito de São José das Torres, nas imediações da barra do Rio Preto e margens do Itabapoana, perto da divisa com o atual município de Presidente Kennedy.

Uma figura ainda nebulosa na história de São Pedro do Itabapoana é a de Manoel Joaquim Pereira, tido como o homem que doou três alqueires de terreno para o patrimônio de São Pedro de Alcântara, onde alguns anos mais tarde surgiria o primitivo arraial e atual vila de São Pedro do Itabapoana. Esse homem é citado por Grinalson Medina, bem como por outro importante pesquisador da história da região: José Olympio de Abreu (pai do futuro prefeito de Mimoso do Sul, Dr. Olympio de Abreu). Medina não informa data, nem da chegada de Manoel Joaquim (informando, contudo, que foi antes de 1850), nem da doação das terras para o patrimônio; informa, porém, a data da construção da Capela: 19 de outubro de 1855. José Olympio, em trabalho publicado em 1936, informa que Manoel Joaquim Pereira teria sido o primeiro a tomar posse na região da atual vila de São Pedro, e informa a data de 1852 como a da doação para o patrimônio, "marco" inicial do arraial; informa também a data de construção da Capela: 1869.

Trabalhos posteriores, de historiadores regionais, acabaram "mesclando" essas informações, e construindo a versão que atualmente é aceita. Na década de 1940, sedimentou-se a versão da data de doação do patrimônio por Manoel Joaquim Pereira, tese de José Olympio: 1852, embora Grinalson Medina não corroborasse essa data. Na década de 1960, somou-se essa informação da doação do patrimônio com a da construção da Capela, tese de Grinalson Medina: 1855.

Nem Grinalson Medina, nem José Olympio de Abreu, conseguiram mais informações sobre Manoel Joaquim Pereira. Não conseguiram dados sobre sua procedência, sua descendência, suas relações parentais, suas atividades, nada. Esse homem simplesmente "sumiu" da história, e sua única aparição se dá na doação desse patrimônio. Eu, assim como eles, nunca consegui encontrar documentos sobre este que teria sido um dos primeiros posseiros de São Pedro do Itabapoana. É como se nunca tivesse existido, a não ser para fazer essa doação. Teria sido apenas um "tirador de posse", figura comum na época, que abria a posse e a vendia logo depois? Fato concreto, e que posso afirmar com minhas pesquisas, é que quando o arraial foi surgindo, na década de 1860, Manoel Joaquim Pereira não se encontrava mais em São Pedro.

Mas, afinal, quem estaria correto? Quando teria sido construída a Capela de São Pedro de Alcântara? Teria sido em 1855, como atesta Grinalson? Ou em 1869, como informa Olympio? A minha resposta segue na PARTE 2.

3 comentários:

  1. Gerson,
    Pesquiso os Lopes da Rocha, sendo eu bisneto de Francisco Lopes da Rocha,nascido em 1835, que veio de Argirita/MG para Conceição do Castelo/ES, no entorno do ano 1860. Localizei os testamentos e/ou inventário do pai dele (Manoel Lopes da Rocha, falecido em 1880 -Conceição do Castelo/ES), do avô dele (Joaquim Lopes da Rocha,falecido em Barbacena/MG, em 1829 ) e do bisavô dele (Manoel Lopes da Rocha, falecido em Itaverava/MG em 1799). O que me chama a atenção que os nomes dos diversos Lopes da Rocha, de Mimoso e Muqui, são repetições de nomes que aparecem desde 1717 (quando nasceu o primeiro Lopes da Rocha, o Manoel falecido em 1799, filho de Pedro Lopes (LOpes de Oliveira) e de Jeronima da Rocha (Rocha do Canto). Tudo leva a crer que os Lopes da Rocha , da sua região seja descendentes do meu pentavô Manoel Lopes da Rocha, falecido em Itaverava/MG, em 1799. Voce que conhece a região de Mismoso e entorno saberia dizer me sobre alguem descendente deste Francisco José Lopes da Rocha pioneiro da ocupação do território. Meu email: jfdestefani@uol.com.br tel 27 999499482

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  2. Por favor estou buscando esse livro História do antigo município de São Pedro do Itabapoana - Estado do Espírito Santo - páginas de nossa terra 1534-1931 mas não encontro, pode me ajudar?

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  3. Demorei muito a descobrir que São Pedro de Alcântara era na verdade São Pedro de Itabapuana (Mimoso do Sul). Para essa confirmação, seu artigo foi fundamental. Tudo isso porque meu avô casou-se nessa igreja! Segundo algumas informações, os documentos dela foram todos para uma outra paróquia. Vc saberia me informar qual?

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