Quando comecei minhas pesquisas sobre Mimoso do Sul, logo me deparei com o já clássico livro de Grinalson Medina, que trata da história de São Pedro do Itabapoana; isso foi no ano de 1997, salvo engano.
Nessa época eu freqüentava assiduamente o ainda Departamento de Cultura, recém criado em Mimoso. Ficava a tarde toda conversando sobre a história de nossa cidade com Rosângela Guarçoni, que chefiava aquele setor, e com o meu amigo Diego Meloni.
E um assunto veio à baila numa dessas eternas conversas: O Padre Jesuíta José de Anchieta teria pisado em terras que atualmente pertencem ao Município de Mimoso do Sul?
O livro de Grinalson Medina reza que o Padre Anchieta foi o fundador do que ele chama de “6ª Aldeia de Camapuana”, que ficava localizada nas proximidades da cachoeira de Limeira, atualmente chamada de cachoeira das garças, ou do inferno. Informa até o mês e ano da fundação: agosto de 1587. Essa Aldeia era subordinada à Igreja de Nossa Senhora das Neves de Muribeca, que estava localizada em territórios que hoje pertencem ao Município de Presidente Kennedy. Segundo Medina, Muribeca foi fundada pelo Padre Anchieta e pelo Padre Almada, em agosto de 1581.
Interessei-me muito pelo assunto, e resolvi pesquisar mais a respeito. Infelizmente, o livro de Grinalson Medida não possui citações e bibliografia, de modo que eu não pude saber onde foi que ele bebeu os referidos dados. Faltava fundamentação documental em seu trabalho, e então eu resolvi correr atrás de documentos que pudessem sacramentar essa “teoria”.
Comecei pelos clássicos Dicionários Históricos antigos que tratam do Estado do Espírito Santo. Em um deles, chamado de “Diccionario Historico, Geographico e Estatistico da Provincia do Espirito Santo”, organizado e escrito pelo autor César Augusto Marques e publicado no ano de 1878, encontrei referências sobre Muribeca e sobre o Padre Almada, mas nada sobre a tal “6ª Aldeia de Camapuana” ou sobre a possibilidade destas terem sido fundadas pelo Padre Anchieta.
Assim está descrito o verbete:
Muribeca – povoação no districto da Villa de Itapemirim.
Tem uma capella, que é filial da freguezia de Nossa Senhora do Amparo de Itapemirim.
Foi em seu princípio uma fazenda de Jesuítas, perto do rio Cabapuana, com uma capella invocando de Nossa Senhora das Neves, filial em 1771 da Igreja da Conceição da povoação de Minas do Castello, e hoje da Villa de Itapemirim.
Esta fazenda ou colônia foi fundada pelo Jesuíta padre Almada, que nos campos encontrou índios, escravisou-os a princípio e depois foram administrados.
(...)
Augusto Marques, porém, não cita data para a fundação da capela, nem da fazenda. Não encontrei em nenhum outro “Diccionario” ou “Annuario” qualquer referência mais que àquelas. “Garimpei” em todos os livros antigos que pude. Algo estava faltando, e alguma coisa estava estranha...
Eu já conhecia a obra de Serafim Leite, o maior e melhor pesquisador que escreveu sobre a história da Companhia de Jesus no Brasil. Já até havia lido os seus volumes, mas não me lembrava de ter visto nada sobre “6º Aldeia de Camapuana”, ou sobre o padre Anchieta ter fundado um aldeamento no rio Itabapoana. Resolvi ler de novo.
E eis que encontro as informações que eu queria. Infelizmente, porém, os documentos não corroboravam as citações de Grinalson Medina. Segundo Serafim Leite, a capela de NS das Neves e a fazenda da Muribeca foram fundadas pelo Padre André de Almeida (e não “Almada” – Augusto Marques, que não vivia no Espírito Santo, foi posteriormente criticado por ter cometido pontuais erros em seu trabalho) em meados do século XVII, por volta de 1620. Ora, essa data é cerca de quatro decênios após as datas citadas por Grinalson Medida em seu livro! No princípio a fazenda era de plantação de cana de açúcar, mas a produção era deficitária devido aos terrenos arenosos da região, e antes do raiar do século XVIII já havia se transformado em fazenda de criação de gado.
Outro fato: o Padre Anchieta faleceu em 1597. Assim, segundo o irrefutável Serafim Leite, que pesquisou nos arquivos contendo os documentos originais da Companhia de Jesus, Neves e Muribeca foram fundadas após a morte de Anchieta. Os jesuítas sempre foram muito metódicos com os registros de seus trabalhos, e os padres da Companhia deixaram inúmeras “cartas ânuas”, além de uma série de outros documentos que hoje podem ser lidos na íntegra. É praticamente impossível que o padre Anchieta não tenha registrado a fundação de uma capela e de um aldeamento, bem como não os tenha citado em nenhuma de suas correspondências posteriores. E, se não há documentos comprobatórios, as citações de Grinalson Medida não podem ser considerados como “fato histórico”; sem citar documentos ou bibliografia onde bebeu das informações, os fatos narrados por Medida não passam de simples teoria sem provas.
Mesmo assim, resolvi pesquisar sobre todos os passos do padre José de Anchieta. Os trabalhos que o citam são vários, e sua vida é totalmente esmiuçada e conhecida. E eis que vem a prova inequívoca de que o padre Anchieta não fundou Neves e Muribeca, ao menos não no ano de 1581, como informa Medina. Em 1581 Anchieta ficou muito doente, e só transitou entre a Bahia e Pernambuco, não visitando as Capitanias do sul neste ano.
E quanto a tal “6ª Aldeia de Camapuana”? Bom, inexiste em toda a historiografia menção sobre essa Aldeia. Simplesmente não há trabalho algum, não há documento algum, que cite essa Aldeia com esse nome. E como Grinalson Medida não indexou seu escrito, não podemos levá-lo em consideração como fato histórico.
E para terminar: ao menos estaria o padre Anchieta, em agosto de 1587, quando Medida diz ter sido fundada a “6ª Aldeia de Camapuana”, na região do Itabapoana? A resposta novamente enterra a suposta fundação. Em agosto de 1587 o padre Anchieta estava na Capitania do Rio de Janeiro, e existe registro de que no dia 10 deste mês ele estava em Niterói, na aldeia dos índios temiminós, aonde assistiu a representação do auto da Pregação Universal por ocasião da festa de São Lourenço. Em outubro, Anchieta viaja até o Espírito Santo, mas o jesuíta vem direto para Vitória, sem tocar em outros portos; em dezembro ainda estava na capital da Capitania.
Mas nem tudo está perdido! O padre André de Almeida, jesuíta natural de Santos, na Capitania de São Vicente, logo após fundar a capela de Nossa Senhora das Neves e o que depois seria a Fazenda da Muribeca por volta do ano de 1620, organizou um aldeamento de índios na região das primeiras cachoeiras do rio Itabapoana. Eram poucos índios tupis, deslocados da Aldeia de Reriritiba (atualmente cidade de Anchieta/ES) para ocuparem esse novo aldeamento. Esse pequenino núcleo de silvícolas recebeu o nome de aldeia de São Pedro Apóstolo, e subsistiu precariamente por mais de dois séculos, chegando mesmo a sofrer pequenas investidas dos goitacases. Na época que foram fundados os aldeamentos de índios puris no baixo vale do Paraíba, a referida aldeia era coloquialmente chamada de “São Pedro do Norte”, sendo também chamada de "São Pedro de Limeira".
Gerson Moraes França
Nessa época eu freqüentava assiduamente o ainda Departamento de Cultura, recém criado em Mimoso. Ficava a tarde toda conversando sobre a história de nossa cidade com Rosângela Guarçoni, que chefiava aquele setor, e com o meu amigo Diego Meloni.
E um assunto veio à baila numa dessas eternas conversas: O Padre Jesuíta José de Anchieta teria pisado em terras que atualmente pertencem ao Município de Mimoso do Sul?
O livro de Grinalson Medina reza que o Padre Anchieta foi o fundador do que ele chama de “6ª Aldeia de Camapuana”, que ficava localizada nas proximidades da cachoeira de Limeira, atualmente chamada de cachoeira das garças, ou do inferno. Informa até o mês e ano da fundação: agosto de 1587. Essa Aldeia era subordinada à Igreja de Nossa Senhora das Neves de Muribeca, que estava localizada em territórios que hoje pertencem ao Município de Presidente Kennedy. Segundo Medina, Muribeca foi fundada pelo Padre Anchieta e pelo Padre Almada, em agosto de 1581.
Interessei-me muito pelo assunto, e resolvi pesquisar mais a respeito. Infelizmente, o livro de Grinalson Medida não possui citações e bibliografia, de modo que eu não pude saber onde foi que ele bebeu os referidos dados. Faltava fundamentação documental em seu trabalho, e então eu resolvi correr atrás de documentos que pudessem sacramentar essa “teoria”.
Comecei pelos clássicos Dicionários Históricos antigos que tratam do Estado do Espírito Santo. Em um deles, chamado de “Diccionario Historico, Geographico e Estatistico da Provincia do Espirito Santo”, organizado e escrito pelo autor César Augusto Marques e publicado no ano de 1878, encontrei referências sobre Muribeca e sobre o Padre Almada, mas nada sobre a tal “6ª Aldeia de Camapuana” ou sobre a possibilidade destas terem sido fundadas pelo Padre Anchieta.
Assim está descrito o verbete:
Muribeca – povoação no districto da Villa de Itapemirim.
Tem uma capella, que é filial da freguezia de Nossa Senhora do Amparo de Itapemirim.
Foi em seu princípio uma fazenda de Jesuítas, perto do rio Cabapuana, com uma capella invocando de Nossa Senhora das Neves, filial em 1771 da Igreja da Conceição da povoação de Minas do Castello, e hoje da Villa de Itapemirim.
Esta fazenda ou colônia foi fundada pelo Jesuíta padre Almada, que nos campos encontrou índios, escravisou-os a princípio e depois foram administrados.
(...)
Augusto Marques, porém, não cita data para a fundação da capela, nem da fazenda. Não encontrei em nenhum outro “Diccionario” ou “Annuario” qualquer referência mais que àquelas. “Garimpei” em todos os livros antigos que pude. Algo estava faltando, e alguma coisa estava estranha...
Eu já conhecia a obra de Serafim Leite, o maior e melhor pesquisador que escreveu sobre a história da Companhia de Jesus no Brasil. Já até havia lido os seus volumes, mas não me lembrava de ter visto nada sobre “6º Aldeia de Camapuana”, ou sobre o padre Anchieta ter fundado um aldeamento no rio Itabapoana. Resolvi ler de novo.
E eis que encontro as informações que eu queria. Infelizmente, porém, os documentos não corroboravam as citações de Grinalson Medina. Segundo Serafim Leite, a capela de NS das Neves e a fazenda da Muribeca foram fundadas pelo Padre André de Almeida (e não “Almada” – Augusto Marques, que não vivia no Espírito Santo, foi posteriormente criticado por ter cometido pontuais erros em seu trabalho) em meados do século XVII, por volta de 1620. Ora, essa data é cerca de quatro decênios após as datas citadas por Grinalson Medida em seu livro! No princípio a fazenda era de plantação de cana de açúcar, mas a produção era deficitária devido aos terrenos arenosos da região, e antes do raiar do século XVIII já havia se transformado em fazenda de criação de gado.
Outro fato: o Padre Anchieta faleceu em 1597. Assim, segundo o irrefutável Serafim Leite, que pesquisou nos arquivos contendo os documentos originais da Companhia de Jesus, Neves e Muribeca foram fundadas após a morte de Anchieta. Os jesuítas sempre foram muito metódicos com os registros de seus trabalhos, e os padres da Companhia deixaram inúmeras “cartas ânuas”, além de uma série de outros documentos que hoje podem ser lidos na íntegra. É praticamente impossível que o padre Anchieta não tenha registrado a fundação de uma capela e de um aldeamento, bem como não os tenha citado em nenhuma de suas correspondências posteriores. E, se não há documentos comprobatórios, as citações de Grinalson Medida não podem ser considerados como “fato histórico”; sem citar documentos ou bibliografia onde bebeu das informações, os fatos narrados por Medida não passam de simples teoria sem provas.
Mesmo assim, resolvi pesquisar sobre todos os passos do padre José de Anchieta. Os trabalhos que o citam são vários, e sua vida é totalmente esmiuçada e conhecida. E eis que vem a prova inequívoca de que o padre Anchieta não fundou Neves e Muribeca, ao menos não no ano de 1581, como informa Medina. Em 1581 Anchieta ficou muito doente, e só transitou entre a Bahia e Pernambuco, não visitando as Capitanias do sul neste ano.
E quanto a tal “6ª Aldeia de Camapuana”? Bom, inexiste em toda a historiografia menção sobre essa Aldeia. Simplesmente não há trabalho algum, não há documento algum, que cite essa Aldeia com esse nome. E como Grinalson Medida não indexou seu escrito, não podemos levá-lo em consideração como fato histórico.
E para terminar: ao menos estaria o padre Anchieta, em agosto de 1587, quando Medida diz ter sido fundada a “6ª Aldeia de Camapuana”, na região do Itabapoana? A resposta novamente enterra a suposta fundação. Em agosto de 1587 o padre Anchieta estava na Capitania do Rio de Janeiro, e existe registro de que no dia 10 deste mês ele estava em Niterói, na aldeia dos índios temiminós, aonde assistiu a representação do auto da Pregação Universal por ocasião da festa de São Lourenço. Em outubro, Anchieta viaja até o Espírito Santo, mas o jesuíta vem direto para Vitória, sem tocar em outros portos; em dezembro ainda estava na capital da Capitania.
Mas nem tudo está perdido! O padre André de Almeida, jesuíta natural de Santos, na Capitania de São Vicente, logo após fundar a capela de Nossa Senhora das Neves e o que depois seria a Fazenda da Muribeca por volta do ano de 1620, organizou um aldeamento de índios na região das primeiras cachoeiras do rio Itabapoana. Eram poucos índios tupis, deslocados da Aldeia de Reriritiba (atualmente cidade de Anchieta/ES) para ocuparem esse novo aldeamento. Esse pequenino núcleo de silvícolas recebeu o nome de aldeia de São Pedro Apóstolo, e subsistiu precariamente por mais de dois séculos, chegando mesmo a sofrer pequenas investidas dos goitacases. Na época que foram fundados os aldeamentos de índios puris no baixo vale do Paraíba, a referida aldeia era coloquialmente chamada de “São Pedro do Norte”, sendo também chamada de "São Pedro de Limeira".
Gerson Moraes França
Gostei muito do seu blog.
ResponderExcluirMeu avô foi dono da parte da Fazenda Muribeca, onde ficava localizado o casarão principal (Cheguei a conhecê-lo qd criança, tinha: tronco).
Quando o meu pai e um tio herdaram essa parte de terra, eles desmancharam o sobrado.
Temos um casebre construido com os tijolos deste casarão; eles são enormes.
É uma pena que não preservamos a nossa história.
Gostaria de saber mais sobre a Fazenda Muribeca.
Olá!
ResponderExcluirPossuo mais dados sobre a Fazenda Muribeca; se o senhor se interessar, entre em contato!
Meu e-mail: gersonfranca@gmail.com
Grande abraço,
Gerson França