segunda-feira, 14 de agosto de 2023

O Dia que Bieca Derrubou a Ponte

Mimoso em 1908 (foto de Eutychio dÓliver).
No centro, pode-se ver a ponte sobre o rio Muqui, reformada e já com as cabeceiras de alvenaria.

Quando foi aberta a primeira clareira no que futuramente seria a fazenda do Mimoso, em meados dos anos 1840, pelo posseiro José Lopes Diniz e seus trabalhadores, não havia caminho algum até o local, a não ser uma estreita e tortuosa picada desde o porto do Prata, no rio Muqui do Sul. Na primeira metade dos anos 1850 a posse do Mimoso foi adquirida pelo capitão Pedro Ferreira da Silva e foi aberta a fazenda, com grandes derrubadas que, depois de preparadas, dariam origem aos extensos cafezais que fariam a riqueza de seus proprietários. No final nos anos 1850 era aberto o primeiro caminho mais regular, que ligava a fazenda ao porto da Limeira, no rio Itabapoana e, nos anos 1860, era concluída a estrada que ligava o Cachoeiro do Itapemirim aos cachoeiros do Itabapoana, na Limeira, passando pela fazenda do Mimoso, de onde se fazia a passagem pelas duas margens do rio Muqui do Sul. A travessia, nesses tempos, era feita a vau, em precárias pinguelas ou em canoas, mas seu trânsito era muito pequeno.

Essa realidade iria mudar nos anos 1880. Em 1879 foi inaugurada a estação da estrada de ferro em Santo Eduardo, defronte ao rio Itabapoana no norte do Estado do Rio de Janeiro, que ligava esse distrito à cidade de Campos (RJ) e, via reflexa, à capital do Império, de onde a rubiácea era levada aos países compradores. E a partir de então as exportações do café produzido em grande parte do vale do Itabapoana e também nas regiões mais vizinhas seriam escoadas por esse terminal ferroviário. O trânsito das tropas carregadas com os sacos de café deslocou-se para esse ponto escoador, gerando mais movimento na estrada e a necessidade de se construir uma ponte sobre o rio Muqui do Sul, bem na frente da sede da fazenda do Mimoso.

Assim, em 1884, ao custo de 320$000 (trezentos e vinte mil réis) pagos pelos cofres públicos do município de Cachoeiro do Itapemirim, foi construída a primeira ponte sobre o rio Muqui do Sul em frente da fazenda Mimoso. Juntamente com essa obra, foram reformadas as estradas de Cachoeiro ao Mimoso, e também a que da fazenda Mimoso ia ter a Santo Eduardo. Essas estradas foram melhoradas com dinheiro do município e da província, mas também tiveram muitos de seus melhoramentos financiados pelos proprietários dos terrenos por onde passavam, pouco antes de serem executadas as obras públicas. Quanto a ponte, era ela toda feita de madeira, com seus pilares de base e os assoalhos colocados por cima.

Nessa época, o capitão Pedro Ferreira da Silva havia partido a pouco. Faleceu em junho de 1882 e a fazenda Mimoso passou a ser administrada por um de seus filhos, Gabriel Ferreira da Silva, que lá fixou residência na mesma época dos melhoramentos das estradas e da construção da ponte sobre o rio Muqui do Sul. Filho de um rico fazendeiro, Gabriel, apelidado de "Bieca", também era dono ou coproprietário de outras grandes fazendas cafeeiras e já tinha sido até deputado da Assembleia Provincial do Espírito Santo. Segundo os seus detratores, era um homem de difícil trato. E a movimentação dos transeuntes na nova estrada que passavam pela nova ponte, em frente da grande casa sede da fazenda Mimoso, o incomodava bastante. Quando passava algum viandante, já ia o Bieca gritar palavras ofensivas.

Tal estado de coisas o irritou ao ponto dele decidir, depois de alguns anos de aborrecimentos, derribar a ponte e mudar o curso da estrada. Assim, no dia 21 de janeiro de 1890, Bieca desmanchou todo o assoalho da ponte e demoliu parte da estrutura, inutilizando também um trecho da estrada, que substituiu por um caminho contíguo ao seu engenho, em uma região pantanosa. Tal ato do mandão de aldeia, porém, não passou sem reclamações de outros fazendeiros que utilizavam a ponte e a estrada. Poucos anos após, a ponte foi reconstruída; depois, porém, que Bieca foi residir lá para as bandas da fazenda Santa Marta e Santa Rita.

Bieca se meteu em vários casos, antes e depois desse episódio. Portador de uma doença degenerativa que o prendeu a cadeira de rodas, teve certa vez a casa de sua fazenda invadida por trabalhadores da linha ferroviária que estava sendo construída, que custou a vida do seu feitor. Também sofreu, certa feita, um ataque de bombas que explodiram por baixo de sua casa, sem causar maiores danos além do susto e de ter que se arrastar pelo chão. Pior talvez tenha sido quando foi esfaqueado por um molecote, filho de um ex-escravo de sua fazenda, que não aceitou ser mal tratado pelo paxá.

Depois que Bieca deixou a fazenda Mimoso, inicia-se um lento processo que, sob a administração dos irmãos Monteiro da Silva, genros do irmão de Gabriel, daria início ao gérmen do futuro núcleo urbano conhecido hoje como Mimoso do Sul. Importante que se diga: para o capitão Pedro Ferreira da Silva, Mimoso nunca foi mais do que simplesmente a sua fazenda. E, se dependesse do Bieca, filho do finado capitão Pedro, nem gente passaria por ali. Mimoso veio a crescer não graças ao Gabriel Ferreira da Silva, mas APESAR do Bieca e de suas manias.

Gerson Moraes França

8 comentários:

  1. Obrigada por compartilhar tantas histórias maravilhosas.

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  2. Sensacional. Sugiro publicar um livro com todas as crônicas e fatos de nossas terras.

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  3. Que história maravilhosa, eu gosto muito de ler assuntos sobre nossa cidade, parabéns ao ilustre que escreveu sobre o nosso MIMOSO.

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  4. Ao amigo Gerson França, meus parabéns ao historiador .

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  5. Intolerância e abuso de poder,em todo os tempos,desde que o ser humano necessitou de viver em conjunto!!

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  6. Parabéns pelo belo texto!

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