Quando o agente cultural, ou o jornalista, o memorialista e até o historiador querem demonstrar, para o visitante ou o leitor, como São Pedro do Itabapoana foi uma cidade próspera no passado, é comum que elenquem algumas das coisas que existiam por lá. Assim, falam dos jornais, do cinema, das farmácias, dentre outras coisas mais. E também falam de dois estabelecimentos fabris que existiram em São Pedro do Itabapoana: a fábrica de tecidos e a fábrica de ferraduras (que era, na verdade, fábrica "semi-artesanal" de manufatura de ferragens em geral, embora especializada na produção de ferraduras).
E hoje, em um artigo que espero não ser muito grande, resolvi falar um pouco sobre um desses estabelecimentos fabris: a Fábrica de Tecidos São Pedro Ltda. E nem é possível falar muito, porque são bem escassas as fontes documentais primárias sobre essa fábrica. É possível que uma pesquisa mais apurada e específica encontre mais dados, especialmente tributários, sobre a fábrica em questão; mas, enquanto não posso "fuçar" os livros de lançamentos tributários de São Pedro do Itabapoana (que, pelo menos até a última enchente, estavam conservados no setor de arrecadação, no primeiro andar do prédio da Prefeitura) e algum registro no Arquivo Público estadual que possa ter subsistido, vamos com o que temos em mãos.
Não se sabe a data precisa da abertura da fábrica. Mas uma coisa se sabe: foi posterior à chegada da luz elétrica em São Pedro do Itabapoana, fornecida pela Usina Aparecida, da empresa Companhia de Eletricidade Muqui do Sul. A inauguração da luz elétrica em São Pedro, conforme nos informa Grinalson Medida, ocorreu no dia 04 de fevereiro de 1922. Até então, a cidade era apenas iluminada à gás acetileno, e não havia energia para alimentar estabelecimentos como, por exemplo, as fábricas ou o cinema. Qualquer empreendimento que demandasse o consumo de "muita" energia dependia, antes da chegada da energia elétrica, de geradores privados. Muitas Fazendas, por exemplo, tinham geradores próprios para iluminar suas sedes e movimentar seus engenhos ou suas máquinas de beneficiar café.
Assim, podemos apenas presumir, mais ou menos, quando foi inaugurada a fábrica. Em 1929 sabe-se, por registro contemporâneo, que a fábrica já existia. Em um memorial cuja data parece ser 1927, a fábrica, considerada "nova", já aparece como existente. Há também uma menção, embora não conclusiva, de que a fábrica já funcionava quando ainda vivia Victor Leite, fazendeiro em Mimoso. E há também um relatório da Secretaria de Agricultura, Terras e Obras do Estado, datado de 1926 (mas com dados em 1925) que não cita a existência da fábrica na "seção" que trata dos estabelecimentos fabris têxteis no Espírito Santo. Assim, com base nesses dados acima, presumo que a Fábrica de Tecidos São Pedro tenha sido fundada em algum momento entre 1926 e 1927. Mas, lembramos ao leitor, é apenas uma presunção.
Quanto ao nome da fábrica e quanto ao proprietário fundador, não há duvidas. O estabelecimento chamava-se Fábrica de Tecidos São Pedro Ltda, e seu dono era o coronel Clarindo Lino da Silveira. Clarindo Lino, "chefe político" de São Pedro na década de 1920, era um rico proprietário de várias fazendas de café, que diversificou seus investimentos na época "áurea" da rubiácea. Além do café, "mola-mestra" da economia do sul do Estado e que criou ou sedimentou fortunas na década de 1920, Clarindo Lino investiu na produção de algodão (que, até a inauguração da sua fábrica de tecidos, era toda vendida para a Fábrica de Tecidos de Cachoeiro de Itapemirim), e também na pecuária (anos mais tarde a sua empresa Agropecuária Itabapoana seria uma das mais ricas não só do Estado, mas também do país). Clarindo Lino também investiu na construção da uma Usina na fazenda União (mais tarde vendida), que produzia aguardente e um pouco de açúcar. Enfim, com os enormes capitais que o café proporcionou nessa época, Clarindo Lino, que já era fazendeiro e comerciante, tornou-se também um industrial.
Fato interessante, que pode guardar alguma relação, ou não, é que o pai de Clarindo Lino (João Lino da Silveira), bem como ele próprio por um bom tempo, foi "jeronimista"; era "seguidor" da corrente política do Partido Republicano Espírito-santense chefiada pelo ex-Presidente do Estado, e então Senador, Jerônimo Monteiro. Sabe-se do esforço industrializante levado a efeito por Jerônimo Monteiro quando governou o Estado entre 1908 e 1912 (quando João Lino tornou-se, inclusive, o "chefe político" de São Pedro), e que dentre os empreendimentos havia uma fábrica de tecidos em Cachoeiro de Itapemirim e uma usina de açúcar e aguardente em Paineiras. Foi exatamente na época que Jerônimo Monteiro passou para a oposição, em 1920, que João Lino pouco depois "entregou" o comando político do Município e "passou o bastão" para o seu filho Clarindo Lino, que sedimentou-se na liderança política de São Pedro no "bojo" da política "neutra" do Presidente Nestor Gomes (1920-1924) para a região. Se as idéias industrializantes jeronimistas influenciaram, ou não, as atividades industriais privadas de Clarindo Lino na década de 1920, talvez nunca saibamos; mas não é algo improvável.
Bom, retornemos. Inaugurada em algum momento entre os anos de 1926 e 1927, a Fábrica de Tecidos São Pedro Ltda era abastecida pela pequena produção de algodão existente nos Municípios de São Pedro, Ponte de Itabapoana e vizinhos; mas precisava importar matéria prima de fora do Estado para funcionar. Há o registro, em 1927, de dois desses pequenos produtores de algodão em São Pedro do Itabapoana; curiosamente, ambos eram italianos: Quineu Quitetti e Vicente Manvetti. Clarindo Lino, inclusive, estimulava a produção de algodão em São Pedro, embora sem muito sucesso. Até a crise de 1929, poucos eram os que investiam capitais e trabalho em lavouras que não fossem a cafeeira e as de subsistência, como milho, arroz e feijão. Interessante é que, na década de 1930, buscando diversificar a produção agrícola no Estado e diminuir a dependência em relação ao café, o governo do Interventor João Punaro Bley estimulou muito a produção de algodão, com reflexos em São Pedro.
A Fábrica de Tecidos São Pedro possuía 20 teares, importados da Inglaterra. Produzia o algodão em fio, que era exportado, e tecidos grossos como brins e riscados, utilizados principalmente para a confecção de sacos, mas que também foram utilizados para confeccionar roupas mais grosseiras usadas, principalmente, por trabalhadores rurais. Para efeitos de comparação, na mesma época, a Fábrica de Tecidos em Cachoeiro de Itapemirim possuía 161 teares e empregava 287 operários (101 homens e 186 mulheres). Não há registro de quantos operários trabalhavam na fábrica de São Pedro mas, se usarmos da mesma proporção da fábrica de Cachoeiro, não seria impossível que tenha empregado até 35 pessoas em algum momento de sua existência.
Não sabemos em que medida a crise de 1929 abalou a fábrica de tecidos em São Pedro, mas é fato que não foi suficiente para abalá-la substancialmente. Na década de 1930, inclusive, a produção da fábrica e o estímulo governamental fez com que a produção de algodão crescesse no então chamado Município de João Pessoa (Mimoso do Sul), antigo São Pedro de Itabapoana. Em 1934 a fábrica ainda estava com seus 20 teares em operação, embora tenha adequado sua produção aos novos tempos. Nesse ano, a fábrica não produzia mais os tecidos, mas somente os fios que, como antes, eram todos exportados, principalmente para a fábrica de tecidos de Cachoeiro. Em 1936 havia, no Município, boas plantações de algodão, embora ainda fossem insuficientes para abastecer a fábrica de matéria prima. Os principais produtores, nesse ano, eram: Clarindo Lino (um hectare plantado com algodão), Arnaldo Costa (com meio hectare) e o Dr. Arthur Velloso (com três hectares). Para comparar, em todo o sul do Estado havia quase 240 hectares cultivados com algodão em 35 propriedades.
O ocaso da Fábrica de Tecidos São Pedro Ltda é ainda mais nebuloso. Como vimos, fundada provavelmente em 1926/27, com 20 teares e produzindo tecidos, a maior parte para sacos, e fios, que eram exportados, em 1934 não produzia mais os tecidos, mas somente os fios que continuavam sendo exportados. Em 1936 ainda estava em plena operação, absorvendo a crescente produção de algodão do Município. Mas, em algum momento entre essa última data e o ano de 1950, a fábrica fechou as portas. Em 1951 há registro concreto de que a fábrica não mais funcionava há alguns anos. Assim, só nos resta presumir que a Fábrica de Tecidos São Pedro tenha encerrado suas atividades em algum momento da primeira metade da década de 1940. A dificuldade para a obtenção da matéria prima que fizesse a fábrica funcionar plenamente, fato observado também em outros estabelecimentos têxteis do Estado nessa época, pode ter sido um dos motivos para seu fechamento. Também a pequena produção, se comparada com os empreendimentos maiores, pode ter tornado a fábrica obsoleta ou inviável. Não sabemos. E reiteramos: é apenas presunção; nada conclusivo.
Por fim: como pesquisador e frequentador de São Pedro do Itabapoana, sempre quis saber aonde teria funcionado a tão falada Fábrica de Tecidos. Sim, queria saber em que imóvel, ou em que parte do núcleo urbano, esteve instalada a fábrica. Nem mesmo o belo trabalho "Tombar é Preservar? Caso de São Pedro do Itabapoana" (Silva e Puppo, 1987), que traçou um "mapa" de como seria São Pedro em 1930, localizava a fábrica. Então, certa vez, saí eu cedinho de Mimoso, rumo à São Pedro, para tentar "localizar" o local. Eu só tinha uma informação concreta: de que as instalações da fábrica margeavam o ribeirão São Pedro. E uma informação presumida: de que a fábrica ficava na parte "baixa" da cidade. Pois, com essas informações e de posse de um mapa da área, perambulei pelos locais que poderiam ter abrigado a edificação. Aproveitei e "entrevistei" alguns velhos moradores, na esperança de que algum deles pudesse ter alguma ideia. Os três moradores com informes mais confiáveis (José Miguel de Souza - pai de Balbino Miguel Nunes, Maurino Vasconcelos e José de Souza - o "Seu Setenta") foram todos unânimes: a fábrica teria funcionado na parte baixa da cidade, nos "fundos" da rua da antiga Cadeia Pública, acessível por uma via sem saída perto da escada de pedras que havia ao lado da antiga residência de Grinalson Medina. E lá fui eu.
De fato, há duas edificações nessa área, uma delas claramente bem antiga. Mas esses imóveis, por algum motivo, não entraram no "rol" dos prédios tombados pelo Estado. "Rodei" por ali, encontrei vários cacos de cerâmica e de telhas e alguns pedaços de metal. Nada conclusivo. Mas, considerando os testemunhos e as evidências, é bem possível que aquelas edificações tenham abrigado a antiga Fábrica de Tecidos São Pedro Ltda. Abaixo segue uma foto aérea do local, com a possível área e edificações circundada de vermelho.
Por: Gerson Moraes França