quarta-feira, 17 de abril de 2013

Dona Lygia

Acabei de saber do falecimento de Lygia Bicalho Martins, a Dona Lygia.

Avó de meus meio-irmãos, que não são de sangue, mais são de coração. Apesar do distanciamento que vivemos após a separação de nossos pais, é enorme o carinho e o afeto que possuo em relação à eles. Tenho saudades. Assim, e por ter convivido com Dona Lygia em alguns momentos de minha vida, sinto-me triste pela sua partida.

Os rumos da vida nos distanciam de pessoas que foram marcantes em algum tempo de nossa existência. Mas é interessante como, pelo menos no meu caso, parece que o tempo nem passou quando reencontramos essas pessoas. Infelizmente, não poderei mais reencontrar Dona Lygia nesse mundo; somente quando eu, também, passar para a eternidade.

Conheci Dona Lygia quando eu tinha uns 15 anos de idade. Nessa época, eu passava as férias de verão em Marataíses, na casa do Orlando, filho de Dona Lygia e pai de meus meio-irmãos. Tempos muito bons, naquela casinha em frente da praia, que a areia tocava a varanda e o mar servia de primeira vista do dia.

Vez por outra, em Mimoso, eu a visitava. Sempre, é claro, acompanhado de algum de meus meio-irmãos. Dona Lygia foi muito receptiva para comigo, e me tratava com atenção e, mesmo, com carinho. Ela não era minha avó, mas naqueles tempos eu a considerava como se fosse algo do gênero; com meus pais recentemente separados, e indo eu viver com meu pai, que por sua vez estava vivendo com sua nova companheira, acabei por me afastar um pouco da minha família materna. Talvez por isso eu fizesse refletir esse "sentimento de neto" nos avós de meus meio-irmãos, com os quais passei a conviver mais estreitamente.

Para além da convivência aleatória de verão na casa de praia em Marataíses, e das visitas que fazia à sua residência, cheguei a me hospedar por umas duas semanas na sua bela casa em Mimoso. Foi na época que nossos pais estavam reformando a casa onde viviam. Meu meio-irmão mais novo tinha um certo medo da casa de Dona Lygia, quando anoitecia. A casa era vizinha do pequeno cemitério, coberto de mato, da Capelinha. Nesses dias da reforma, dormíamos lá; e morríamos de medo! Foi durante essas semanas que eu pude conhecer melhor a Dona Lygia, com sua bondade e atenção. Foram nesses dias que meu avô materno, Octacílio, faleceu; e foi Dona Lygia quem me deu a notícia. Afastado que eu estava de minha família materna, não fui ao sepultamento de meu avô, em Muqui. Até hoje me culpo por isso.

Quando meu "espírito de historiador" mimosense aflorou, com uns 19 anos de idade, Dona Lygia foi a minha primeira "fonte oral" para os assuntos mais antigos da cidade. Fiz três entrevistas com ela, em anos distintos, já usando, sem saber, de metodologias que aprendemos na faculdade, para fazê-la situar no tempo e facilitar suas memórias. O primeiro "mapinha" que fiz de como seria Mimoso em 1930 foi usando os seus apontamentos. Prova de sua boa memória foi que, posteriormente, quando aprofundei minhas pesquisas, nenhuma das informações que Dona Lygia me narrou foi contraditada.

Lembro-me bem dela esclarecendo os pontos que eu indagava, e também das histórias que ela se lembrava aleatoriamente. Uma dessas histórias, que a marcou, foi quando foi mordida por um macaquinho, daqueles de realejo, na época que Mimoso ainda era distrito de São Pedro. A impressão de povoado enlameado, que eu já tinha lido nas memórias de Dona Leonor, foi por Dona Lygia bem colorida e clarificada em minha cabeça, com narrações tão vívidas que me senti como se estivesse vivendo aqueles tempos da década de vinte. Os sapatinhos, sempre sujos de lama quando chovia, embora tudo fizessem as mocinhas para evitar esse contratempo.

Em uma dessas entrevistas, Dona Lygia leu, para mim, vários pedaços de uma obra que estava escrevendo. Acompanhei tudo com uma atenção que poucas vezes eu havia manifestado, até então. Imagino que esses escritos estejam guardados, prontos para publicação; quiçá já se tornaram livro. As memórias que possuo de Dona Lygia são muitas. Meu caderno anotado com as entrevistas que fiz com ela estão guardados, esperando o dia que eu consiga publicar algo sobre a História de Mimoso.

Dona Lygia conheceu o meu avô Gerson, quando este morava em Mimoso. Ela me disse que frequentava a casa onde o Seu Bené e a Dona Gerviz, meus bisavós, moravam. Ela era amiga de uma das irmãs de meu avô. Essa casa é a residência onde, atualmente, mora o Fernando Resende. Tinham todos que tirar os sapatos quando entravam. Ela me disse que ficava maravilhada com os vidros coloridos das janelas, e como a luminosidade do ambiente interno era modificado de acordo com a posição que as janelas eram colocadas. Disse-me que meu avô era muito alegre, espontâneo e extrovertido, e que cantava muito bem. Disse-me que a casa era muito bonita e arrumada, e que eram todos "gente muito chique". Rsrs!

Enfim, aqui foi minha humilde homenagem à Dona Lygia, e o impacto que ela teve em minha vida. Escrevi sem revisar o texto, e sem corrigir os erros de português ou de concordância. Deixei meus pensamentos fluírem, e os fui colocando no "papel virtual", sem maiores preocupações semânticas.

Ao Orlando, à tia Ponka e ao tio Kiko; aos meio-irmãos Deco, Gugu e Daniel; aos primos Ricardinho, Digo e Luma, ao Arturo e outros netos; ficam aqui meus sinceros sentimentos.

Gerson Moraes França

Um comentário:

  1. Meus parabéns. Você traçou muito bem o retrato de uma época e o perfil de uma pessoa, cuja ausência será muito sentida.

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