domingo, 13 de fevereiro de 2011

A Trajetória de um Telegrama

O presente post não é uma continuação do anterior, mas serve como complementação. Pode ser lido separadamente, embora seja interessante ler, antes, o post intitulado de "A Proclamação da República em São Pedro do Itabapoana".

Não cabe aqui traçar todas as marchas e detalhes da Proclamação da República, acontecidos no Rio de Janeiro. A queda do Gabinete Ouro Preto, a adesão de Deodoro à causa republicana e a consequente queda da Monarquia, são assunto vastamente estudado e divulgado. Basta o leitor, se quiser, googlar para se enriquecer de informações mais pormenorizadas. Vamos ficar adstritos ao tema em questão, que é a chegada da notícia em São Pedro do Itabapoana, através daquele lacônico telegrama retratado no post supra aludido. Aqui acompanharemos a trajetória de alguns telegramas que, em ligação direta uns com os outros, vão terminar naquele telegrama que chegou em São Pedro.


TOMA-SE DE ASSALTO OS TELÉGRAFOS

No início da manhã do dia 15 de novembro de 1889, quando a real dimensão dos acontecimentos no Rio de Janeiro ainda era um tanto incerta, e durante a marcha das tropas do Campo de Santana ao Arsenal da Marinha, Quintino Bocaiuva sugeriu, e Deodoro ordenou, que o Tenente da Armada José Augusto Vinhaes, que os acompanhava, se dirigisse até a Repartição Geral dos Telégrafos e a tomasse para os republicanos.

O Tenente Vinhaes reuniu um pelotão e para lá se dirigiu. Ao chegar no edifício dos Telégrafos, Vinhaes intimou o Barão de Capanema, então Diretor da Repartição, que a entregasse. O Barão recusou, e disse que só deixaria o cargo pela força, ou mediante uma ordem escrita por parte do Governo. Informado da situação, Deodoro deu a ordem escrita, em nome do Governo Provisório, que foi entregue ao Barão de Capanema pelo próprio Tenente Vinhaes. Capanema, então, deixou a Repartição que havia dirigido por mais de trinta anos.

E às dez horas da manhã do dia 15 de novembro, o Tenente Vinhaes ocupou a Repartição Geral dos Telégrafos. Inicialmente, Vinhaes cortou as comunicações da Capital do Império com as Províncias; mais tarde, na medida que a Proclamação da República se sedimentava como fato consumado, começou à divulgar notas dos acontecimentos à todo o país. O Tenente Vinhaes, que depois seria nomeado efetivamente Diretor dos Telégrafos por Deodoro, telegrafou a todas as Províncias e principais localidades do país, dando a nova de que a República estava proclamada. Foi ele e o telégrafo que levaram, grosso modo, a República para fora do Rio de Janeiro. Em alguns lugares os republicanos, ao receberem a notícia, desalojavam sem maiores custos as autoridades locais; em outros, oficiais do Exército mantinham a ordem até que o novo Governo determinasse as providências à serem tomadas.

Este último foi o caso do Espírito Santo, onde pela tarde do dia 15 de novembro começaram a chegar as primeiras notícias do que se passava no Rio de Janeiro, e onde os militares da Guarnição da capital Vitória mantiveram a ordem até que Afonso Cláudio, designado Governador do Estado no dia 16 de novembro pelo Governo Provisório, tomasse posse do cargo no dia 20 do mesmo mês.


A REPÚBLICA CHEGA EM CAMPOS

Às seis e meia da tarde do dia 15 de novembro de 1889 chega na Estação Telegráfica da cidade de Campos, no norte da então Província do Rio de Janeiro, o telegrama procedente da Capital da agora República informando acerca dos acontecimentos. Assim estava redigida, precedida do intróito do chefe da estação:

"Circular que recebeu esta estação para dar publicidade:
Povo, Exército, Armada vão installar Governo Provisório, que consultará Nação convocação Constituinte. Acclamações gerais República. Vinhaes."

Deixemos, agora, a narração do que se passou em Campos à cargo de uma testemunha que presenciou os fatos e os eternizou em seus escritos, o Sr Julio Feydit:

"Às 9 1/2 da noite, grande massa de povo dirigio-se ao Paço, e ahi foi feita uma reunião sob a presidência do Dr. Antonio Francisco Ribeiro, servindo de Secretario o Dr. Candido de Lacerda . A reunião teve por fim destituir as auctoridades e formar um Concelho Administrativo, sendo acclamados os Drs. Antonio Francisco Ribeiro, Pedro Tavares e Nilo Peçanha, os quaes dirigiram ao povo as seguintes proclamações:
« Cidadãos! Perante a justiça eterna dos Povos, e condemnada pelos seus desatinos e pelos seus crimes durante tanto tempo commetidos contra o direito e a liberdade da Nação, acaba se ruir por terra a Monarchia, origem de nosso males, causa do nosso atraso e pobresa, opprobio da America livre!
Está proclamada a Republica no Brazil ! Uma nova éra de paz, de ordem, de justiça e de progresso começa para a nossa Patria, já agora segura de seus gloriosos destinos!
Cidadãos! Vós constituintes, na vossa soberania, o Governo Provisorio desta cidade e município, e elle conta com a vossa autoridade ea vossa força para a manutenção da paz e tranquilidade geral. Viva a Nação Brasileira! Viva a America livre! Viva o povo campista!
Campos, 15 de Novembro, de 1889.
Cidadãos! A manutenção da ordem pública é a primeira necessidade social e o primeiro dever de um governo regularmente constituído. O Governo Provisorio no intuito de tornar effectiva essa obrigação, que lhe assiste, e não querendo lançar mão dos dinheiros publicos sob a guarda dos empregados responsaveis, convida a todos os habitantes a concorrer com donativos pecuniarios para a organização de uma guarda civica destinada a manter inalteravel a paz e a tranquilidade nesta heroica cidade. A subscrição fica aberta na Colletoria Provincial.
Campos, 15 de Novembro de 1889".
O movimento republicano em Campos era bem atuante e articulado. Data de 1876 o início da propaganda republicana na cidade, mas o Clube Republicano local só foi fundado anos depois, em uma grande reunião realizada no dia 20 de setembro de 1885. Nilo Peçanha era o republicano campista responsável pela ligação entre o Clube Republicano local e os Clubes Republicanos de São Pedro do Itabapoana, Conceição do Muqui e São José do Calçado, estes últimos todos distritos do Município de Cachoeiro do Itapemirim.

Já como autoridade republicana constituída é que o Dr Nilo Peçanha, na manhã do dia seguinte à proclamação do Governo Provisório em Campos, vai até a estação telegráfica da cidade e despacha o comunicado da Proclamação da República aos Clubes Republicanos sediados nos povoados das vertentes espírito-santenses do Itabapoana.


DE SANTO EDUARDO ATÉ SÃO PEDRO

Foi às seis horas da manhã do dia 16 de novembro de 1889 que o telegrama despachado por Nilo Peçanha chegou na estação telegráfica de Santo Eduardo, povoado no extremo norte do Município de Campos, às beiras do rio Itabapoana. Santo Eduardo era a ponta dos trilhos da estrada de ferro Leopoldina, e também o final das linhas telegráficas que seguiam pelo interior. Dali em diante, só mesmo à cavalo. O povoado de São Pedro não possuía telégrafo, mas possuía agência do correio.

A agente do telégrafo, então, entregou o telegrama ao agente do correio, e este correu ao arraial de Ponte de Santo Eduardo, atualmente Ponte do Itabapoana, entregando o telegrama nas mãos do agente do correio local. Este, sem demora e considerando a urgência da informação, entregou o telegrama ao estafeta, que deixou seus malotes postais para trás e rumou, à galope, para São Pedro. Esse estafeta chamava-se Olympio Christiano da Silva.

Em duas horas, o estafeta Olympio chegou ao seu destino e entregou a correspondência ao agente local do Correio, Manoel Martins Coelho do Nascimento. Este, prontamente, dirigiu-se à residência do jovem médico José Coelho dos Santos, que ficava na parte baixa do povoado. Era sua residência que servia de sede ao Clube Republicano São Pedro de Alcântara, onde exercia a função de 2º Secretário. Assim, o primeiro sãopedrense a ler o teor do telegrama despachado pelo Dr. Nilo Peçanha foi o Dr. José Coelho dos Santos. E coube à ele comunicar o fato ao povo sãopedrense, bem como aos membros da direção do Clube Republicano local.

O Presidente do Clube Republicano sãopedrense, Augusto Cesário de Figueiredo Côrtes, bem como seu 1º Secretário, José Carlos de Azevedo Lima, grandes fazendeiros, não estavam presentes no povoado naquele dia 16 de novembro. Estavam em suas propriedades, pois residiam nos grandes casarões que serviam de sede de suas fazendas. Assim, naquele dia, o Vice-presidente do Clube Republicano, Dr. Carlos Augusto May, assumiu a condição de Presidente, e o Dr. José Coelho dos Santos assumiu a 1ª Secretaria. Estes delegaram ao Dr. Olegário Ribeiro da Silva a presidência dos festejos que seriam realizados dias depois, quando todos os republicanos sãopedrenses estariam reunidos em traje de gala para uma reunião solene. Em ato cortês, Augusto Cesário e Jose Carlos não reassumiram as suas funções, deixando os discursos do dia 20 de novembro à cargo dos doutores Carlos Augusto e José Coelho.

Quanto ao estafeta Olympio: logo depois de entregar o telegrama, partiu novamente, agora rumo à Conceição do Muqui, onde chegou antes do meio dia. Lá entregou o telegrama direcionado ao Clube Republicano Saldanha Marinho, pousou e participou dos festejos locais. Quando o portador do recado da Proclamação da República chegou em Conceição pela tarde, vindo de Cachoeiro do Itapemirim e sob delegação da Câmara Municipal, a notícia já era conhecida naquela Paróquia. Restou ao mesmo aproveitar o baile de comemoração.


E NA SEDE MUNICIPAL, CACHOEIRO

Na sede do Município, em Cachoeiro do Itapemirim, a notícia chegou via telégrafo, vinda de Vitória, também na manhã do dia 16 de novembro. Houve festejo com a banda Euterpe cachoeirense e queima de fogos. A Câmara Municipal logo se apressou em aderir ao novo regime, prestando solidariedade e telegrafando ao novo Governador republicano Afonso Cláudio.

Por fim, mudando um pouco o foco, mas aproveitando a oportunidade, e a título de curiosidade: um dos integrantes da Câmara Municipal cachoeirense era o coronel Nominato Ferreira da Silva, parente de Antão Ferreira da Silva, este então proprietário da fazenda Mimoso. Também grande proprietário de terras, o coronel Nominato era o representante sãopedrense na Câmara cachoeirense. Em 08 de fevereiro de 1890, pouco mais de dois meses depois de proclamada a República, a Câmara Municipal de Cachoeiro foi fechada pelo Governo estadual, e substituída pelo Conselho de Intendência; o coronel Nominato foi afastado da vereança. Chegou a ser intimado pela Intendência, para prestar esclarecimentos acerca da nomeação de um funcionário que dera um desfalque na Câmara quando da realização dos serviços de iluminação pública na sede municipal, coisa ainda da época do Império. Nada ficou provado contra ele, embora o funcionário tenha sido culpabilizado.

Voltaria à exercer função equivalente meses depois, em 04 de agosto de 1890, quando a política local "virou" e o Governador exonerou os antigos membros e nomeou novos integrantes para o Conselho de Intendência cachoeirense. Em 20 de novembro do mesmo ano, o coronel Nominato estaria presente na instalação do Município de São Pedro do Itabapoana. Exerceria o cargo de Intendente do Conselho cachoeirense até o dia 18 de março de 1891, quando o novo Governador Antônio Aguirre destituiu e nomeou novos intendentes para Cachoeiro, em nova "virada" política no Estado.

Gerson Moraes França