quarta-feira, 26 de novembro de 2025

26 de Novembro: 95 Anos da Emancipação de Mimoso do Sul

26 de Novembro: 95 Anos da Emancipação de Mimoso do Sul

Hoje, dia 26 de novembro, completam-se 95 anos do Decreto estadual que sacramentou a emancipação política de Mimoso do Sul. Neste dia, no ano de 1930, o recém empossado Interventor Federal no Espírito Santo, capitão João Punaro Bley, assinou o diploma que criou o município de João Pessoa (antigo nome da cidade de Mimoso entre 1930 e 1943) e, pari passu, extinguiu o de São Pedro de Itabapoana.

E, para memorar essa importante efeméride da história local, que mereceu até ser comemorada com um feriado municipal, trarei no presente artigo algumas informações ainda inéditas sobre a construção desse fato histórico. Fruto de uma pesquisa iniciada há trinta anos atrás, acredito que meu trabalho já se encontra maduro - e seguro - o suficiente para ser trazido à luz.

Primeiramente, precisamos dar rápidas pinceladas sobre os acontecimentos que precederam esse ato. Desde meados da década de 1920 que o então distrito de Mimoso, parte integrante do município de São Pedro do Itabapoana, pleiteava autonomia política. Mas não só isso: desejava, também, ser a sede da Comarca judiciária. O núcleo urbano do povoado de Mimoso havia crescido muito nos anos 1920 e já se tornara maior e mais dinâmico que a sede municipal em São Pedro. Estima-se que, em 1930, a população da urbe mimosense já era cerca de três vezes maior do que a são-pedrense (abre-se, aqui, um importante parênteses: estamos a falar da população do núcleo urbano - "cidade" -, e não da população total dos distritos, que englobava a população urbana e também a população rural - majoritária nessa quadra).

Em outubro de 1930 estourou uma revolução no Brasil, que foi vitoriosa. Depuseram o presidente da República e, depois, empossaram Getúlio Vargas na chefia do Governo Provisório (1930-34). Durante o processo revolucionário, houve luta - uma "pequena guerra civil" - que durou três semanas. Houve movimentações de tropas militares, batalhas, cercos e, infelizmente, muitos feridos e algumas dezenas de mortes. O sul do Espírito Santo foi invadido e tomado por tropas vindas de Minas Gerais.

Então, tracemos a conjuntura daquele momento em nossa região nos idos de outubro e novembro de 1930, para melhor compreensão do fato que estamos analisando. Primeiramente, o município de São Pedro do Itabapoana foi tomado pelas tropas mineiras, suas autoridades foram destituídas e, pelo comando revolucionário, foram nomeadas novas autoridades locais. A sede da Interventoria Civil e da Junta Governativa ficou provisoriamente no distrito de Mimoso. Com a vitória do movimento revolucionário, as autoridades locais decretaram a mudança da sede (e do nome) do município e da Comarca, de São Pedro para Mimoso (agora, rebatizada de "João Pessoa"). Alguns dias depois, e após consultar a maior autoridade revolucionária no sul do Estado à ocasião, essa determinação foi executada: é o "famoso" 02 de novembro, dia de finados, quando os "13 caminhões e força policial" chegaram em São Pedro e retiraram de lá todos os arquivos das repartições públicas, levando para Mimoso.

Tal ato local, porém, precisaria mais tarde da anuência e da formalização de diploma legal, mesmo que discricionário. Era da competência do governo do Estado sacramentar aquela decisão local. Assim, tão logo Punaro Bley tomou posse do cargo de Interventor federal, começaram as démarches dos diversos grupos políticos para manter, ou anular, a transferência da sede do município e da Comarca.

No dia 24 de novembro de 1930, uma comissão são-pedrense composta por políticos do antigo e do novo regime vai até a capital Vitória para solicitar uma audiência com o interventor Bley. Essa comissão foi composta por Jamil Mileipe (do diretório da Aliança Liberal em São Pedro), Grinalson Medina (vereador do antigo governo deposto) e Mario Caroli (representando o comércio local, e que não era político). No dia seguinte foram recebidos pelo interventor e puderam expor todos os seus argumentos e documentos, pleiteando a o retorno da autonomia do município de São Pedro do Itabapoana, mesmo que fracionado. Foi quando, após escutar os membros da comissão, Bley pronunciou a frase de que "estava admirado como aquilo não entrou ainda nos eixos". O interventor ficou com os papéis e informou que iria "estudar o caso para o andamento necessário".

Após a audiência da referida comissão são-pedrense, no mesmo dia ou no posterior, a Interventoria estadual possivelmente se comunicou com as autoridades revolucionárias em Mimoso, informando o ocorrido e solicitando esclarecimentos. Isso porque, no dia 26 de novembro, o interventor civil e um dos membros da Junta Governativa de João Pessoa (Mimoso) foram até Vitória para explicar as medidas que haviam executado. Antes de viajarem, entraram em contato com a mais alta autoridade militar revolucionária do Setor Leste mineiro, responsável pelas operações no sul do Espírito Santo, para que este telegrafasse ao capitão Bley e intercedesse por eles. E assim foi feito.

Às 16:40 horas da tarde chega ao Palácio em Vitória o telegrama do Coronel Barcellos, in verbis:

"P/ Cap Bley - Victoria
(...)
Segue ate ahi Dr Octavio Gonçalves Ferreira, prefeito Mimoso. Pessoa nossa inteira confiança que em meu nome fallará amigo sobre medidas por elle executadas. Minhas determinações anteriores e providencias deverao ser tomadas conciliatorias interesses sul estado. Rogo atendel-o atenciosamente.

Sauds [saudações] - Tte Cel Barcellos"

O Interventor Bley recebeu as autoridades revolucionárias de Mimoso e, diante do pedido supra e dos esclarecimentos prestados, resolveu "jogar a pá de cal" na autonomia de São Pedro, como escreveria um anônimo articulista em um jornal dias depois. Os dois membros do governo de João Pessoa (Mimoso) se reuniram, então, com o Secretário do Interior para lavrar o decreto que legalizaria e sacramentaria a mudança da sede e comarca e criaria o novo município. O Decreto tomou o número 113, de 26 de novembro de 1930, cuja reprodução do original segue abaixo:


O decreto foi publicado no órgão oficial do Estado no dia 27 de novembro. Os dois membros do governo revolucionário de João Pessoa (Mimoso) ainda permaneceram em Vitória e se reuniram novamente com o interventor Bley, no dia 28 de novembro, para decidirem o nome do Prefeito que seria nomeado pela Interventoria para governar o novo município. Após os entendimentos, o ungido foi o terceiro membro da Junta Governativa municipal, que havia ficado em Mimoso enquanto seus companheiros estavam na capital: Pedro José Vieira. Mas, aí, já é uma outra história...

PARABÉNS, MIMOSO DO SUL, PELOS SEUS 95 ANOS DE EMANCIPAÇÃO POLÍTICA.

Gerson Moraes França 

quarta-feira, 5 de novembro de 2025

Desabafo metodológico

Saudações a quem me lê.

Esse escrito é apenas um pequeno desabafo para mim mesmo. Algo que, embora pessoal, eu gostaria de deixar registrado. Pensei dias atrás em quantas coisas "escrevemos com a cabeça" e que nunca vêm a luz em um texto publicado. Não é falácia: escrevo, em meus pensamentos, vários textos e matérias por dia. Chego a escrever, às vezes, capítulo de livro em minha cabeça. É claro que, antes de vir ao papel (ou à tela), um texto precisa ser pensado; mas é o ato de o escrever e o publicar é que o torna algo real.

Outra coisa que eu preciso deixar registrado é a seriedade e a responsabilidade nos meus escritos, que aprendi em minhas aulas, com professores maravilhosos, nas duas universidade e faculdade de História que cursei (UFES e São Camilo) e que desenvolvi com o passar do tempo. Quando encontro algo inédito, ou quando chego a conclusões que considero interessantes para a historiografia, eu nunca publico de imediato; às vezes, levo alguns anos comparando fontes, buscando fontes novas ou matutando em cima do achado, até que me creio seguro para publicar sobre o assunto.

Assim, cada publicação que faço no presente BLOG ou em minhas redes sociais é fruto de um longo processo de pesquisa e maturação. É claro que estamos todos sujeitos a errar, mas faço tudo o que é necessário para que tal possibilidade seja ínfima.

É isso.

Gerson Moraes França



terça-feira, 14 de outubro de 2025

Silvestre Coelho dos Santos - De Escravo a Fazendeiro.


Silvestre Coelho dos Santos
Imagem gerada por IA, com orientação do autor e
usando como base as fotos de seus descendentes.

SILVESTRE COELHO DOS SANTOS - DE ESCRAVO A FAZENDEIRO.

Há quase dez anos atrás escrevi aqui no BLOG um texto que tratou da figura de Mestre Silvestre, um homem nascido escravizado que, com seu labor, conquistou a alforria e depois se tornou um abastado fazendeiro. O texto seria complementado por outro que trataria do Doutor José Coelho dos Santos, filho de Silvestre e que se tornou importante médico e proeminente político no Estado do Espírito Santo; esse segundo texto, porém, até hoje não foi publicado - ficou em meus rascunhos, aguardando "não sei o que"...

Para quem quiser ler o primeiro texto, intitulado "Coelho dos Santos - Silvestre e José, Mestre e Doutor (Parte 1)", basta clicar nesse LINK.

O leitor pode pensar: "virá agora a segunda parte do texto?" E eu já respondo que não; nos anos subsequentes continuei pesquisando e encontrei tantas fontes interessantes sobre Silvestre Coelho dos Santos, que imperioso se faz retomar a primeira parte do texto com novas e até hoje inéditas informações sobre essa rica - e até então um tanto nebulosa - personagem de nossa história espírito-santense.

No primeiro texto, diante das limitações que nos deparávamos em acessar - à época - alguns arquivos e fontes, muitos fatos sobre sua vida ficaram vagos. Algumas ilações restavam sem comprovação: meras presunções ou hipóteses. Algumas informações, inclusive, estavam equivocadas e fizemos algumas pontuais retificações em EDIT's no post original. Enfim, agora passados esses quase dez anos, creio que possuo elementos o suficiente para retratar a vida de Silvestre Coelho dos Santos de forma um pouco mais clara. Foi possível lançar mais luz sobre a história de sua trajetória, embora tais "descobertas" tenham aberto novas portas para presunções, ilações e hipóteses.

Buscando inicialmente tratar do filho Doutor José (objeto de meus estudos sobre São Pedro do Itabapoana, torrão que pesquiso e estudo há quase trinta anos) acabei me envolvendo e me aprofundando sobre o pai Mestre Silvestre. Comecemos, então.

Importante informar, primeiramente, que no título da presente matéria resolvi manter o termo "escravo", ao invés de "escravizado", que seria a terminologia mais adequada aos tempos atuais. Isso porque Silvestre foi uma pessoa que nasceu escravizada, e recebeu o estigma de "escravo" desde que saiu do ventre materno. Mantive o termo para retratar como ele era visto pela sociedade, à sua época: um ex-escravo que se tornou fazendeiro.

NASCEU ESCRAVIZADO

Silvestre nasceu em uma fazenda no distrito de Bom Sucesso, então parte do termo da Vila de São José (atual Tiradentes/MG), e foi batizado no dia 02 de fevereiro de 1813. Filho natural de Silveria, então com 27 anos de idade e escrava de Francisco Coelho dos Santos; não foi feito o registro do pai, e foram padrinhos Venancio José Vivas (genro de Francisco Coelho) e dona Maria de Moraes. Assim como Silvestre, a crioula Silveria nascera cativa, em Minas Gerais. Tempos depois ela se casou. Creio que ela tenha se casado depois de ter dado a luz à Silvestre, porque em todos os registros que disponho o pai dele não é mencionado, ou é registrado como filho de pai incógnito.

Silvestre fora encaminhado para aprender o ofício de carpinteiro, no engenho de serra da propriedade, onde iniciou como aprendiz. Quando completou 18 anos já exercia a carpintaria, junto com outros dois escravos crioulos mais velhos. Nessa época, o tenente Francisco Coelho dos Santos e sua mulher dona Joana Angelica de Castro possuíam 47 escravos em sua fazenda, entre crianças e adultos: 17 pardos, 11 crioulos e 19 africanos pretos. 31 eram homens (16 africanos e 15 nascidos no Brasil) e 16 eram mulheres (3 africanas e 13 nascidas no Brasil). Dos homens, 25 laboravam na lavoura.

Dona Joanna Angelica faleceu em 1835 e seu marido, o tenente Francisco Coelho, morreu provavelmente antes de 1850. Nesse ínterim, encontramos registros interessantes: em 1837 Silveria era "criola forra", isto é, tinha recebido a liberdade, mas não sabemos em que condições a conquistou (se por compra ou concessão da alforria, se por testamento, etc). Em 1850 ela já havia adotado o sobrenome da família para a qual trabalhara na condição de escravizada: Silveria Coelha. Já Silvestre, seu filho carpinteiro, não sabemos se nessa ocasião ainda era escravizado, ou não.

MUDOU PARA O ITABAPOANA

Na década de 1850, tomou grande incremento um movimento migratório que levou várias pessoas da região de Oliveira e Bom Sucesso, em Minas Gerais, para o "as matas e sertão do Itabapoana", então coberto por densa floresta e com as primeiras fazendas cafeeiras sendo formadas. Vários parentes ou aparentados dos Coelho dos Santos adquiriram posses naquela região. Por exemplo, netos de Venancio Vivas (genro de Francisco Coelho e padrinho de Silvestre), como Constantino Gonçalves Vivas e Leopoldino Gonçalves Castanheira; um neto de Francisco Coelho, chamado Felisberto Ribeiro dos Santos, que era filho de outro Francisco Coelho e de dona Messias Carolina de Castro (irmã dos fundadores das fazendas União, Recreio e Harmonia), dentre outros.

Foi a sociedade de três irmãos de dona Messias Carolina (Felisberto Ribeiro da Silva Junior, Ignacio Ribeiro da Silva Castro e José Ribeiro da Silva Castro) que, certamente, foi responsável pela vinda de Silvestre para a região do Itabapoana. Em agosto de 1855 os irmãos compraram a posse então chamada de Fortuna, vendida pelo posseiro José Lopes Diniz e que daria origem às fazendas do Recreio e da Harmonia. Pouco tempo depois, em 12 de junho de 1856, um dos irmãos comprou a União junto à Dona Maria Angelica, viúva de José Carlos de Azevedo (primeiro posseiro da fazenda de São Pedro, perto da foz do ribeirão). Todas essas posses ficavam no ribeirão São Pedro, afluente do rio Itabapoana. Foi nessa época que Silvestre também mudou-se; veio, como presumimos, já forro e livre. Assim, teria chegado ao Itabapoana em algum momento da segunda metade da década de 1850.

Curiosidade: essa primeira compra feita em 1855, de "uma sorte de terras no ribeirão de São Pedro (...) divisa por baixo com Maria Angelica de Abreu Lima e por cima com Fernando Antonio Dutra Nicacio", foi assinada na "Fazenda do Mimozo, em 12 de agosto de 1855", pelo vendedor José Lopes e sua mulher (senhores e possuidores de uma fazenda denominada Fortuna, sita no ribeirão de São Pedro, Província do Espírito Santo) e por dois dos irmãos compradores (Felisberto e Ignacio), que portanto já estavam no sertão do Itabapoana. A primeira escritura dessa posse havia sido passada para José Lopes na Vila do Presídio, Minas Gerais, em 19 de agosto de 1851, por Manoel José Lopes, o primeiro posseiro (possivelmente trabalhando na formação de posses para José Lopes Diniz).

As primeiras fontes que fazem menção expressa à presença de Silvestre Coelho dos Santos na região sul do Espírito Santo são escrituras de compra e venda, e de troca, que os irmãos Felisberto, Ignacio e José fizeram entre si e com terceiros. Nelas é citado um contrato que os fazendeiros firmaram com Silvestre, de vender uma sorte de terras entre as propriedades em troca dos serviços de carpintaria. Abaixo, transcrevemos alguns trechos das escrituras atinentes ao referido contrato:

"(...) incluindo terra para cinquenta alqueires de planta, que tem contratado vender a Silvestre Coelho dos Santos (...)". [entre Harmonia/Recreio e União; escritura pública de 02 de dezembro de 1860]
 "(...) em cuja fazenda assim confrontada ficam incluídas terras para cinquenta alqueires de planta que tem contratado vender a Silvestre Coelho dos Santos (...)" [escritura pública de 09 de outubro de 1860; havia um engenho de serra na Harmonia]
"(...) e bem assim um contracto que elles tem com um official de carpinteiro por nome Silvestre de acabar as obras que o mesmo Silvestre contractou com elles outorgantes vendedores (...)" [escritura pública de 29 de agosto de 1862]

Assim, depreende-se que as histórias preservadas pela memória local sobre Silvestre estão pautadas em fatos que realmente ocorreram: um ex-escravizado carpinteiro que adquiriu (por compra ou por outro meio) sua liberdade. O porquê de Silvestre ter sido encaminhado para aprender um ofício, ao invés de ter sido alocado na lavoura, é resposta para a qual só podem restar meras ilações.

CONSTITUIU FAMÍLIA

Provavelmente Silvestre mudou-se para o Itabapoana quando ainda era solteiro. Não consta que tenha contraído um casamento anterior ao enlace pelo qual constituiu sua família e, caso tenha vivido maritalmente em Minas Gerais, não deixou filhos legítimos. Assim, ludo leva a crer que se casou quando já morava no sul do Espírito Santo.

Sua esposa, chamada Arminda Maria do Carmo (também Arminda Maria dos Santos, depois do casamento), nasceu em c. 1843 e era negra. Não conheço a condição pretérita de dona Arminda, mas não parece ter sido escravizada. À época que Silvestre chegou ao Itabapoana (entre 1855 e 1859), Arminda teria entre 12 e 16 anos; dessa forma, eles se casaram quando Silvestre tinha mais de 40 anos de idade e ela era adolescente. Antes de ter dado a luz à José (o futuro Dr. José Coelho dos Santos) em novembro de 1862, teve dois outros rebentos (Serapião e Agostinho) e pode ter tido ainda alguma(s) de sua(s) filha(s). O casamento de ambos, portanto, possivelmente se realizou entre c. 1857/60.

Silvestre e Arminda tiveram 13 filhos, 2 deles falecidos em tenra idade; dos 11 que chegaram a vida adulta, foram 5 homens (Serapião, Agostinho, Marcolino, José e João) e 6 mulheres (Etelvina, Maria Joanna, Adolphina, Vitalina, Leonor Maria e Silvia).

CONSTRUIU FORTUNA

O contrato que Silvestre firmou com os irmãos Silva Castro foi devidamente cumprido. Por escritura pública lavrada em 04 de julho de 1863, o carpinteiro comprou os 50 alqueires de planta no lugar denominado São Sebastião, no ribeirão de São Pedro, por dois contos de réis, e se tornou fazendeiro. E aí abre-se lacuna para aquela pergunta que fizemos na primeira matéria sobre Silvestre Coelho dos Santos: teria ele sido proprietário de escravizados? Naquela oportunidade, respondemos que sim, e que havíamos conseguido individualizar pelo menos um deles. Presumimos, naquela época, que ele teria tido um pequeno bocado de escravos.

De posse do inventário de Silvestre (processado em 1881) constatamos que, ao falecer, além de sua  fazenda, cafezais, casas*, moinho, móveis, ações e animais, ele tinha 12 pessoas escravizadas sob sua propriedade. Mais abaixo, ao final da presente matéria e para efeito de registro histórico, apresentamos a lista dos escravos arrolados no referido inventário.

Parece estranho, aos olhares da contemporaneidade, que um negro ex-escravizado pudesse possuir escravos; mas, à época, isso era algo comum. Ainda mais nos casos de negros donos de propriedades rurais: a mão-de-obra usada nas fazendas cafeeiras do vale do Itabapoana até a década de 1880 era praticamente toda escravizada.

* O fato de não ter sido arrolado bem imóvel urbano algum no inventário nos faz crer que as casas que ele "teve" em Campos e em São Pedro (ler a primeira matéria) fossem, na verdade, imóveis alugados.

NÃO SE ALFABETIZOU

Silvestre jamais se alfabetizou; não sabia ler, nem escrever. Morreu assim. Seus filhos, pelo menos os homens, foram alfabetizados; um deles, como bem sabemos, se formou em medicina. Tratei de seu analfabetismo na primeira matéria sobre ele, informando - por exemplo - que em 1877 quem assinava seus documentos, a rogo do mesmo, era seu filho José Coelho dos Santos. Depois disso, encontrei outras fontes que provam que Silvestre não era letrado. As principais, creio eu, são as listas de eleitores qualificados nas paróquias (documentos digitalizados que me foram cedidos, gentilmente, por meu primo Diogo França, genealogista). Fucei todas as listas e, na listagem de 1876/77 (poucos anos antes do óbito de Silvestre), resta clarividente o fato. Esta relação (qualificada em 1875) reza:

Eleitor nº 166 - Nome: Silvestre Coelho dos Santos - idade: 62 - Estado: casado - Profissão: fazendeiro - Sabe ler: NÃO [grifo meu] - Filiação: desconhecida - Domicílio: Nesta freguesia - Renda presumida: 2:000$000 [dois contos de réis] - Simples votante: X - Elegível: -

Creio, portanto, ser esse um assunto esgotado: o fazendeiro Silvestre Coelho dos Santos, escravo forro e carpinteiro, não se alfabetizou, mesmo depois de ter adquirido suas propriedades em bens e pessoas.

Silvestre Coelho dos Santos faleceu em 08 de março de 1881, em São Pedro do Itabapoana.

Pesquisa e texto: Gerson Moraes França


LISTAGEM DAS PESSOAS ESCRAVIZADAS QUE CONSTAM NO
INVENTÁRIO DE SILVESTRE COELHO DOS SANTOS

O escravo Domingos de cor preta com 49 anos de idade, carpinteiro, casado com Marianna, natural de Minas Gerais, matriculado sob os números 4209 da matrícula geral e um da relação, avaliado por 1:650$000.

A escrava Marianna de cor parda com 23 anos de idade, natural do Ceará, lavradora, casada com Domingos, matriculada sob o número 7360 da matrícula geral e 2 da relação, avaliada por 1:100$000.

O escravo Virgilio de cor preta com 19 anos de idade, lavrador, natural desta Província, cambeta, matriculado sob o número 4211 e três da relação, avaliado por 900$000.

O escravo Luis de cor preta com 37 anos de idade, casado com Irias, carpinteiro natural de Minas Gerais, matriculado sob os números 4914 da matrícula geral e 4 da relação, avaliado por 1:900$000.

A escrava Irias de cor preta, casada com Luis, cozinheira, natural de Minas Gerais, com 27 anos de idade, matriculada sob os números 4216 da matrícula geral e 5 da relação, avaliada em 900$000.

O escravo Geraldo de cor parda, solteiro, com 12 anos de idade, filho desta Província, lavrador matriculado sob os números 4217 da matrícula geral e 6 da relação, avaliado por 900$000.

O escravo Bartolomeu de cor preta com 34 anos de idade, lavrador, natural do Rio de Janeiro, matriculado sob os números 7358 da matrícula geral e 7 da relação apresentados neste termo, casado com Maria, avaliado em 800$000.

A escrava Maria de cor preta com 32 anos de idade, casada com Bartolomeu, natural do Rio de Janeiro, matriculada sob os números 7537 da matrícula geral e 8 da relação, avaliada em 1:100$000.

Os segundo, sétimo e oitavo escravos foram matriculados neste Município pelo inventariado em 08 de março de 1873. O primeiro, terceiro, quarto, quinto e sexto foram matriculados neste Município pelo inventariado em 30 de julho de 1872.

Haverá para seu pagamento o escravo José de cor preta, solteiro, natural de Minas Gerais, com 26 anos de idade, matriculado sob os números 4210 da matrícula geral e 1 da relação, avaliado por 1:500$000.

Haverá o escravo Saúl de cor preta com 47 anos de idade, lavrador, solteiro, natural de São Paulo, com feridas, matriculado sob os números 4215 da matrícula geral e 2 da relação, avaliado por 300$000.

Esse dois escravos foram matriculados neste Município, em 30 de julho de 1872, pelo inventariado.

Haverá a escrava Maria de cor preta natural do Brasil, lavradora com 51 anos de idade, matriculada sob os números 35.224 da matrícula geral e um da relação apresentada ao Município de Campos, em 31 de julho de 1875, averbada neste Município em 22 de dezembro de 1877, nota número 563, avaliada por 350$000.

Haverá para seu pagamento a escrava Deolinda, de cor preta com 16 anos de idade, lavradora, solteira, natural desta Província, matriculada sob os números 4213 da matrícula geral e 5 da relação apresentada neste termo, em 20 de julho de 1872 pelo inventariado, avaliada por 750$000.

quarta-feira, 10 de setembro de 2025

Fontes sobre o Quilombo destruído em 1843 no Espírito Santo

Habitation de négres (Johann Moritz Rugendas, 1827)
Acervo Brasiliana Iconográfica

FONTES SOBRE O QUILOMBO DESTRUÍDO EM 1843 NO ESPÍRITO SANTO

Há pouco mais de dois anos e meio atrás recebi um documento, encaminhado pela Secretaria de Cultura do Município de Muqui, de autoria da CCRQ (Coordenadoria de Comunidades Remanescentes de Quilombos) e direcionado para a Fundação Cultural Palmares (Ministério da Cultura). Tal documento trata de uma solicitação de abertura de processo de identificação de comunidades remanescentes de quilombolas no rio Muqui, no município de Atílio Vivacqua (ES). À época, lendo o arrazoado que fundamenta o requerimento, fiquei um tanto reticente; parecia-me que havia ali um esforço em identificar um quilombo destruído em janeiro de 1843 por forças organizadas pelas autoridades, com comunidades rurais existentes atualmente no município supra aludido.

Iniciei uma pesquisa criteriosa, então, para entender se haveria alguma relação entre o quilombo desmantelado em 1843 e as comunidades atilienses dos tempos presentes. Pesquiso e estudo a história da região sul do Espírito Santo há muitos anos, e tal assunto muito me interessava; até porque eu o desconhecia e ele não se "encaixava" em meus estudos. E o resultado foi bem conclusivo. Certamente não há nenhum liame ou solução de continuidade do quilombo destruído em 1843 com os atuais moradores dessas regiões de Atílio Vivacqua. O que, é claro, não invalida qualquer iniciativa de se reconhecer como comunidades quilombolas as que estão pleiteando esse reconhecimento; as provas, porém, deverão ser outras, e a pesquisa precisará seguir por outro caminho.

Mais abaixo, transcrevo as fontes que encontrei sobre o acontecimento de janeiro de 1843. Lendo-as, vamos perceber alguns importantes pontos que trataremos doravante e, é claro, chegar a conclusão de que o referido quilombo estava situado em outro local que não o rio Muqui.

O primeiro ponto é que a autora Maria Stella de Novaes (citada no requerimento elaborado pelo CCRQ) interpretou de forma equivocada parte do documento que a serviu de fonte, bastando comparar o seu texto com o texto do ofício original, que foi compilado por Levy Rocha; idem, quando comparado com as outras fontes primárias contemporâneas que abaixo transcrevo. Não foram 70 quilombolas armados que resistiram à guerrilha, como Novaes interpretou: 70 eram os homens armados da guerrilha que atacou o quilombo.

Segundo ponto é que, mesmo que não tivéssemos conseguido localizar expressamente em uma das fontes pesquisadas onde existiu o quilombo destruído em 1843, não seria possível saber em que região do Itapemirim teria ocorrido; na verdade, não poderíamos sequer afirmar que o referido quilombo estivesse na região do Itapemirim. Há autores, por exemplo, que afirmam (também equivocadamente) que o quilombo de 18 casas destruído em 1843 ficava em Aracruz, como na obra "Negro e Resistência" de Assis & Saquetto (2017, pág. 26).

Acredito que o documento elaborado pela CCQR, datado de janeiro de 2002 e encaminhado para apreciação da Fundação Cultural Palmares, tenha sido o primeiro que aventou a hipótese de que o quilombo desbaratado em janeiro de 1843 teria existido na região de Itapemirim. Tal presunção do(s) autor(es), creio eu, teria advindo do fato de que o ofício que comunicou tal feito ter sido escrito por Joaquim Marcelino da Silva Lima, o futuro Barão de Itapemirim, que era residente nessa região.

O problema de tal hipótese, porém, é que não seria possível comprová-la. E, ao contrário, seria mais verossímil que o quilombo objeto de nosso estudo ficasse em alguma região mais próxima da atual "grande Vitória", do que em Itapemirim ou Aracruz; isso porque Joaquim Marcelino estava exercendo interinamente a presidência da Província e estava na capital Vitória quando escreveu o ofício que comunicou o feito ao Ministro do Império. A diligência da guerrilha, segundo o ofício, teve início no dia 12 de janeiro de 1843; e no dia 17 do mesmo mês a força estava na capital, quando deu a notícia do que havia obrado - a destruição do quilombo, com mortes e prisões - ao presidente interino.

Enfim, é certo que o aqui estudado "quilombo de 18 casas" não ficava em Itapemirim, e nem em Aracruz; e, mesmo caso estivesse localizado na região de Itapemirim, não seria possível afirmar com as fontes existentes se estaria ao norte ou ao sul do rio, mais para dentro do sertão ou próximo da costa. Assim, de forma alguma, nunca poderíamos afirmar que esse destroçado quilombo ficasse em terreno hoje pertencente ao município de Atílio Vivacqua, e nem que exista algum liame que o identifique como sendo o embrião das comunidades que pleiteiam o reconhecimento junto à Fundação Cultural Palmares.

Onde ficava o quilombo, então? Na última fonte que transcrevo mais abaixo (FONTE 7), está a resposta. Em tal fonte há os esclarecimentos que buscávamos, e alguns detalhes interessantes como o nome da pessoa que comandou a guerrilha que atacou e destruiu o quilombo. Este último estava localizado nas cabeceiras do rio Jucú, na região conhecida como Bahia Nova, antigamente parte do distrito de Viana e hoje parte do município de Guarapari.

Cesar Augusto Marques, em seu Diccionario  Historico, Geographico e Estatístico da província do Espírito Santo (1878), trata desse acontecimento em seu verbete sobre a localidade de Bahia Nova (pág. 12). E Eribaldo Balestrero, em artigo intitulado "Lugares e Povoações de Viana" publicado em sua obra "Subsídios para o Estudo da Geografia e da História de Município de Viana" (1951), trata do verbete e o localiza em lugar definido:

"Baía Nova - Povoação antiga do município. Era a princípio um quilombo que foi batido e conquistado, com 70 homens, em janeiro de 1843, por André de Siqueira Matos, residente na então povoação de Viana. Hoje é um importante núcleo de população habitado por colonos de origem italiana que se dedicam às culturas do café, de cereais e de frutas em grande escala.  Foi usurpada ao município e anexada ao de Guarapari em 1943, estando o assunto dependendo da realização de um plebiscito eleitoral. Possui uma escola primária e uma belíssima capela católica, dedicada a Cristo-Rei.
Nas suas vizinhanças, do lado norte, já à margem  do Jacarandá, está situada a povoação de Santa Rita, também habitada por colonos italianos, na sua maior parte, que se ocupam das culturas do café e cereais. Possui também uma escola pública."

Atualmente, a comunidade de Bahia Nova continua integrada ao município de Guarapari.

Abaixo seguem as fontes que compilei e transcrevi:


FONTES SOBRE O QUILOMBO DESTRUÍDO EM JANEIRO 1843 NO ESPÍRITO SANTO:
 

FONTE 1
História do Espírito Santo (1968)
Autora: Maria Stella de Novaes
Pág. 191:
 
“(...) 1843 - Aumentava o número de quilombos. A 17 de janeiro de 1843, êsse Vice-Presidente, em exercício, comunicava ao Ministro Araújo Lima ter batido e destroçado um quilombo de dezoito casas, constituído de setenta prêtos bem municiados. A luta foi dura. Alguns negros foram mortos, no campo da peleja; outros, presos, enquanto dois paisanos e um soldado ficaram feridos, sem gravidade.”
 
 
FONTE 2
Crônicas de Cachoeiro, 1966
Autor: Levy Rocha
Pág. 44:
 

“Os Barões de Itapemirim
Distinguiu-se na repressão aos índios que hostilizavam as fazendas e povoados e deu conta de sua atividade como "Capitão-do-Mato" quando, em 1843, ocupando interinamente a Presidência do Província, informou ao Ministro do Império: "... Possuído do maior prazer, vou participar a V. Exa. para que chegue a conhecimento de S. M. o Imperador, que hoje mesmo veio de bater e destroçar quilombos uma guerrilha que, em conseqüência das ordens existentes, a despeito de dificuldades, consegui aprontar e fiz marchar em tão interessante diligência no dia 12 do corrente mês, a qual arrasou completamente um quilombo de 18 casas, deixando mortos alguns negros, que resistiram, e conduzindo todos que puderam prender. Tenho notícia de que existem mais quilombos, que pretendo tenham a mesma sorte, e para isso não me pouparei aos maiores sacrifícios empregando todos os meios que existirem ao meu alcance por quanto é esse o mais considerável benefício que se pode fazer a esta Província".
 
 
FONTE 3
História do Estado do Espírito Santo, 3ª edição (2008)
Autor: José Teixeira de Oliveira
Pág. 352:
 
“39 - O presidente Joaquim Marcelino, a dezessete de janeiro de 1843, comunicava ao ministro Araújo Viana ter sido batido e destroçado um quilombo de dezoito casas. Aprisionaram os que puderam e deixaram alguns negros mortos no campo da luta. “Na resistência que fizeram”, foram feridos dois paisanos e um soldado, porém sem grande gravidade (Pres ES, VII).”
 
 
FONTE 4
Falla com que o exm. presidente da provincia do Espirito Santo, Wenceslau de Oliveira Bello, abriu a Assembléa Legislativa Provincial no dia 25 de maio de 1843.
Pág. 03:
 
“Tranquilidade Publica, Segurança Individual, e Força Publica.
(...) Um quilombo de negros e facinorosos foi há pouco batido e destroçado, por sabias medidas tomadas por um dos meus benemeritos Predecessores, e continuarão a sel-o os que demais aparecerem: (...)”
 
 
FONTE 5
Falla dirigida á Assembléa Legislativa da provincia do Espirito Santo na abertura da sessão ordinaria do anno de 1846 pelo exm. vice-presidente da mesma provincia, Joaquim Marcellino da Silva Lima. 
Pág. 07:
 
“Força Publica
(...) entretanto que o interesse particular dos Senhores dos escravos, a das Praças da Guerrilha contribue tambem efficazmente para que ellas sejão coroadas de feliz sucesso, como ha bem pouco tempo se observou, sendo arrazado um antigo quilombo, e presos quasi todos os escravos que o occupavão.”
 
 
FONTE 6
Relatório apresentado à Assembleia Geral Legislativa na segunda sessão ordinária da quinta legislatura, em 1843, pelo Ministro e Secretário de Estado Interino dos Negócios Estrangeiros Honório Hermeto Carneiro Leão, em 15 de maio de 1843.
Pág.
 
“Na província do Espírito Santo (...) a destruição de um quilombo composto de 18 casas habitadas por uma quadrilha tão numerosa, que animou-se a resistir a uma guerrilha de 70 homens bem armados e municiados que o presidente da província para ali mandára a destruir esse quilombo, o que conseguiu sem perda de um só homem, e com o ferimento leve de uns dous, ficando porêm mortos alguns dos escravos fugidos. Outros quilombos porém restavam, que o presidente se propunha a mandar destruir.”


FONTE 7
Falla com que o Exm. Vice-Presidente da Província do Espírito Santo, José Francisco de Andrade e Almeida Monjardim abrio a Assembléa Legislativa Provincial no dia 23 de maio de 1844.
Pág. 13:

"(...) Uma medida que considero vital ao augmento da lavoura e a segurança individual dos lavradores é sem dúvida a de serem batidos os muitos e fortes quilombos de escravos refugiados que existem nas vizinhanças do povoado, vivendo do roubo e do assassinato; autorisar o governo com meios pecuniarios a esse fim desse ser objecto de consideração da assembléa. Os escravos que se achão aquilombados no lugar chamado Bahia Nova, sobre as cabeceiras do rio Jucú, e que escaparão á batida que em janeiro do anno próximo passado lhes deu o cidadão André de Siqueira Mattos com uma guerrilha de 70 homens, não cessão de desafiar a este cidadão probo, chefe de família, ameaçando-o de lhe pôrem fogo á casa de sua residência no sertão de Santo Agostinho, e que se tornar a procura-los, não voltará como da primeira vez, porque estão bem providos de munições que lhes tem arranjado pessoas livres, que não são índios, pardos ou pretos. Esta declaração não deve ser desprezada pelos legisladores, porque infelizmente haverá quem trate com taes fugidos a troco de alguns interesses particulares." (GRIFO MEU)


Pesquisa e texto: Gerson Moraes França

terça-feira, 24 de junho de 2025

CONCEIÇÃO DO MUQUI - HISTÓRIA

 

Foto: Conceição de Muquy em 1930 (Revista Capixaba) 

Post original feito em 08 de fevereiro de 2021 em minha rede social

CONCEIÇÃO DO MUQUI - HISTÓRIA

Como prometido em post anterior, nosso centro de história Alci Vivas Amado trás algumas informações históricas inéditas sobre os primórdios da vila de Conceição do Muqui, próspero distrito do município de Mimoso do Sul.

As primeiras posses em terras que circundam a atual vila de Conceição do Muqui foram colocadas em 1840, pelo posseiro Quintiliano José Barreiros. Esse posseiro e mateiro foi muito atuante nas regiões de Alegre, Café e Conceição do Muqui.

Essas terras, junto com as terras da fazenda da Prata, nas cabeceiras do ribeirão Barra Alegre (vendidas por Francisco Lopes da Rocha, posseiro da região do baixo Barra Alegre em 1837), foram compradas em 1853, na cidade de Vassouras, pelo abastado fazendeiro Manoel Gomes de Souza, então morador em Sacra Família do Tinguá. As terras do alto Barra Alegre e do alto Muqui do Sul pertencentes ao progenitor da família depois chamada de "os Gomes do Prata" mediam 4 sesmarias e eram bem extensas.

Em 1854, o fazendeiro muda seu nome para Manoel Gomes da Silveira e Souza, e em junho de 1858 muda-se, com a sua família, para a sua fazenda do Prata. Em algum momento do início da década de 1860 o tenente-coronel Manoel Gomes doou uma grande área para servir de patrimônio à Capela de Nossa Senhora da Conceição, em um pequeno córrego que corria para o Rio Muqui do Sul, templo este que já estava construído em 1868.

O coronel Manoel Gomes de Silveira e Souza, também chamado de Manoel Gomes da Prata, foi um dos homens mais ricos da Província do Espírito Santo. Faleceu em 07 de março de 1882 e foi sepultado na Igreja de Nossa Senhora da Conceição do Muqui. Nessa ocasião o templo recebia grandes reformas patrocinadas por Manoel e outros fazendeiros locais, buscando transformar a construção em uma grande Igreja.

Pesquisa e redação: Gerson Moraes França

segunda-feira, 23 de junho de 2025

As ruínas da capela de Nossa Senhora Auxiliadora, em São Pedro do Itabapoana

 

Essas são as ruínas da capela de Nossa Senhora Auxiliadora, no sítio histórico de São Pedro do Itabapoana, cuja construção iniciou-se no início do século XX e que foi concluída em 1918. Sua edificação foi iniciada pelo cônego Flávio Ribeiro, vigário da Paróquia entre 1897 e 1909, que adoeceu e faleceu em 1912, em Minas Gerais. Os vigários seguintes mantiveram a obra, que era um sonho do cônego Flávio, e que foi inaugurada cinco anos depois de sua morte.

quarta-feira, 18 de junho de 2025

O Busto de São Pedro

[Post original em minhas redes sociais]

https://www.instagram.com/historiador.gerson.franca/

 O BUSTO DE SÃO PEDRO

Esse é o busto de São Pedro que está no Museu São Pedro de Alcântara, no sítio histórico de São Pedro do Itabapoana (Mimoso do Sul/ES). Todo feito em madeira maciça, passou por uma recente restauração e mudou de lugar: agora está alocado à mesa em frente da porta de entrada do Museu, contemplando os visitantes que adentram o espaço.

Tomado equivocadamente pelo inventário do Museu como sendo uma antiga carranca de embarcação, trata-se na verdade da única imagem de São Pedro que restou da antiga Igreja de São Pedro de Itabapoana, construída entre 1856 e 1860 às margens do rio Itabapoana. “Resgatada” das ruínas da antiga Igreja, ficou por muitos anos em uma fazenda da região até ser entregue para formar o acervo do Museu São Pedro de Alcântara.

À propósito: a restauração feita no busto foi por causa de um acidente ocorrido durante a última reforma do Museu. O desabamento de uma parede - devido a uma intensa chuva quando da reforma dos telhados - danificou o nariz da imagem, que foi devidamente recolocado no lugar. Histórias…

Gerson Moraes França

Conteúdo das Redes Sociais


Conteúdo nas Redes Sociais

Esse post é apenas um registro. Algo que vem ocorrendo, gradativamente, ao longo dos anos. Com a chegada das redes sociais, como o antigo Orkut e o ainda existente Facebook, os conteúdos produzidos no nosso BLOG alcançaram ótimos meios de divulgação. Com a chegada do Instagram, o leque se ampliou; e ainda tem potencial de se ampliar, com o Tiktok e o Kwai, por exemplo (mas que eu, ainda, não utilizo). Sempre, ao fazer uma "matéria", colocávamos o seu link correspondente em uma rede social para que alcançasse muita gente.

Mas, de uns anos para cá, começamos (cada vez mais) a produzir conteúdo nas próprias redes sociais, deixando de fazê-lo sempre em nosso BLOG. Assim, muito de nossas pesquisas e escritos acabaram sendo publicados no Instagram e no Facebook, sem que eu colocasse o texto por aqui. Tentarei resgatar alguns desses textos que entendo ser interessantes para estarem nos escritos do presente BLOG. E começarei com o meu último post nas minhas redes sociais, que seguirá em um post próprio na próxima publicação.

EDIT: a propósito, possuo contas no Facebook e no Instagram, onde faço post's de conteúdo histórico.

Abaixo, segue o link que leva à minha principal rede social que trata de história:

https://www.instagram.com/historiador.gerson.franca/

Grande abraço a todos e todas!

Gerson Moraes França

sexta-feira, 2 de maio de 2025

Maria Antonieta Tatagiba - Pequena Resenha Biográfica

Em tempo de celebração da reedição do livro de poesias "Frauta Agreste", da poetisa Maria Antonieta Tatagiba, segue abaixo uma pequena resenha que fiz tratando celeremente de alguns momentos da sua vida. Eu havia tecido essa curta biografia em apenas duas horas, há uns poucos meses atrás e no ano passado, a pedido de um amigo; mas este amigo acabou não a utilizando. Para não se perder em algum canto de HD ou pen-drive, aqui publico.

Banner da Academia Maria Antonieta Tatagiba

PEQUENA RESENHA BIOGRÁFICA

MARIA ANTONIETA TATAGIBA

Maria Antonieta nasceu no dia 17 de setembro de 1896 na Fazenda União, em São Pedro de Itabapoana, Espírito Santo. Segunda filha do comerciante Arthur Antunes de Siqueira e de dona Maria Rita de Castro Siqueira, residentes em Campos dos Goytacazes, Rio de Janeiro. A primeira filha do casal, Zulmira, nascida em Campos no ano de 1895, falecera em 16 de abril do ano seguinte, antes de completar seu primeiro ano de idade e quando Maria Rita estava grávida de quatro meses. Talvez por esse motivo esta última tenha ido para a fazenda União, de seu pai José Antônio de Castro, para passar os meses restantes de sua gravidez junto de sua mãe dona Maria Cândida.

Nascida são-pedrense, Maria Antonieta cresceu em Campos. Arthur era natural do Estado do Rio, e dona Maria natural de São Pedro do Itabapoana. Ambos se casaram em São Pedro e lá se estabeleceram inicialmente, mas logo mudaram-se para a grande cidade do norte fluminense. Campos, em finais do século XIX e início do século XX, era a maior cidade do Estado do Rio de Janeiro. Mais rica e pujante do que as maiores urbes do Espírito Santo de então. Arthur era um comerciante bem sucedido, e Maria Antonieta estudou em bons colégios, como o conhecido Liceu de Humanidades de Campos.

O destino, porém, interferiu na trajetória de Maria Antonieta. Em fevereiro de 1911 o seu pai Arthur faleceu, deixando viúva sua mãe Maria Rita com duas filhas pequenas: nossa biografada e sua irmã Elvia Celeste, nascida em março de 1906. Assim, sem muitas alternativas, foram morar na fazenda União, em São Pedro do Itabapoana. E, nessa nova fase, Maria Antonieta começa a lecionar enquanto concluía seus estudos. Ministrou aulas em Mimoso, distrito do município de São Pedro, antes de terminar em 1916 o Ginásio do Espírito Santo. No ano seguinte, correu atrás de um sonho: ingressou no curso de Farmácia da Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro. Mas as vicissitudes da vida determinaram-lhe outros caminhos. Retornou para São Pedro, onde continuou a lecionar e a participar ativamente da sociedade local e, também, a dedicar-se a uma atividade que a eternizaria: as letras.

Em 1922 Maria Antonieta casou-se com José Vieira Tatagiba, um calçadense bacharel em Direito então promotor-público da Comarca de Itabapoana. E, a partir de então, passou a assinar o sobrenome com o qual foi reconhecida sua vida e obra: Maria Antonieta Tatagiba. Maria Antonieta ocupou, dentre outras atividades, a gerência do jornal A Semana, órgão de imprensa local, entre 1926 e 1927. Atuou ativamente nos meios literários do Espírito Santo, publicando sua obra de poesias, Frauta Agreste, em 1927. Suas posições e ideias feministas contrastam com a época em que viveu, demonstrando que vivia a frente de seu tempo.

Com José Vieira teve quatro filhos: Maria do Carmo, Ruy, que faleceu em tenra idade, Stael e Geraldo. Em meados de 1927 adoeceu, buscando tratamento em Campos e no Rio de Janeiro. Debalde. Após dois meses de tratamento hospitalar, Maria Antonieta voltou para São Pedro do Itabapoana, onde encontrou a vida eterna em 13 de março de 1928.

Nossa festejada poetisa, nascida no interior, cresceu na cidade. Ao retornar para o torrão natal, seu olhar de moça de cidade enxergou a beleza e o bucolismo do interior. Maria Antonieta cantou o interior. Fez de São Pedro, poesia.

Gerson Moraes França

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2025

Maria Ortiz: a Lenda, a Verdade e a Tradição (III) : O Diário de Piet Heyn.


DIÁRIO DA VIAGEM DE PIET HEYN AO BRASIL E À ÀFRICA OCIDENTAL 1624 - 1625

Anos depois de encontrar uma sexta fonte primária que trata do ataque holandês à vila de Vitória em 1625, e que publiquei no último post, me animei a procurar outras fontes estrangeiras que pudessem existir sobre o citado fato histórico. A internet, ano após ano, vai enriquecendo o seu "acervo", e uma busca criteriosa poderia nos revelar algum "novo" documento ainda desconhecido na historiografia capixaba. Vasculhei arquivos espanhóis e holandeses. E no final do ano de 2024 encontrei um documento em língua holandesa que, por sua grande importância, demorei a acreditar que ainda não havia sido "revelado" para nós espírito-santenses.

Trata-se do diário do próprio comandante da frota flamenga que atacou a vila de Vitória em março de 1625. Esse relatório foi "descoberto" na Holanda em 1931 e publicado em uma revista holandesa no ano de 1962 sob o título "Journaal van de reis van Piet Heyn naar Brazilië en Wesrt-Afrika, 1624-1625". Nele, o próprio Piet Heyn narra os acontecimentos daquelas expedições, e é muito interessante a leitura de sua passagem pelo Espírito Santo. Dentre outros pormenores, o que mais me chamou a atenção, considerando que o principal objeto desses meus escritos é a "mulher do tacho" hoje conhecida como Maria Ortiz, é a seguinte passagem relatada sobre a ação militar do dia 12 de março de 1625:

"12 dito. Smergens sijn wij onder seyl gegaen naer het dorp van Sprito Sancto, alwaer wij quamen ontrent den middach; sulcx dat wij landen met al ons macht, naementlijck 250 man, soo soldaten als bootsgesellen, meest al moskettiers - om het dorp Spirito Sancto te incorporeren. Soo als wij int marcheeren waren, coomende ontrent boven, daer de Portugesen haer sterck gemaeckt hadden ofte onthielden - losten een metalen stuck op ons, soo haest alsij ons begaen conden; welck stuck schoot ontrent 14 lb. ijsers. Flanckeerende langgers de wegh daer wij op quamen gemarchert, soo haest als de schoot vant stuck gegaen was, werdender veel pijlen ende eenige roors ofte moskets op ons geschooten; mitsgaders uyt een huys, daer wij bij stonden, werden met heet water uyt de vensters ende anders gegooten. Die vant dorp vielen middelertijt uyt, soo datter eenige van d'onse gequest werde van het geschiet van de Bresilianen, die hier ende daer in de ruychte laegen. Sulcx wij 〈30v〉 resolveerde wederom aff te trecken 〈alsoo de courage van ons volck wegh was〉; welck ick capiteyn Vonck belaste, dat hij met het volck soude afftrecken ende dat met ordre, - maer geschiede met een groote disordre, sulcx datter van de onse ontrent de 80 gequest werde ende 7en doot."

Em negrito (grifo meu) há o trecho que narra parte dessa ação militar e luta propriamente dita, e aí estão narrados fatos citados em outras fontes primárias, como a subida para a vila, o tiro de canhão, as flechas e rodelas lançadas sobre eles e os tiros de mosquetes; e, em vermelho (também grifo meu), o trecho da ação que mais me chamou a atenção por ler, pela primeira vez e expressamente, que foi usada água quente jogada das janelas para afastar os invasores holandeses. Esse fato aproxima ainda mais a história narrada por Britto Freire e por outros escritores europeus do século XVII, que citam a ação da "mulher do tacho" que derramou água fervente sobre o comandante dos atacantes.

Em tradução livre feita por translate, pois não conheço o idioma holandês, assim fica parte desse trecho do diário de Piet Heyn:

"12 dito [de março]. (...) navegamos até a vila de Sprito Sancto [Espírito Santo], onde chegamos por volta do meio-dia; para que desembarcássemos com toda a nossa força, ou seja, 250 homens, entre soldados e marinheiros, a maioria mosqueteiros - para conquistar a aldeia de Spirito Sancto. Enquanto marchávamos, chegando perto de onde os portugueses tinham construído ou estavam mantendo sua fortaleza, eles dispararam uma peça de metal contra nós o mais rápido que puderam; (...). Flanqueando a estrada por onde havíamos marchado, assim que o tiro da peça foi disparado, muitas flechas e algumas armas ou mosquetes foram disparados contra nós; assim como de uma casa onde estávamos, água quente jorrava das janelas e de outros lugares. Os moradores da aldeia se avançaram ao meio do dia, de modo que alguns dos nossos homens foram mortos pelos bombardeios dos bresilianos (brasileiros), que estavam aqui e ali nos matagais. Então decidimos (...) nos retirar novamente, como se a coragem do nossa tropa tivesse desaparecido; eu ordenei ao Capitão Vonck que ele partisse com a tropa e que isso acontecesse em ordem, - mas isso aconteceu com grande desordem, de modo que dos nossos cerca de 80 foram feridos e 7 foram mortos." (o negrito é meu)

Sem mais delongas, é isso. Um relato de fonte primária, escrito pelo comandante holandês Piet Heyn, que cita expressamente que das janelas (e de outros lugares) jorrava água fervente sobre eles. Heyn faleceu em junho de 1629, poucos anos depois após o acontecimento. É muito provável que a história da "mulher do tacho" narrada por Brito Freire seja verídica, pois nunca foi refutada por escritor algum; isso é plenamente verossímil, ainda mais considerando que outros escritores europeus, de forma independente inclusive, narraram a mesma história que, certamente, corria pelas bocas as pessoas na Europa.

Pesquisa e texto: Gerson Moraes França