Para a historiografia espírito-santense não é um grande mistério o período que o futuro Barão teria chegado ao nosso torrão. De acordo com os autores que trataram do tema, as datas variam entre 1798 e 1802; um lapso temporal relativamente curto. Sabe-se que Joaquim Marcellino, nascido em São Paulo, aqui chegou ainda bem jovem. Até a nossa descoberta, individualizando os pais do Barão e publicando o casamento de ambos, bem como a data de batismo do nosso futuro nobre, acreditava-se que Joaquim teria nascido em 1779; assim, aqui teria chegado quando tinha entre 19 e 23 anos. Já era possível perceber uma pequena discrepância em relação a alguma dessas datas (nascimento ou chegada aqui) porque era corriqueira a informação de que Joaquim Marcellino teria sido nomeado tenente de milícias no Espírito Santo aos 17 ou 18 anos (a idade varia com o autor), portanto, antes de sua presumível chegada.
De posse dos documentos por nós recentemente trazidos a luz, sabemos que os pais do futuro Barão, Joaquim José da Silva e Ana Fernandes Lima, se casaram em São Paulo no dia 27 de fevereiro de 1781. E que Joaquim Marcellino da Silva Lima, filho de ambos, foi batizado também em São Paulo, no dia 12 de dezembro de 1781. Assim, ao considerarmos as presumíveis datas de sua chegada ao Espírito Santo, podemos inferir que aqui fixou-se quando tinha entre 16 e 20 anos. Esses dados, retificados com o assento de seu batismo, batem com as informações de que teria recebido patente de milícia no Espírito Santo aos 17 ou 18 anos de idade.
Para o leitor que chegou até aqui, imagino que esteja se indagando: será que o escritor do presente post encontrou algum documento específico sobre a chegada do Barão de Itapemirim no Espírito Santo? Eu, desde já, lhe informo: não. Mas, sempre com base em documentos, pudemos estreitar um pouco mais as datas presumíveis de quando Joaquim Marcellino para cá veio, bem como a conjuntura em que chegou. Os autores das datas anteriores não costumavam citar as fontes que beberam, nem informavam algo além das simples datações.
Primeiramente, podemos informar a data máxima que para o Espírito Santo teria vindo. Encontramos, meses atrás, a confirmação régia e o registro da Carta Patente de Joaquim Marcellino entre os documentos do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo. O Rei Dom João, após o Aviso de S.A.R. de 20 de setembro de 1809, confirmou sua patente de Tenente da 8ª Companhia do Regimento de Milícias em 22 de outubro de 1810, no Rio de Janeiro. Em 13 de outubro de 1811 essa patente foi registrada em Vitória. No texto dessa confirmação acha-se a informação que nos interessa pra fixar a data máxima de seu estabelecimento nas plagas espírito-santenses: "(...) Joaquim Marcellino da Silva Lima, se achar provido por Dom Fernando José Portugal, sendo Governador e Capitão General da Capitania da Bahia, no posto de Tenente da Oitava Companhia do Regimento de Milícias (...)". Fernando José de Portugal e Castro, que depois seria Vice Rei do Brasil e Conde e Marquês de Aguiar, foi governador da Bahia de 1788 até setembro de 1801. Nessa época, a Capitania do Espírito Santo estava subordinada ao governo na Bahia em matéria militar. Assim, considerando que Dom Fernando proveu Joaquim Marcellino com a patente de Tenente na milícia espírito-santense, esse provimento não poderia ter sido feito depois de setembro de 1801. Não encontrei ainda o provimento original, mas com essa informação da confirmação elimina-se o ano de 1802 para sua chegada. E também chancelamos o fato de ter o futuro Barão recebido sua provisão de tenente de milícia antes de ter completado os 20 anos de idade.
E, agora, vamos fixar a data mínima para a chegada do Barão. Como publiquei em minha rede social Facebook há pouco mais de um ano atrás, o pai do Barão, Joaquim José da Silva, era natural de Campos dos Goitacazes, filho de Francisco da Silva Correa e de Maria Luciana de Jesus. Os avós paternos do pai do futuro Barão eram naturais da Capitania do Espírito Santo. A mãe de Joaquim Marcellino, Ana Fernandes Lima, era paulista, filha de Domingos Fernandes Lima e de Cláudia Brígida de Jesus. Joaquim José casou-se com Ana Fernandes, em São Paulo, poucos meses após estabelecer-se naquela Capitania. E pouco tempo após o casamento e o nascimento do filho, o casal estabeleceu-se no Rio de Janeiro, onde Joaquim José foi comerciante; esteve depois em Lisboa por pouco tempo, não sei se só ou acompanhado da família, talvez em função de sua atividade de negociante. Depois que retornou de Portugal, estabeleceu-se em sua cidade natal, Campos dos Goitacazes, onde exerceu a função de Tabelião. E ali ficaria até a sua mudança para o Espírito Santo, na segunda metade da década de 1790.
E por que Joaquim José da Silva mudou-se para o Espírito Santo? Em 1791 estourou no atual Haiti, então colônia francesa de São Domingos, uma revolta de escravos que hoje é chamada de Revolução Haitiana. Essa revolta desorganizou a produção de açúcar do então maior produtor desse artigo; o preço do açúcar, nos anos seguintes, disparou. Muita gente aproveitou a oportunidade e até as autoridades públicas no Brasil incentivaram o aumento da produção e o estabelecimento de novos empreendimentos açucareiros. Houve uma enorme pressão para se explorar novas terras. Foi a partir dessa época que as plantações de cana de açúcar subiram o rio Itapemirim e que o número de Engenhos na região aumentou substancialmente em fins do século XVIII e comecinho do século XIX.
Em Benevente, atual Anchieta (ES), não havia nenhum Engenho até essa época. Formada a partir de uma Missão Jesuíta, a maioria de sua população era de indígenas étnicos, já bem aculturados e que eram, também, súditos do Rei. A Vila tinha sua Câmara e autoridades, e parte de suas terras eram repartidas pelos moradores em lavouras basicamente de subsistência. A pesca também era uma importante atividade, bem como a extração de madeira nas florestas ao redor. Mas, com a pressão para se abrirem novas plantações de cana de açúcar para alimentar novos Engenhos, as terras começaram a ser ocupadas por "brancos". Alguns, no início, com licença da Câmara; outros, depois, comprando posses dos locais. Esse último foi o caso do pai do futuro Barão.
Em janeiro de 1797, já tendo perdido o cargo de Tabelião em Campos, Joaquim José comprou no lugar do Iriri, em Benevente, uma pequena porção de terras, com um pequeno sítio e umas tênues benfeitorias, de um mulato casado com uma índia, chamado Francisco Xavier. Isso sem licença da Câmara. E logo depois se introduziu na gleba, apossando-se das terras circundantes e inquietando os índios seus vizinhos, "trabalhando e cultivando as terras dos seus vizinhos e nacionais da terra que há tanto tempo estão ali estabelecidos" e "querendo apoderar-se das terras dos vizinhos índios (...) antigos possuidores". Os moradores locais peticionaram reclamando junto as mais altas autoridades mas, apesar de uma reprimenda do Ouvidor aos novos ocupantes, o processo foi irrefreável. Em poucos anos, grandes fazendas de cana de açúcar abasteceriam vários Engenhos na região. Em pouquíssimo tempo Joaquim José formou suas plantações e bem brevemente ergueu seu Engenho. Esse foi o gérmen da formação da Fazenda das Três Barras, que depois pertenceria ao nosso futuro Barão de Itapemirim a partir de 1807.
Assim, contada essa historinha supra, temos documentos que informam a data da chegada do pai de Joaquim Marcellino no Espírito Santo, mais propriamente em Benevente. Janeiro de 1797. Teria vindo o futuro Barão junto com seu pai? Teria permanecido um pouco mais em Campos, e chegado depois entre 1798 e 1801? Se aqui se estabeleceu em 1797, teria chegado com 16 anos de idade. Rezam as crônicas que recebeu a patente de Tenente com 17 ou 18 anos. Assim, dando crédito a essas fontes, sua chegada em nossas terras espírito-santenses parece que deu-se entre 1797 e 1799.
Dez anos depois de iniciar a formação de sua fazenda e engenho, Joaquim José da Silva e sua mulher venderam sua "fazenda com fábrica de açúcar no lugar denominado as Três Barras" para seu próprio filho Joaquim Marcellino da Silva Lima, pela quantia de nove contos e seiscentos mil réis, com pagamento à vista de um conto e quatrocentos mil réis e sendo o restante pago em prestações pelos próximos anos. Pagamento bem facilitado. Ainda não faço ideia do porquê que o pai do Barão vendeu a sua fazenda para o próprio filho. Antecipação da herança? Meio de legitimar as terras? Joaquim José da Silva voltou para Campos, onde faleceu em 1812. A referida fazenda se achava devidamente medida e demarcada, embora não tivesse confirmação. Junto com a fazenda também estavam incluídos na compra 12 escravos e 50 bois e 4 vacas, além de outras coisas mais e um sítio no lugar denominado Jagatiba. Em 1819, Joaquim Marcellino recebeu como Sesmaria as terras que estavam sob sua posse, e pouco mais tarde as confirmou.
E agora, ao terminar, o leitor pode se perguntar: "Tá bem, mas e daí? O que mudou em relação ao que se conhecia antes?" "Não muita coisa, prezado leitor", respondo eu. Antes, presumia-se que Joaquim Marcellino teria vindo para o Espírito Santo em 1798 ou 1802, ou entre esses anos. Com base nos que acima expus, eu não presumo, mas afirmo que teria chegado entre 1797 e 1801. Antes, ninguém citou a fonte onde bebeu: hoje, tenho as fontes comigo. Historiador não pode "chutar", mas se fosse para "chutar" uma data eu "chutaria" o ano de 1797. Feeling. E o que importa saber quando foi que o Barão de Itapemirim chegou ao nosso torrão? Qual a importância disso? Não muita. Mas, como pesquisador e historiador que sou, gosto e me atento muito a esses detalhes. Posso apenas dizer que, de importante para a nossa história, temos o fato de que a família de nosso futuro Barão residia em Campos antes de vir para o Espírito Santo, na esteira de vários campistas que fizeram o mesmo caminho para abrir lavouras de cana de açúcar e engenhos no sul do nosso atual Estado. Praticamente todo o know how e os capitais que foram investidos para fundar os engenhos de açúcar em Itapemirim e arredores, no século XVIII e início do XIX, foi campista. E, também, acabamos por aprender um pouco mais sobre a colonização de nosso solo, bem como sobre os problemas que os índios étnicos sofreram no Espírito Santo, quando foram sendo forçados a deixar ou vender de suas terras.
Pesquisa e texto:
Gerson Moraes França