À direita, a casa onde funcionava a repartição dos Correios e Telégrafos em Mimoso. Pertencente à municipalidade, foi demolida ainda na década de 1930. Fonte da foto: Mimoso in Foco |
Duas são as personalidades que tornaram-se as mais simbólicas e conhecidas quando se trata da resistência dos moradores de São Pedro do Itabapoana à tomada da sede do município e da comarca: Rosa Caroli, professora que resistiu à espoliação do patrimônio público da antiga Prefeitura de São Pedro, e Grinalson Medina, comerciante, político e jornalista que, usando do papel e da pena, tentou por anos restabelecer o status quo ante da municipalidade sãopedrense.
Mas essas duas personalidades, tão identificadas com a resistência sãopedrense, atuaram em momentos posteriores à mudança da sede para Mimoso, então rebatizada de João Pessoa. Cumpriram importante papel. Rosinha, simbolizando a resistência física pela indignação do povo local contra a espoliação, representada pela retirada de móveis e objetos do prédio da antiga Prefeitura em 1931; e Grinalson, representando a mobilização dos moradores pela revogação do ato que consideravam uma grande injustiça, recorrendo à publicações jornalísticas e confecção de documentos encaminhados às mais altas autoridades do país.
Ambos foram reativos post factum : até porque, naquele outubro de 1930, quando as forças revolucionárias provenientes de Minas Gerais tomaram todo o sul do Estado do Espírito Santo, ninguém em São Pedro ou em Mimoso imaginava que um ato como esse, mudar a sede de um município via ato discricionário e decreto, pudesse ocorrer. Até então, o que ocorria era um movimento armado para derrubar o governo federal e, via reflexa, fazer cair os governos dos Estados alinhados com o Presidente da República. Igualmente, derrubar os governos municipais situacionistas nesses Estados. Esse era o caso do Espírito Santo e de seus municípios, cujos governos eram todos solidários ao Presidente Washington Luís.
No Espírito Santo, houve resistência ao avanço das tropas revolucionárias mineiras. Houve um renhido combate em Baixo Guandu, então distrito de Colatina lindeiro à Aimorés/MG, no eixo da Estrada de Ferro Vitória-Minas. Nessa peleja, que ficou conhecida como "Batalha do Guandu", as tropas espírito-santenses foram derrotadas pelas forças mineiras, havendo alguns mortos e muitos feridos. No sul do Estado, na estação de Coutinho, entroncamento da estrada de ferro que demandava Carangola e Castelo, também houve um combate; menos feroz que em Baixo Guandu, e que se resumiu a um intenso tiroteio, procedido da retirada das tropas capixabas para Cachoeiro de Itapemirim. Os revolucionários avançavam em todas as frentes, dentro do Estado do Espírito Santo.
Em São Pedro e em Mimoso, o que corriam eram os boatos. Legalistas e revolucionários proclamavam suas vitórias, e era difícil saber exatamente o que estava se passando no resto do país. Até que os fatos suplantavam os boatos. Já à alguns dias, sabia-se que uma tropa revolucionária havia tomado a cidade de Itaperuna, no norte do Rio de Janeiro, e que um pequeno destacamento havia ocupado Bom Jesus, do outro lado do rio Itabapoana. Sabia-se, também, que uma tropa mais numerosa havia ocupado Veado (hoje, Guaçuí) e Alegre, e que marchava para Cachoeiro pelo eixo da Estrada de Ferro Leopoldina. Mas também sabia-se que uma numerosa tropa legalista operava para resistir à esses avanços no rumo de Cachoeiro.
Com o início da revolução, o grosso do pequeno destacamento policial em São Pedro e em Mimoso foi retirado para o Quartel do Regimento em Vitória. Isso também ocorreu em vários municípios do Estado onde a presença dos destacamentos não era tão necessária. Algumas municipalidades criaram os chamados "batalhões patrióticos", tropas irregulares e mal armadas que serviam para policiar as cidades e vilas e, caso necessário, resistir à alguma investida dos revoltosos. Não foi o caso de São Pedro e Mimoso. As autoridades locais, confiantes de que o governo debelaria essa revolução, assim como já havia derrotado outras durante a década de 1920, não tomaram nenhuma providência para criar uma Guarda Municipal, muito menos um batalhão patriótico. O Município não possuía limites com Minas Gerais, e acreditava-se não haver necessidade disso.
Fiaram-se, porém, no decreto do governo federal que convocou os reservistas do Exército. Essa "tropa" é a que foi utilizada, por alguns dias, para fazer a segurança de São Pedro e de Mimoso, na medida que os reservistas iam sendo "incorporados" e remetidos ao Rio de Janeiro. Armando alguns dos que se apresentaram, e "cassando" os que não queriam se apresentar - alguns até se esconderam em casas de parentes ou se refugiaram em fazendas ou sítios -, o Prefeito, que também era o Presidente da Junta de Alistamento Militar, tinha a sua "tropa". À eles se somavam alguns dos seus "capangas", empregados de sua Fazenda que ficava próxima a Mimoso e era servida até por uma parada da Estrada de Ferro Leopoldina, e que faziam a sua segurança pessoal.
Até que a realidade chegou. Na metade do mês de outubro, as comunicações entre Mimoso e a capital do Estado, via Cachoeiro, foram caladas. Tropas revolucionárias haviam ocupado a cidade vizinha de Muqui. Os boatos começaram a correr. No dia seguinte, começa a circular a notícia de que o Presidente do Estado, Aristeu Aguiar, havia fugido, e que Cachoeiro havia caído e sido ocupada pelas tropas comandadas pelo Major revolucionário Joaquim Barata. Ato contínuo, as comunicações de São Pedro e Mimoso com Campos e a capital federal também se calaram: o entroncamento de Murundu, no município campista, havia sido ocupado por tropas revoltosas. São Pedro de Itabapoana e o distrito de Mimoso estavam isolados.
Nesse momento, as autoridades trataram de cuidar, cada qual, de si. O Prefeito deixou o povoado de Mimoso e se refugiou em sua propriedade próxima, a Fazenda Pauliceia. A segunda turma de reservistas, que se preparava para embarcar para o Rio de Janeiro, foi dispersada e mandada de volta para suas casas. Tiveram sorte melhor que a primeira turma, em número de trinta, que havia sido despachada dias antes. Alguns políticos e vereadores também deixaram os núcleos urbanos, em demanda à alguma Fazenda própria, ou de parentes ou amigos. Outros, fecharam-se em suas casas e aguardaram o desenrolar dos acontecimentos. Aguardava-se a chegada, à qualquer momento, das tropas revolucionárias. Os mesmos que bradavam em alto e bom som que tudo fariam para derrotar o impatriótico movimento, e que prestavam incondicional solidariedade aos Presidentes da República e do Estado, agora se protegiam da melhor forma que podiam, temendo algum excesso que pudesse ocorrer por parte dos revolucionários. De todo modo, naquelas circunstâncias, seria uma temeridade qualquer tipo de resistência armada: se havia alguns fuzis e carabinas, havia muito pouca munição; e os homens eram poucos também. Melhor seria aguardar uma eventual, mas improvável, investida das poderosas tropas legalistas, formadas pela Polícia Fluminense e pelos Fuzileiros Navais, que se encontravam em Campos, no caso de serem despachadas para retomar Cachoeiro do Itapemirim.
Poucos dias se passaram, e nada de tropas. Nem revolucionárias, nem legalistas. Os políticos liberais de São Pedro e de Mimoso, já encorajados pela fuga das autoridades, mas sem coragem suficiente para depor o governo e ocupar os prédios públicos, estavam a aguardar a chegada dos revolucionários; tentavam acalmar a população temerosa, pois os boatos de excessos e saques corriam soltos. A expectativa era grande. E aí surgem as figuras das únicas pessoas que, ao que temos conhecimento, resistiram de algum modo à ocupação de São Pedro e de Mimoso pelas tropas revoltosas.
Em São Pedro, após as notícias ou boatos de que os revolucionários haviam ocupado todos os municípios do entorno, e com a debandada das autoridades e das pessoas ligadas à legalidade, um grupo de políticos liberais também acalmavam a população. O Delegado da cidade, um dentista, sem que nada pudesse fazer, e assim como outros, estava trancado em sua casa. Enquanto os revolucionários iam vindo, o então o agente dos Correios e Telégrafos, Yvonne Feitosa de Aguiar, não se fez de rogado: pegou o aparelho do telégrafo e retirou-o da Agência, que também era a sua residência. Enfiou-se em um cafezal próximo, escondendo a aparelhagem. Quando as tropas revolucionárias chegaram para tomar e ocupar São Pedro, vindas pela estrada do distrito de Antônio Caetano (atual Apiacá), não puderam se comunicar com Itaperuna, então "quartel general" do Major revolucionário Otto Feio e de onde haviam sido despachadas sob ordens deste último.
Os revolucionários, então, tomaram algumas medidas e providências mais urgentes e rápidas, antes de partirem para Mimoso, que era o ponto final daquela operação militar. Tomaram o prédio da Prefeitura, dissolveram a Câmara (onde não havia nenhum vereador para entregar o prédio) e depuseram o Prefeito (que se encontrava refugiado em sua fazenda próxima à Mimoso), constituindo um novo governo e empossando um deles como Interventor do município de São Pedro do Itabapoana, de acordo com ofício assinado pelo Major Feio.
Partiram então, pela estrada do Catuné e Palestina, para ocupar o povoado de Mimoso. Assim que chegaram, tomaram as medidas que eram comuns quando uma tropa revoltosa ocupava alguma localidade: ocuparam a Estação ferroviária, que constituíram em "quartel general" e, depois, encaminharam-se para controlar a Agência dos Correios e Telégrafos. O agente, Antônio Bonifácio de Castro, conhecido como "ABC", decidiu não entregar a repartição aos revoltosos. Iria resistir à ocupação, e trancou as portas da Agência que, assim como em São Pedro, também era a residência do agente. Uma esquadra de soldados revolucionários foi mandada para resolver a situação: posicionaram-se defronte à Agência, com os fuzis apontados para a mesma. Curiosos encheram o entorno da rua. Após algumas negociações, o telegrafista cedeu, e entregou a repartição. No dia seguinte, os revolucionários iriam "decretar" a mudança do nome da localidade, de Mimoso para "João Pessoa", em uma homenagem ao "mártir" dos liberais.
Quanto à algumas das autoridades decaídas, o novo Interventor municipal determinou que fossem "buscadas" aonde estivessem, e ficassem sob custódia em Mimoso. Assim, o Juiz de Direito e o Promotor Público foram "hospedados" no Hotel Amorim, próximo da Agência Municipal de Mimoso, órgão da Prefeitura de São Pedro e sede provisória do governo civil da nova Cidade de João Pessoa. O antigo Prefeito foi buscado em sua Fazenda, e entregou-se aos revolucionários com as chaves da Agência Municipal. Ficou "hospedado" na Estação Ferroviária, e depois foi "colocado" dentro de um vagão de passageiros de uma composição de trens. Vitoriosa a revolução, tiveram todos as suas "custódias" relaxadas.
E aí, o resto, é outra história; história que muitos de nós já conhecemos. Os revolucionários, junto com os liberais locais de Mimoso e alguns adesistas, decidiram mudar definitivamente a sede do município e comarca, retirando-a de São Pedro e alocando-a em Mimoso, agora chamada de João Pessoa. Vitoriosa a revolução e constituídos os novos governos federal e estadual, os atos locais foram ratificados pela Interventoria do Estado. E as autoridades federais lavaram as mãos para os reclames dos sãopedrenses.
Eis aí a história dos únicos que, de alguma forma, praticaram algum ato de resistência às tropas revolucionárias que avançavam inexoravelmente para tomar e ocupar todo o sul do Estado do Espírito Santo e norte do Estado do Rio de Janeiro. Dois funcionários públicos federais. Dois telegrafistas chefes das Agências dos Correios e Telégrafos de São Pedro e de Mimoso. Não de armas em mãos, mas apenas com atitudes.
Yvonne Feitosa de Aguiar havia iniciado na profissão como auxiliar de estação, na Agência de São Pedro. Em 1927 foi promovido à praticante diplomado e admitido na Repartição Geral dos Telégrafos, assumindo como telegrafista a chefia de sua Agência. Teve a ajuda de Clarindo Lino e de Abner Mourão para efetivar-se no cargo. Depois da mudança da sede, permaneceu ainda por anos à frente da repartição.
Antônio Bonifácio de Castro, o ABC (apelido adquirido pelo costume que tinha de assim assinar seu nome quando transmitia os telegramas), era funcionário antigo da repartição. Havia antes sido conferente de uma estrada de ferro no Rio de Janeiro, entrando como telegrafista praticante na Estrada de Ferro Central em 1910. Com o passar dos anos, foi fazendo carreira e sendo promovido. Em 1919, ao ser promovido para telegrafista de 3ª classe, foi removido para servir em Vitória, capital do Estado. Em 1923, foi removido para Vila Velha e, em 1925, estava servindo como encarregado da estação telegráfica de Cachoeiro do Itapemirim. Com a criação da Agência do Telégrafo Nacional em Mimoso, em 1929, para lá foi transferido. Após o episódio de 1930, foi removido para Salvador, na Bahia e, depois, também serviu em Feira de Santana e no Estado de São Paulo. Aposentou-se no final de 1939, após trinta anos de serviço.
Por: Gerson Moraes França