quinta-feira, 10 de novembro de 2016

Muqui e a Revolta do Xandoca (Parte 1)

São João do Muquy, por volta de 1910
Foto: Museu Virtual de Muqui


AS ELEIÇÕES DE 1916 E A REVOLTA DO XANDOCA

Esse ano de 2016 foi de eleição municipal. Em Muqui, as eleições correram tranquilas; a campanha foi morna, a votação foi ordeira, e as comemorações do vencedores - bem como os lamentos dos vencidos - foram sem excessos. Tirando um, ou outro, mais apaixonado, o clima foi de civilidade. Mesmo agora, quando ainda há indefinição se o candidato que venceu o pleito será empossado, ou se haverá novas eleições, o clima político geral da cidade é tranquilo. Aguarda-se a decisão dos recursos apresentados pelos candidatos, junto à Justiça Eleitoral, para que haja uma definição.

Quem acompanhou as eleições municipais desse ano, e acredita que sempre foi assim, nem imagina como era uma eleição antigamente. A disputa era ferrenha, quando havia. Ocorria coerção e fraudes. Na chamada República Velha (1889-1930), quando havia competição acirrada, acontecia às vezes de grupos rivais até pegarem em armas. Foi o que aconteceu no Espírito Santo, nas eleições de 1916. Há cem anos atrás.

Naquele ano, o que aconteceu, grosso modo, foi isto: uma facção política que detinha o poder no Estado, chefiada pelo ex-presidente (assim se chamavam os governadores, à época) Jerônimo de Sousa Monteiro (presidente entre 1908 e 1912), lançou o irmão deste (Bernardino de Sousa Monteiro) para suceder o então governante, Marcondes Alves de Sousa (presidente entre 1912 e 1916). Todos eles eram representantes de um grupo político que, como acontecia naqueles tempos, tomou firmemente o poder no Estado: a oligarquia dos Monteiro. A representação federal do Estado (senadores e deputados federais) que, até então, era aliada aos Monteiro, rompeu com esses. Com a simpatia do Presidente da República, o mineiro Wenceslau Braz, essa dissidência resolveu apoiar o lançamento de uma candidatura de oposição aos Monteiro: José Gomes Pinheiro Junior, que já era oposicionista à alguns anos.

Tanto Jerônimo e Bernardino, quanto Pinheiro Junior, tinham suas bases políticas originais em Cachoeiro de Itapemirim, então próspera e rica cidade do sul do Espírito Santo. A história dessas eleições é bem movimentada. Situacionistas e oposicionistas fizeram uma campanha dura, acusando-se mutuamente de cometerem excessos. Houve confronto armado entre os adversários. Houve duplicata de Câmaras, Congresso Legislativo (a atual Assembléia Legislativa) e de Presidência do Estado. Havia constante ameaça de uma intervenção federal. Bernardino e Pinheiro Junior, cada qual, declarou-se vencedor no pleito. Ambos se declararam empossados no cargo. O governo pinheirista, após conflito armado com o governo monteirista em Vitória, capital do Estado, transferiu-se para Colatina, no norte do Espírito Santo. Durante alguns meses, e até que fosse julgada a questão no Senado federal em favor de Bernardino Monteiro, houve duplicata de Governos no Estado, e o governo de Pinheiro Junior em Colatina "dominou" uma parte do território espírito-santense.

Esse é um pequeno resumo do que foi a "Revolta do Xandoca". Esse nome advém do então candidato à vice-presidente da chapa pinheirista, chefe político de Colatina chamado Alexandre Calmon, de apelido Xandoca. Após a instalação do governo de Pinheiro Junior em Colatina, este foi ao Rio de Janeiro, então capital federal, para advogar uma solução em prol de sua situação. E, em Colatina, assumiu então o seu vice Alexandre Calmon, que governou até que, derrotados os pinheiristas, suas forças se refugiaram no vizinho Estado de Minas Gerais.

Nessa época, as eleições para o governo estadual e para os governos municipais (prefeito e vereadores) eram realizadas na mesma data. Assim, as lides eleitorais estaduais reverberavam diretamente nas eleições dos municípios. E as lutas políticas, também. Foi nessa conjuntura que foram realizadas as eleições em Muqui, naquele ano de 1916. Vamos agora contar, aqui,como foram.


AS ELEIÇÕES DE 1916 EM MUQUI - ANTECEDENTES

O município de São João do Muquy era de criação recente. Embora a ocupação de seu território para a formação de grandes fazendas cafeeiras date da metade do século XIX, a região foi parte do município de Cachoeiro de Itapemirim até 1912. Nesse ano, com o beneplácito do recém empossado Presidente Marcondes Alves de Sousa, até então chefe político monteirista do Distrito de São João do Muquy, foi criado e instalado o município. Muqui era, nessa época, uma importante e próspera Vila do sul do Estado, com economia ancorada na produção cafeeira. O povoado crescera muito alguns anos após a construção da estrada de ferro que ligava Cachoeiro ao Estado do Rio e a inauguração de sua Estação, em 1902. Era um município de pequena extensão territorial, mas muito rico em virtude da sua grande produção de café: a "Suíça espírito-santense", como alguns muquienses comparavam na época.

Marcondes Alves de Sousa havia se estabelecido no povoado de Muqui (ainda chamado coloquialmente de "Arraial do Lagarto") no ano de 1895, com estabelecimento comercial e, depois, com fazenda. Quando Jerônimo Monteiro aliou-se ao então presidente estadual Henrique Coutinho (1904-1908), Marcondes foi alçado à posição de chefe político do Distrito de São João do Muquy. Embora não possuísse raízes fortes dentre os muquienses, a imposição "de cima para baixo", prática comum naquele tempo, fez com que grande parte das famílias antigas de Muqui, proprietárias das grandes fazendas de café, apoiassem o seu novo "chefe político". Quando Jerônimo Monteiro se tornou presidente do Estado em 1908, Marcondes passou a desempenhar importante papel político no município de Cachoeiro, do qual Muqui era parte. Sem descuidar dos assuntos políticos entre os muquienses, Marcondes aliou-se a um jovem agrimensor que havia se mudado para Muqui em 1903, chamado Geraldo de Azevedo Vianna. Marcondes, então, quando se tornou presidente do Estado em 1912, e com o aval de Jerônimo e Bernardino, elevou Geraldo Vianna à condição de "chefe político" em Muqui.

E foi assim, com Geraldo Vianna como chefe político de Muqui e como "preposto" de Marcondes, e com o beneplácito dos Monteiro, que deu-se a criação e a instalação do município de São João do Muquy. Em 1912 foi realizada a primeira eleição para a constituição de sua Câmara Municipal. Nessa época, os partidos ou grupos formavam uma chapa com os nomes dos seus candidatos, e não se votava em um só candidato. Eram cinco vagas de governadores municipais (vereadores) nas Vilas, e cada eleitor podia votar em até quatro nomes da chapa. Mulheres e analfabetos não podiam votar. Somavam-se os sufrágios, e os cinco mais votados eram eleitos. E até a reforma constitucional de 1913, quando foi criado o cargo de Prefeito, eram os presidentes das Câmaras municipais que exerciam o poder executivo local.

Em 1912, a chapa governista (do PRES - Partido Republicano Espírito-Santense, filiado ao nacional PRC - Partido Republicano Conservador) conquistou todas as cadeiras da Câmara municipal de Muqui. A oposição (amalgamada em uma agremiação chamada de "Oposições Coligadas") não lançou chapa, embora tenham sido apresentados alguns candidatos avulsos governistas e independentes. Geraldo Vianna foi o vereador mais votado, e foi eleito presidente da Câmara pelos seus pares. Iniciava-se a vida administrativa autônoma do município.

A primeira Câmara de Muqui foi formada por Geraldo Vianna, já citado; por Fortunato José Ribeiro, fazendeiro; Mathurino Evangelista de Carvalho, também fazendeiro; Luiz Siano, comerciante e representantes da "colônia" italiana no município; e por Zehy Simão, também comerciante, da colônia sírio-libanesa. Matheus Xavier Monteiro de Paiva, grande fazendeiro, foi eleito para o cargo de Primeiro Juiz Distrital.

Em 1914, fruto da reforma constitucional de 1913, foi realizada a primeira eleição para Prefeito em Muqui. O partido governista lançou o nome de Emílio Coelho da Rocha, que não teve opositor. A oposição, ainda pouco articulada no município, não apresentou candidatura. E, mesmo se apresentasse, considerando as práticas político-eleitorais da época, seria derrotada pela situação. Candidato único, Emílio Coelho foi eleito com 215 votos, dos quase 600 eleitores alistados.

No decurso da legislatura, foram aparecendo fissuras entre os governistas. Grosso modo, estes estavam divididos em duas correntes políticas principais, ambas governistas, que haviam se entendido em 1912 na divisão dos espaços do poder em Muqui. Na Câmara, o grupo de Geraldo era formado por Fortunato Ribeiro, Luiz Siano e Zehy Simão; o outro grupo incluia o vereador Mathurino e o Primeiro Juiz Distrital Matheus Paiva. Este último tinha papel importante nas eleições, pois presidia a Junta de Alistamento Eleitoral e tinha influência na indicação dos membros das Mesas Eleitorais.

Essa divisão se refletia, também, na representação do município no Congresso Legislativo (Assembléia estadual): uma delas representada por Geraldo Vianna (eleito deputado estadual em 1913), ligado ao presidente Marcondes e à Bernardino, alçado à chefia política do município; e a outra por Cezar Vieira Machado (deputado desde 1909), mais ligado à Jerônimo. Parte da corrente representada por Cezar, sentindo-se preterida, formou uma oposição local à Geraldo, embora o próprio Cezar tenha se mantido leal aos governos estaduais até 1920.

Foi essa fissura que, aliada à oposição abrigada no Partido Republicano Liberal (fundado em 1913 e chefiado no Estado pelo ex-presidente estadual Muniz Freire), rompeu definitivamente com os governistas locais e estaduais quando do lançamento e/ou do fortalecimento da candidatura oposicionista de Pinheiro Junior. E, no próximo post, contaremos como foi essa história e os fatos ocorridos nas eleições de 1916.


Gerson Moraes França

domingo, 6 de novembro de 2016

Vinte Anos de Pesquisa

Não me lembro exatamente quando foi. Desde que me entendo por gente, sempre fui apaixonado por história. Já nos primeiros anos do ensino fundamental, lembro-me de incluir, dentre a lista dos livros que deveriam ser comprados para o ano letivo, um exemplar de Atlas Histórico, ou algo do gênero como um Mapa-Mundi ou um Globo Terrestre para me localizar melhor.

Essa paixão foi aumentando. Depois disso vieram a aquisição de Enciclopédias. Do meu contato com a Conhecer e a Barsa iniciou-se a paixão, também, pela pesquisa da história. Ainda coisa de criança. As revistas do Astérix - as quais, por sinal, eu possuía a coleção completa - só aumentaram essa coisa que comecei a considerar como sendo uma espécie de "dom".

Nessa época de criança, minhas leituras ficavam adstritas às histórias mais difundidas, como Roma antiga, partes da Idade Média européia, as Guerras Mundiais, Egito e Mesopotâmia, essas coisas. Residualmente, história do Brasil colonial, América pré-Colombiana, com pitadinhas de China e Índia. Enfim, com o passar dos anos, fui aumentando o meu conhecimento sobre a história de todos os lugares que eu pude encontrar algo para ler.

Em algum momento do início da década de 1990, brotou em mim o interesse por conhecer e estudar a história do Espírito Santo. Tão antigo quanto o restante do Brasil, apaixonei-me, também, pela nossa história regional. Daí comecei, novamente, um novo "ciclo" de leituras e de procura de materiais onde eu pudesse encontrar algo. Eram tempos que a Internet ainda engatinhava, e o acesso à matéria só podia ser feito indo às Bibliotecas e adquirindo algumas obras nas Livrarias.

E aí veio o ano de 1996. Como disse quando abri esse texto, não me lembro exatamente quando foi. Só me lembro que foi depois das eleições municipais daquele ano, que em Mimoso do Sul deram a vitória ao "nosso candidato" para prefeito à época, Ronan Rangel. Foi em algum momento de fins desse ano que despertei o interesse por conhecer e estudar a história de Mimoso do Sul. Eu não conhecia nenhuma obra, nenhum escrito, nenhum trabalho sobre a história local mimosense. Mãos à obra: comecei a garimpar tudo que podia.

Aproximei-me de pessoas que tinham a mesma paixão e que já pesquisavam nossa história: Rosângela Guarçoni, Dr Pedro Antônio de Souza, dentre outros. Residindo em Vitória, iniciei minha pesquisa sobre a história de Mimoso do Sul. Na época, meu foco principal era a "Tomada da Comarca" em 1930. Fucei bibliotecas e arquivos; entrevistei pessoas e visitei lugares. Daí em diante, nunca mais parei.

E assim, em fins desse ano de 2016, faz vinte anos que pesquiso a história de Mimoso do Sul e de São Pedro do Itabapoana, bem como, subsidiariamente, a história do vale do Itabapoana, de Muqui e do sul do Estado do Espírito Santo em geral.

Embora eu, por vezes, escreva algo aqui no Blog sobre história mimosense, minha intenção inicial era produzir uma obra sobre a História de Mimoso. Acreditem, a tarefa não é fácil. Escrever pequenos textos sobre pequenos recortes temporais ou espaciais, ou sobre fatos específicos e bem situados, não é difícil. Mas escrever uma obra geral demanda muito tempo e critério.

Assim, pensei em modificar o modo de executar meu sonho. Ao invés de uma obra, pensei em começar a colocar, na Internet, seja num Blog ou algum Site, as coisas que pesquisei. Desde fontes primárias, até as conclusões que cheguei. Guardar o conhecimento para si não faz sentido; é preciso difundi-lo. E, no mundo de hoje, qual a melhor forma de compartilhar o conhecimento? A resposta é fácil: colocando na Internet.

segunda-feira, 31 de outubro de 2016

Maria Ortiz - A Lenda, a Verdade e a Tradição

Maria Ortiz (foto: reprodução do jornal "A Gazeta")

ESSE ARTIGO, ESCRITO POR MIM EM 2015, FICOU "PERDIDO" EM MEU HD.
REENCONTREI-O, E RESOLVI PUBLICAR.
SEGUE, PORÉM, SEM REVISÃO; TAL COMO ESCREVI NA OCASIÃO.



Vou te devorar
A tua história incorporar
Espírito Santo Guerreiro
Caprichosamente me levar

Profano canto suburbano
Se transforma em divinal
(...)

Trecho inicial do samba-enredo da Caprichosos de Pilares, no carnaval de 2006, de autoria de José Manfredini, Mauro Speranza e Márcio do Swing, intitulado "Na folia com o Espírito Santo, o Espírito Santo caprichou".




Em 2006, a escola de samba Caprichosos de Pilares fez uma homenagem ao Estado do Espírito Santo, em seu samba-enredo. Mas essa homenagem resultou em uma polêmica, que repercutiu em terras capixabas. Maria Ortiz, a tradicional heroína que, com sua valentia e atitude ajudou a repelir uma tentativa de invasão dos holandeses em Vitória, foi retratada em um dos carros alegóricos como se tivesse sido uma cafetina e prostituta. Em efeito cascata, até a água fervente que derramou sobre os invasores que subiam a ladeira, hoje escadaria que leva seu nome, foi complementada por dejetos arremessados sobre os inimigos, esvaziando o "conteúdo dos penicos de sua casa de diversões" (1).



Antes desse enredo e da repercussão que tomou o tema, tive contato com essa versão sobre Maria Ortiz. Ela era propagada, em tom de brincadeira, no meio de alguns artistas e intelectuais com quem tive contato nos primeiros anos da década de 2000; nenhum deles, historiador. Uns tantos acreditavam realmente nisso, mais radicais no revisionismo sobre a personagem. Não tinham, é verdade, a intenção de desqualificar a figura da "mulher heroína", embora o tenham feito. Estavam mais imbuídos daquele espírito desmistificador presente à época, no estilo "Jesus era comunista" ou "Zumbi foi homossexual". Intentavam quebrar o culto ao herói, tornando as personagens mais humanas. E, daí, teciam simples presunções destituídas de fundamentação documental e histórica.



Mas, afinal, quem foi, e o que foi, Maria Ortiz? Ela é personagem real, como rezam uns, ou uma lenda imaginária, como entendem outros? Como foi preservada sua memória e como foi construída a heroína? Nesse artigo, procuro trazer elementos e reflexões sobre isso.



Primeiramente, precisamos contextualizar objetivamente. No início do século XVII Portugal e Espanha viviam o período chamado de "União Ibérica" (1580-1640), que foi quando ambos os Estados estiveram sob o reinado do mesmo soberano. Os holandeses, inimigos dos espanhóis, passaram a atacar as possessões portuguesas. Em 1624 atacaram e ocuparam Salvador, capital das colônias portuguesas no Brasil. No ano seguinte, uma esquadra holandesa penetrou na baía de Vitória, postou-se em frente da então Vila, fez um desembarque e atacou a capital da Capitania do Espírito Santo. Foi nessa ocasião que, segundo a tradição e alguns historiadores, Maria Ortiz teria feito sua aparição na história local. Buscando impedir os invasores que subiam a ladeira onde residia, a mulher derramou água fervente sobre os soldados inimigos em um momento que a defesa local fraquejava. Tal ato animou os defensores que, refeitos, contra atacaram e puseram o inimigo em debandada. Há versões que aumentam o feito, creditando a vitória dos capixabas e a fuga dos holandeses unicamente à água fervente derramada sobre o comandante das tropas holandesas.



Sobre a invasão e tentativa de ocupação de Vitória pelos holandeses, bem como sobre a luta dos capixabas em defesa de sua terra, há documentação contemporânea aos fatos. É acontecimento real, provado pelas fontes. Ao final do texto transcrevemos os documentos que narram o acontecimento. São quatro fontes; três portuguesas e uma holandesa: a Carta Annua do padre Antonio Vieira (1626), a Relação Universal de Manuel Severim (1627), a História do frei Vicente do Salvador (1627) e os Annaes de Johannes de Laet (1644).



Observa-se que as fontes contemporâneas não mencionam Maria Ortiz, nem mulher alguma. Tratam da luta, enaltecem alguns personagens e seus feitos, mas não citam o episódio que consagrou nossa heroína. Uma das fontes até informa que as mulheres e as crianças deixaram a Vila apressadamente e se refugiaram nos matos e arredores, deixando dúvida se alguma mulher teria ficado no povoado. Assim, como e quando surgiu a versão celebrada nos dias atuais pelos capixabas?



O primeiro documento que cita o fato de uma mulher participando da luta e derramando água fervente sobre os invasores é pouco posterior aos acontecimentos. Foi registrado por Francisco de Britto Freire em sua obra "Nova Lusitânia, História da Guerra Brasílica" (1675). Britto Freire participou, como Almirante da esquadra da Companhia de Comércio, dos acontecimentos finais da guerra contra os holandeses no nordeste do Brasil em 1653/54 e, depois, foi governador da Capitania de Pernambuco entre 1661 e 1664. Neste tempo, coletou documentos e relatos sobre o conflito. Preso por motivos políticos em 1669, escreveu sua obra durante os seis anos que permaneceu detido. Seu trabalho é considerado por Pieter Netscher (um dos mais sérios e metódicos historiadores holandeses que escreveram sobre as guerras com os portugueses) como uma das melhores obras sobre os holandeses no Brasil.



Ao final do texto, transcrevemos a parte do livro de Britto Freire que trata das investidas holandesas. Aqui, colocaremos apenas o trecho que nos interessa:

"(...) Ridiculo successo do Almirante Perez
(...) tornando em o dia seguinte, a experimentar no segundo combate, o primeiro successo, huma molher Portuguesa, escolheu ao Perez por singularidade na differença do trajo, & lugar da pessoa, para lançarlhe do alto da casa, hum tacho de agoa fervendo sobre a cabeça. Não o pode molestar braço algum varonil, & molestou-o aquela mão feminina".


Pela primeira vez, o fato de uma mulher ter despejado água fervente sobre os invasores é registrado. Britto Freire foi bem criterioso ao escrever sua obra, e não é crível presumir que o mesmo tivesse inventado esse fato. O mais provável é que tenha colhido algum depoimento sobre o acontecido. Nesse caso, o feito da mulher teria ficado guardado na memória dos locais e, mais tarde, foi tombado pela pena do autor. Não há motivo algum para duvidar da boa-fé de Britto Freire. Mas, preservou-se o feito, e esqueceu-se o nome da mulher. Não há a individualização da personagem, e o nome de Maria Ortiz não é citado.



A segunda vez que esse feito é registrado em obra foi em "Istoria delle guerre del regno del Brasil"(1698), de autoria de Giovanni Gioseppe di Santa Teresa. Em seu trabalho, cita a ida de Petrid para Angola, sua arribada no Espírito Santo e o ataque à Vitória, a atuação de "Francesco di Aghiar Coutigno", dentre outros pormenores. Na parte que trata da mulher que derrama água fervendo, assim escreve:

"(...) Onde sdegnato il Petrid della fortuna, e fommamente arrossiro dello scherzo quivi fattogli da questa per mano di una donna Portoghese, la quase salita sopra la muraglia gli getto sopra la lesta un caldaio di acqua collente, che con gran risa de gli assediati, e parimente de i fuoi in estremo lo molestò; se ritirò subito all'armata, e frese indirittura il viaggio verso Olanda".


Observa-se que o episódio, retratado como algo ridículo à ter acometido Pieter Pieterzoom Heyn, o comandante dos holandeses, por Britto Freire, começa a tomar aspecto de galhofa. Daí em diante, quase todos os historiadores que escreveram sobre o tema, e que citaram o feito, repetem mais ou menos a mesma história, ora em tom de escárnio, ora em tom de feito heroico. Mas as obras que versam sobre o acontecido continuam omitindo o nome da mulher. Não há menção à Maria Ortiz.




APARECE MARIA ORTIZ



Em 1815, Gioseppe di Beauchamp publica sua Histoire du Brésil. Em 1817 e em 1822 teve edições traduzidas para o português. Essa obra também citou o feito da mulher que derramou água fervente sobre os holandeses. Também omitiu o nome da mulher. Mas essa obra teve um papel importante para o resgate dessa história, no Brasil e no Espírito Santo. Livro muito popular, espalhou-se pela elite erudita brasileira, até começar a cair em "desgraça" na década de 1840, acusada de plágio. 



Parece que o resgate da história da mulher que derramou água fervente sobre os holandeses, em terras capixabas, foi fruto dessa obra. Tudo leva a crer que esse feito já havia caído no esquecimento dos espírito-santenses. Em 1817, ao publicar sua Memória Estatística da Província do Espírito Santo, Francisco Alberto Rubim assim trata do ataque holandês de 1625:



"Em Março de 1625 deu fundo na barra uma armada holandesa de 8 velas. Fizeram seu embarque e se fortificaram em diferentes pontos da costa e ilhas. Nos dias 12 e 14 atacaram a vila e foram repelidos, de que resultou retirarem-se vergonhosamente. Não consta o nome do comandante holandês, detalhes destes combates, nem quais foram os Portugueses que mais se distinguiram; e só consta que a câmara por muitos anos no dia 6 de Agosto fazia uma festa em ação de graças pela vitória alcançada aos Holandeses".


Nota-se, nesse trecho, que os capixabas do início do século XIX não conheciam mais os pormenores dos fatos ocorridos em 1625. Diz, textualmente, que não se sabia "quais foram os portugueses que mais se distinguiram" na batalha. Essa passagem é sintomática para que possamos afirmar, com certa segurança, que a heroína Maria Ortiz não era lembrada naquela época.

Quarenta anos depois, em 1856, o jornal "Correio da Victoria" repetia a versão, denotando que até àquele ano havia parcela da elite erudita capixaba que não conhecia a história detalhada da batalha de 1825. Mas o livro de Beauchamp, rico em informações e ao retratar o feito da mulher, despertou o interesse dos capixabas por encontrarem fontes para a produção ou confirmação de sua história. E a obra de Britto Freire, fundamento primeiro da história da mulher, passou a ser conhecida por alguns historiadores locais.

É nessa conjuntura que é publicada a obra de José Marcellino Pereira de Vasconcellos, em 1858, intitulada de "Ensaio sobre a História e Estatística da Província do Espírito Santo". Vasconcellos, ao escrever sobre o episódio de 1625, resgata a obra de Britto Freire e menciona a Carta Ânua do padre Vieira, transcrita por ele em seu livro. Assim escreve sobre o episódio da mulher:

"Por este tempo cruzavão os hollandezes os nossos mares, e pretenderão assenhorear-se de nossas terras em differentes pontos; e pois em maio de 1625 o almirante Patrid com uma armada de oito véllas deu fundo na barra da capitania, fez seu desembarque, e se fortificou em differentes pontos da costa e ilhas; - mas nos dias 12 e 14, em que se abrio um combate, por atacarem a villa, forão repellidos, retirando-se vergonhosamente. Refere Brito Freire, que no segundo dia, em que os hollandezes accommetterão a villa com maior intrepidez, experimentarião de certo melhor fortuna, si uma animosa mulher, posta á janella de uma casa aguardando a passagem do chefe, não derramasse sobre este uma caldeira d'agua fervente, que o fez retroceder, e desanimar a sua gente, declarando-se a victoria pelos habitantes com perda de 38 dos contrarios, que forão mortos, e 44 feridos. Chamava-se esta mulher Maria Urtiz.
(...)"

Pela primeira vez aparece o nome da heroína capixaba, ainda com a grafia "Urtiz". Mas, ao nominar e individualizar a mulher da história de Britto Freire, Vasconcellos não cita a fonte que bebeu. E esse fato destoa do restante de sua obra, que cita documentos e referências para fundamentar seus escritos. Assim, aonde o autor foi buscar o nome da mulher?

Três anos depois, em 1861, um outro historiador, Braz da Costa Rubim, publica o livro "Memorias Historicas e Documentadas da Provincia do Espirito Santo". Farto de documentação, o trabalho descreve em detalhes o ataque holandês de 1625, fundamentado em algumas das fontes já citadas. Mas omite a história da mulher, e muito menos cita o nome dela. Assim escreve:

"(...) O Brasil debaixo do domínio de Castella, por ter seguido a mesma sorte de Portugal, estava como que abandonado e entregue às invasões dos hollandezes que conseguiram apoderar-se da Bahia, inquietando e saqueando outras povoações do littoral.
Uma frota composta de oito náos sob as ordens de um dito almirante Petrid deu fundo na barra da bahia do Espirito Santo, e desembarcou 300 homens que se fortificaram em differentes pontos da praia e das ilhas. Os moradores assaltados assim de improviso abandonaram as casas, e fugiram para as roças. O donatário mandou tocar a rebate, e com a força que pôde juntar, que consistia em poucas espingardas, repelliu o ataque que o inimigo deu á villa no dia 12 de março de 1625. Dous dias depois carregaram com mais força, mas a esse tempo, entrando Salvador Corrêa de Sá e Benevides, que do Rio de Janeiro sahira com duzentos homens em tres canoas de guerra e dous caravellões á custa de seu pai Martim de Sá para acudir á Bahia, fez desembarcar quarenta portuguezes e setenta indios, e unidos estes á gente da terra guarneceram as tronqueiras defensivas da villa, e receberam os invasores com tanta valentia, que ao cabo de um quarto de hora, tanto durou a peleja, os repelliram com alguma perda, havendo da parte dos defensores um só morto. Vendo os aggressores que não podiam apoderar-se da villa, resolveram assaltar as roças; penetraram na bahia com quatro lanchas, e posto que nesta façanha aprisionassem algumas canôas e um caravellão de Salvador Corrêa, quasi desguarnecido, cahiram depois em uma cilada que o mesmo lhes armou, que esperando-os á volta, accommetteu a lancha principal de que ficaram só dous com vida, e as outras com grande perda se reconheram á esquadra. Escarmentados tambem por este lado, com despeito de sahirem mal desta refrega, vingaram-se nos seguintes dias em metter na villa uma grande quantidade de pelouros, que nenhum damno de consideração causaram; e ao cabo de oito dias fizeram-se de vella".


Daí, retornamos à pergunta: aonde Vasconcellos buscou o nome da mulher? Em que documento, já que não cita fonte? Teria ele resgatado o nome da mulher em alguma tradição popular que, passados mais de duzentos anos, ainda existia entre a população de Vitória? Essa última hipótese, que talvez seria a única a fundamentar a "descoberta" do nome da mulher, não parece verossímil. Isso porque um outro historiador, seu contemporâneo, ao publicar seu trabalho, não cita a passagem da mulher. Se essa tradição estivesse viva dentre a população capixaba, dificilmente Costa Rubim a teria omitido ao descrever tão detalhadamente quanto pode o ataque dos holandeses no Espírito Santo.



Outros são os indícios de que a tradição da mulher que derramou água fervente, bem como seu nome, não existia dentre os locais. Para além da ignorância de Rubim e Costa Rubim sobre o fato, encontramos fragmentos de que esta mulher chamada Maria Ortiz só começou a ser celebrada anos após à publicação da obra de Vasconcellos. Em 1868, dez anos após a publicação do livro de Vasconcellos, o "Jornal da Victoria" assim se expressava, embora misturasse a história de Britto Freire de 1625 com o segundo ataque holandês em 1640:



"Fazem hoje 228 anos que uma esquadra hollandeza (...), segundo alguns historiadores (...), deu fundo na barra desta cidade, então vila. (...) Louvou à (...), bem como uma mulher (e que não lhe consignaram o nome!) que de um sótão (...) lançou sobre o comandante da tropa holandeza um taxo de água a ferver".



Ora, como poderia o jornal, dez anos depois da publicação de Vasconcellos, ao tratar de lembrar do ataque holandês, declarar que a história não guardou o nome da heroína, se esse nome ainda fosse lembrado pela população local? Não parece nem um pouco razoável que Vasconcellos tenha colhido o nome de Maria Ortiz junto à qualquer tradição popular. Ele não registrou um nome festejado; mas sim, resgatou um nome esquecido. Só resta saber: aonde, e com que fundamentação, fez esse resgate?


Outro fator que abona a presunção de que não havia a tradição de Maria Ortiz à época pode ser retirado da informação de Afonso Cláudio, em sua obra sobre literatura, publicada em 1912. Afonso Cláudio nasceu em 1859, e tinha quase vinte anos de idade quando o nome de Maria Ortiz se popularizou. Em seu trabalho, o autor questionava a veracidade da história de Maria Ortiz usando, dentre outros argumentos, a ausência de tradição anterior. E Afonso Cláudio passou boa parte de sua infância e adolescência em Vitória; assim, era um contemporâneo e local ao atestar a inexistência de que havia uma tradição que festejava Maria Ortiz em sua época.

Durante as décadas de 1840, 1850, 1860 e a 1870 até seus últimos anos, ao lembrar os ataques holandeses, todos os jornais de Vitória que pesquisamos omitiram o nome da mulher que despejou água fervente sobre o comandante holandês. Somente uma vez, em 1859, após a publicação da obra de Vasconcellos, é que o nome de Maria Ortiz foi citada em alguma publicação jornalística. E o foi feito em uma cartilha elaborada pelo próprio Vasconcellos, denominada "Cathecismo Histórico e Político", para uso nas escolas de primeiras letras da Província do Espírito Santo. Assim está:
"Pergunta: A história conserva os nomes dos heróes, que figurão nessas contendas?
Resposta: Não todos, como devêra - mas a par do de Salvador Correia de Sá e Benavides, encontra-se o de Maria Ortiz, animosa mulher (...)".

Mas, se não houvera tradição que fundamentasse o nome de Maria Ortiz como a mulher do tacho de água fervente, em breve essa tradição seria criada. Vasconcellos lançou a semente. No final da década de 1870, as excelentes obras positivistas da História do Espírito Santo de Misael Penna (1878) e de Basílio Daemon (1879) trariam a história de Maria Ortiz, agora não só nominada e individualizada, mas também tornada protagonista e heroína. A fonte usada por ambos para nominar a mulher do tacho? A obra de Vasconcellos...


LENDÁRIA OU VERDADEIRA?

Na década de 1880 o nome de Maria Ortiz se popularizou. Transformou-se em heroína do povo capixaba. Vasconcellos, o homem que resgatou seu nome, havia falecido em 1874, no Rio de Janeiro. As obras de Penna e Daemon sedimentavam-se como bíblias da nossa história. O espírito de resgate e de construção da história capixaba crescia. Logo se imiscuiu nos eruditos da política e do jornalismo. Discursos e reportagens elevavam Maria Ortiz à condição de grande heroína que expulsou os holandeses. A mulher do tacho passou a ser comparada com outros heróis:"a Judith capixaba", "a Anna Fernandes espírito-santense". Ao final da década de 1870 e durante a década de 1880, as ruas de Vitória começaram a perder seus nomes tradicionais antigos, e receberam nomes de personalidades locais e nacionais. O próprio José Marcelino Vasconcellos seria homenageado com a nomeação da antiga Rua Grande, que tomou seu nome.

Em tom de deboche, e considerando que apenas os nomes de personalidades políticas mais recentes e ligadas ao poder estavam sendo homenageados na nomeação das ruas, o "Jornal de Vitória' brinca, em 1881:
"Mais uma atleta! Maria Ortiz!
Esta heroína festejada pelos historiadores, a mulher destemida que corajosa e valentemente muito influiu na expulsão dos temidos holandeses (...) foi também infeliz, não mereceu o seu nome a mais pequena prova de reconhecimento da representante do município!
A casa, a rua, deve seu nome! Nem uma pintura!"

Não que esta galhofa tenha surtido efeito, mas em 24 de setembro de 1885, em sessão da Câmara Municipal de Vitória, foi aprovada a proposta apresentada pelo vereador Passos Costa Jr, "denominando a Ladeira Municipal : Ladeira de Maria Urtiz, nome da celebrada heroína espírito-santense dos tempos coloniais". Desde então a ladeira, hoje escadaria, mantém o nome "Maria Ortiz".

Um ano antes, algum pesquisador anônimo cuidou de pesquisar a biografia de Maria Ortiz e publicou suas conclusões no jornal "Folha da Vitória". Sem citar fontes, sem descobrir os nomes dos pais da heroína, sem encontrar uma suposta data de nascimento, e citando apenas as histórias já conhecidas sobre a mulher do tacho, o pesquisador informa que Maria Ortiz era descendente de um certo Francisco Gomes Pereira, português que teve terras no Espírito Santo no século XVI e que participou de algumas lutas contra estrangeiros em outras Capitanias. A corajosa mulher de Britto Freire, agora individualizada em Maria Ortiz, tomava novas formas...


REVISIONISMOS

Esse super enaltecimento da personagem, cumulado com uma série de imprecisões sobre a história da mesma, acabou resultando no ceticismo de parcela dos intelectuais capixabas do início do século XX. Tornada protagonista, a individualização da mulher de Britto Freite acabou levando à contestação da própria história que este registrou. A associação da imprecisa Maria Ortiz com a história da mulher do tacho de água fervente fez com que alguns historiadores começassem a duvidar da veracidade não só da existência de Maria Ortiz, mas da própria veracidade do episódio da mulher em 1625.

Em 1908, uma matéria do "Diário da Manhã" reflete o essa problematização. Nessa época, a história de Maria Ortiz já era considerada tradicional. Embora o jornalista reconheça que a história confirmada por Britto Freire tenha sido inspirada em algum cronista da Capitania que lhe teria narrado o fato, não lhe dá crédito como fato histórico para sua autenticidade. A transformação de Maria Ortiz em heroína responsável pela expulsão dos holandeses, bem como a transmutação da história de Britto Freire em histórias mais fantásticas e associadas ao nome da personagem, levam o jornalista a afirmar que essa história era um mito: "Tal é a lenda de Maria Ortiz, que fez ganhar uma batalha com um tacho de água quente". Em 1912, Afonso Cláudio, em sua obra "História da Literatura Espírito-santense", entendeu que a história de Maria Ortiz seria apenas uma lenda. Fundamentou sua presunção dizendo que inexistia tradição anterior, e seu entendimento reverberou no meio intelectual; a posição de que a história era um mito tomava força.

A fundação do Instituto Histórico e Geográfico do Espírito Santo, em 1916, traria mais seriedade e métodos na análise da figura de Maria Ortiz. A demolição da casa que era identificada como sendo a edificação onde residiu a personagem, ocorrida em 11 de abril de 1917 "para embelezamento e higiene da cidade", ajudou a criar um clima de que a história estava se perdendo e que deveria ser salvaguardada. O interesse pela personagem tomou novo corpo. Em 1924, o IHGES estimulava pesquisadores a escreverem e pesquisarem sobre a biografia de Maria Ortiz. A belle epoque capixaba chegava ao auge, e em 1926 projetava-se a construção de um monumento em homenagem à heroína. Historiadores e memorialistas buscavam fontes que pudessem fundamentar a existência de Maria Ortiz, bem como a história narrada por Britto Freire. Os estudiosos formavam suas convicções; uns, mais céticos, colocavam em dúvida a questão, embora sem desqualificá-la como possibilidade; outros, convictos de que a história era verdadeira, buscavam fundamentá-la por meios quaisquer. "Nessa luta que seu deu o fato, verídico para alguns e lendário para outros, mas assinalado por Brito Freire, da heroína Maria Ortiz", assinalava um intelectual em 1919.

Aproximava-se a data da celebração do IV centenário da colonização do solo espírito-santense, e esse fato também estimulou pesquisas e estudos de historiadores sérios, como Mario Aristides Freire. Em 1945, esse autor que se debruçou sobre a problemática de Maria Ortiz publicou seu livro "A Capitania do Espírito Santo". Com cuidado de um historiador preocupado com os métodos, Mario Freire promoveu criterioso revisionismo sobre a história do Espírito Santo, e tratou da questão de Maria Ortiz de forma crítica, não afirmando sua veracidade, mas não descartando sua possibilidade. Fernando Achiamé, ao comentar a reedição da obra de Freire em 2005, atesta a forma responsável com que Freire documentou seu trabalho e revisou a história capixaba.


A PROVA. MAS É VERDADEIRA?

A obra de Mario Freire, como dissemos, não tomava uma posição definida, de atestar ou negar a autenticidade da história de Maria Ortiz. Desqualificava os fundamentos de negação da obra de Afonso Cláudio, mas deixava uma interrogação sobre a veracidade do acontecimento. Essa dúvida, porém, acabava por deixar em suspenso uma definição sobre a real existência da heroína. Até então, ninguém havia conseguido provar, com documentos, a existência de Maria Ortiz. A problemática continuava, portanto, em aberto, servindo como argumentos para os que atestavam o feito como lendário.

E é nessa conjuntura que aparece, nessa questão, Eurípedes Queiróz do Valle. Dois anos depois da publicação do livro de Mario Aristides Freire, em 1947, Queiróz do Valle escreveu um artigo denominado "Maria Ortiz não é uma Lenda". Teria ele, finalmente, encontrado documentos que provavam a existência da heroína capixaba. Fundamentava sua posição com fontes que, segundo ele, teriam sido coletadas por João Bernandes de Sousa, o Barão do Guandu. Falecido o Barão, esses documentos teriam ficado por muitos anos guardados em baús na sua fazenda. Tendo desposado uma neta da viúva do Barão, Queiróz do Valle teria tido acesso à parte desses documentos e, com eles, havia conseguido detalhes sobre a vila de Maria Ortiz: sua filiação, quando seus pais espanhóis vieram para o Brasil, a data de nascimento da heroína e as datas de óbito de Maria e de sua mãe. Ainda segundo Queiróz do Valle, havia uma carta remetida pelo governador do Espírito Santo ao governador Geral, a qual ele não teve acesso na íntegra, que tinha um fragmento com o seguinte teor:


“Na repulsa dos invasores audaciosos é de justiça destacar a atitude de uma jovem moça que, astuciosamente, retardou o acesso dos invasores à parte alta da vila, por eles visada, permitindo assim, que organizássemos com os homens e elementos de que dispúnhamos, a defesa da sede. Essa jovem se tornou para todos nós um exemplo vivo de decisão, coragem e amor à terra. A ela devemos esse valioso serviço, sem o qual a nossa tarefa seria muito mais difícil e penosa. O seu entusiasmo decidido fez vibrar o dos próprios soldados, paisanos e populares na defesa e perseguição do invasor audaz e traiçoeiro”


Diante de tamanho detalhe, com datas precisas e até uma carta, tudo levava a crer que a existência de Maria Ortiz, e a veracidade de seu feito, eram verdadeiros. Mas aí, começaram as dúvidas sobre a autenticidade dessas fontes; principalmente, no que toca à carta. Segundo Queirós do Valle, uma cópia autêntica dessa "carta-relatório" teria sido entregue pelo Barão de Guandu, em 1897, ao seu amigo Reynaldo do Souto Machado. Este, posteriormente, remeteu a cópia da carta ao Arquivo Nacional do Rio de Janeiro, para melhor guardá-la. O Barão faleceu em 1899, dois anos depois de entregar a cópia autêntica. Desde então, ninguém mais viu tal carta. Os que a procuraram nos baús do Barão, não a encontraram; grande parte do material havia sido destruído pela ação do tempo, de traças e cupins.



A contestação da autenticidade dessa carta adveio devido às suas incongruências, aliada ao fato de que o original ou a cópia autenticada nunca terem sido trazidas à luz. Primeiramente, Queiróz do Valle informou, primeiro, que a Carta-Relatório havia sido escrita pelo Capitão-mor João Dias Guedes, em junho de 1625. O problema é que João Dias Guedes era governador do Espírito Santo quando do ataque holandês de 1640. Assim, Queiróz do Valle, pouco depois, retificou a autoria da carta, imputando-a à Francisco de Aguiar Coutinho, capitão e donatário do Espírito Santo quando da investida de 1625. Outra incongruência ocorre, porém, em relação ao receptor da carta: informa o descobridor do documento que a correspondência foi enviada ao governador-geral Diogo Luís de Oliveira; mas, nessa época, este ainda não era o governador-geral do Brasil.



A análise do texto de Queiróz do Valle, levadas a efeito por Paulo Stuck  e Getúlio Neves, do IHGES, deixam sérias dúvidas sobre a autenticidade dessa Carta-Relatório nunca encontrada, e só citada. Me inclino nessa mesma vertente, por todos os fundamentos aqui postos. Assim, à não ser que alguém encontre essa cópia autenticada que supostamente está no Arquivo Nacional, não podemos dar crédito à autenticidade dessa carta. Todavia, a riqueza de detalhes em relação à data da chegada dos pais de Maria Ortiz e ao dia de seu nascimento e morte nos fazem refletir sobre a existência dessa mulher; teria ele inventado essas datas? A análise do IHGES informa que esses dados foram obtidos, ou confirmados, no Arquivo de Imigração (Imigração Hespanhola para o Brasil - Decênio 1595-1605). Não temos nenhum motivo para questionar essa informação.


MAS, ENFIM.


Mas, enfim, qual é a conclusão, após toda essa exposição?


Primeiramente, em relação ao ataque holandês à Vitória, em 1625. É fato histórico, comprovado por diversas fontes, conforme demonstrado.

Quanto ao fato narrado por Britto Freire. Considerando a dedicação na produção de sua obra e as palavras de abono de especialistas na temática, acreditamos que o mesmo colheu essa informação através de algum cronista ou relato de quem esteve presente, ou ouviu de quem esteve presente. Não teria tido nenhum motivo para inventar esse fato. Assim, devido à quase contemporaneidade de sua obra, inclino-me a acreditar em sua veracidade. Tal fato provavelmente ocorreu, e foi fixado na memória dos contemporâneos. Trinta, ou quarenta anos depois, Britto Freire o colheu.

Nesse caso, em minha opinião, é verdadeira a história de uma mulher que despejou um tacho de água fervente sobre os soldados, ou sobre o comandante da tropa holandesa, quando estes investiam contra a Vila de Vitória. Não é nem um pouco inverossímil, apesar de podermos nos perguntar o porquê da mulher não ter se evadido da Vila, como fizeram as mulheres e crianças segundo uma das fontes primárias. Tal feito, obviamente, não seria o suficiente para bater os holandeses, como a crônica posterior acabou dizendo em sua elevação da heroína. Aquele seria apenas um, dentre tantos, dos atos isolados de abnegação e de coragem no curso daquela batalha; mas que, talvez, tenha sido fixado na memória contemporânea pelo fato inusitado e por tratar-se de uma mulher.

Quando à firmação de uma tradição que perpassou os tempos por mais de duzentos anos, até que foi depois registrada por José Marcelino Vasconcellos, não sou inclinado à acreditar. Afinal, como demonstramos, no início do século XIX os capixabas não conheciam os protagonistas e os heróis da batalha de 1625. Não temos a mais vaga ideia de como Vasconcellos encontrou o nome que grafou como Maria Urtiz. Ou o conseguiu com alguma família que guardava essa história, o que não creio ser muito provável, ou conseguiu folheando algum arquivo de Igreja em busca de algum nome que pudesse usar para personalizar e individualizar a mulher anônima que, em 1625, despejou a água fervente sobre os holandeses. Tal fato seria possível, caso reste comprovado que uma certa Maria Ortiz, nascida no Espírito Santo e filha de pais espanhóis, realmente tenha existido. Infelizmente, porém, diante da ausência de fundamentação por parte de Vasconcellos, e diante da ausência de documentos, não podemos afirmar que, caso exista Maria Ortiz, esta seja a mesma mulher que esteve na peleja de 1625.

Quanto à existência de uma mulher chamada de Maria Ortiz, nascida no Espírito Santo, e diante da riqueza de detalhes levantadas por Queiróz do Valle sobre seus pais e as datas de seu nascimento e óbito, bem como a referência de um Arquivo de Imigração, sou inclinado à acreditar na veracidade. Isso porque não seria tão difícil para alguém verificar se esses dados são verdadeiros, uma vez que foram provavelmente coletamos em um Arquivo que, imagino, ainda pode ser consultado. E nada impediria que essa Maria Ortiz fosse, sim, a mulher anônima de Britto Freire em 1625.

Quanto à Carta-Relatório, trazida a luz num momento de dúvida não só sobre a existência de Maria Ortiz, mas também, por associação, sobre a veracidade do feito narrado por Britto Freire, sou muito cético. Não creio que uma prova tão inconteste, em um momento que a história de Maria Ortiz começou a ser classificada como sendo uma lenda, ficasse relegada a mofar guardada em um baú. Quando o Barão de Guandu faleceu, em 1899, dois anos depois de ter entregado a suposta cópia autenticada da Carta-Relatório, a questão de Maria Ortiz ser real ou lendária já estava germinando no meio da intelectualidade capixaba. Bastaria apresentá-la para dirimir quaisquer dúvidas sobre a heroína. Mas essa carta, ao contrário, teria ficado na escuridão por mais de quarenta anos, até ser revelada por Queiróz do Valle. Sem falar que, após a criação do IHGES em 1916, houve enorme estímulo público para a produção de uma biografia da heroína. Assim, não acredito na veracidade dessa carta. Se, acaso existir, imagino que seja apenas um fragmento de alguma crônica fictícia que foi escrita por alguém; talvez feita pelo próprio Barão de Guandu.


Diante de tantas palavras, para mim resta claro que existiu um mulher, presente naquele dia de 1625, que juntamente com os outros defensores da Vila de Vitória praticou um ato de heroísmo; e que tal feito ficou guardado na memória dos contemporâneos, até que foi colhido por Britto Freire cerca de 30 ou 40 anos depois. Também acredito que naquela época havia uma mulher chamada Maria Ortiz que, porém, não sabemos se era a mulher que derramou a água fervente, ou se teria se evadido da Vila como fizeram as mulheres e crianças.

Mas não importa. Seja a mulher anônima "A" Maria Ortiz, ou seja outra, e considerando que o tempo já consagrou como sinônimo de heroína o nome citado, temos certamente "UMA" Maria Ortiz que, com denodo, ajudou os defensores da Vila de Vitória derramando um tacho de água fervente em cima dos inimigos holandeses.


Gerson Moraes França





PRIMEIRA FONTE:

Annua da Missão da Capitania do Espírito Santo, do anno de 1624, e 1625 mandada a Roma pelo padre Antonio Vieira (1626)

Tambem esta Capitania do Espírito Santo sentio o poder das armas Hollandezas, ainda que com melhor fortuna sahiram da Bahia oito náos inimigas para o reino de Angóla, com intento de entrarem a cidade de Loanda, como tão importante para o commercio do Brazil, cuja cabeça estava já rendida, mas não correspondeu o sucesso ao desejo, que ainda que um mez inteiro trabalharam na empreza, como o animo dos moradores Portugueses era grande, e a vigilancia igual nunca lhe foi possivel pôr pé em terra.
Voltando pois para a Bahia, antes de chegar a ella 100 legoas para o sul, entraram no porto do Espirito Santo a 12 de Meio de 1625 confiados que por bom concerto, ou ruim guerra a villa se lhes entregaria, ou elles a renderiam como bem mostravam na entrada, publicando por uma parte a altas vozes, e por outra com despairadas bombardas ameaçando guerra.
Não havia na povoação defensa de artilheria, pelo que com mosquetes e frexas se dividio a gente pelas trincheiras, que fechavam as bocas das ruas nos passos mais necessarios, esperando a determinação do inimigo, e foi esta que por entre o fumo, e perturbação dos tiros, aparelhou sete lanchas com o melhor dos soldados, e ainda marinheiros, os quaes sahindo das náos, e saltando livremente em terra começaram a marchar para a Estancia do capitão Francisco de Aguiar Coutinho, que tambem o era da villa e senhor della, ou seu donatario.
Estava aqui uma roqueira (que não havia outra na terra), e tanto que foi vista dos inimigos, para evitarem o perigo desfizeram as fileiras, e arrimando-se todos às paredes continuaram a entrada: vendo isto o animoso capitão, manda pôr fogo à roqueira, o que não foi debalde, e logo successivamente salta fóra das trincheiras com poucos que o seguiram: conjecturaram os Hollandezes que tanto animo vinha confiado em maior poder de gente, e sem fazer rostro deram as costas, e largaram as armas; os nosso lhe foram dando até à praia com tal valor e ventura, que além do grande numero de feridos morreram muitos, uns em terra à espada, outros no mar afogados.
Ficaram elles com a desgraça mui sentidos, e bem o mostravam os tristes e desconcertados gritos, que nas suas náos levantavam, e na nossa villa se ouviam; quiseram no dia seguinte recuperar o perdido, mas nas fazendas que estão pelo rio acima, mas dobraram perda, porque o capitão Salvador Corrêa de Sá, filho de Martim de Sá, governador do Rio de Janeiro, vinha este fidalgo de soccorro por ordem de seu pae ao cêrco da Bahia, com duas caravellas, e quatro canôas, não se tendo achado no dia d'antes no assalto por guardar a sua estancia os foi esperar, e tendo elles já tomado sua barcaça os acommetteu com as canôas, e os apertou de maneira às frechadas, que sendo mortos quarenta, langando uma lancha, e à força do remo escaparam.
Com estes ruins successos desesperados já de sua fortuna o generalissimo mandou ao outro dia (que era o terceiro da entrada) um recado ao capitão, em que lhe pedia um sobrinho seu, que ficára prezo entre nós, offerecendo resgate, e que os padres da Companhia lhe mandassem algum refresco pelo bom agazalho que lhe fizera aos outros padres, que na Bahia foram tomados.
Ao que respondeu o capitão, que quanto ao primeiro, seu sobrinho devia morrer na briga, que o não tinham prezo: ao segundo, que não havia na terra outro refresco senão o que nos dous dias prècedentes elles tinham experimentado, e com este estava aparelhado para os receber a qualquer hora, que viessem; ouvida a resposta levaram ferro no mesmo dia, e se foram de volta do norte.
Em um e outro encontro se acharam os nossos padres; no primeiro os que residiam na villa, no segundo dous que em companhia do capitão Salvador Corrêa vieram do Rio de Janeiro: e assim uns como outros não faltaram nem à guerra, nem aos soldados antes della. Tambem os que residiam nas aldêas no ponto que souberam o que passava se partiram com os Indios a toda a pressa, posto que já quando chegou o soccorro (como a jornada é comprida) não foi necessario. E em uma destas aldêas foi Deus servido levar para si o irmão Antonio Froio, estudante, com uma morte mui repentina, porque andando achacozo o acharam morto.
Sentio-se geralmente esta morte por ser assim apressada, mas muito mais sentido fôra se o imão não andára bem apparelhado, como andava, alem de que em toda a sua vida foi muito edificativo, e resignado na obediencia, e já póde ser que por obedecer viesse esta morte cauzada das chuvas, passagens de rios, e outros muitos trabalhos que fôra posto, padecia continuadamente. Falleceu no ano de 1625, de idade de 28 annos, com oito de Companhia.


SEGUNDA FONTE:

Relação Universal do que succedeo em Portugal, & mais Provincias do Occidente, & Oriente, desdo mes de Março de 625 até todo Setembro de 626, de Manuel Severim de Faria (1627)

Outra assinalada vitoria tiverão os nossos, dos Olandes, na Capitania do Espiritu Sãto, q se pode ter por milagrosa, vista a deshigualdade das armas, & gente; a que os nossos herão mui inferiores em numero.

Em dez de Março de 1625 aparecerão, à vista d'aquella costa, oito véllas de Olandeses, de q ouve tam grande sobresalto, na Villa, como se não teverão os inimigos por vezinhos avia menos d'hü anno: começarão logo, as molheres, & mininos, a despejar as casas, & a se acolherem ao mato, enchendo tudo de lastimoso pranto. Com tudo o Capitão Francisco d'Aguiar fez ajuntar a gente, a qual hera tam pouca, & mal armada, q na estancia do Governador, q hera a melhor, se acharão doze Espingardas, & os mais não tinham outras armas que Espadas, & Rodelas. Esse abominavel descuido cõ que os nossos Portugueses vivem, fora da barra, com tanta segurança como se estiverão no sertão de Portugal, os tem muitas vezes trazidos ás maiores miserias do mundo, pois peleijando sem armas, cõ inimigos armados, de força hão de ser vencidos, ou escapar por milagre do Ceo, & alli perdem as fazendas, & liberdade, não por falta de valor, mas de instrumentos de sua defenção, no qual se empregarão hua pequena parte do q empregão c outras mercadorias não vierão, por poupar pouco, a perder tudo, & o que peor he a honra, & reputação do mesmo Reyno. Quiz Deos que nessa occasião estivesse, no Espiritu Santo, Salvador Correa de Sá filho do Governador do Rio de Janeiro, com quarenta Portugueses bem armados, & setenta Indios de Frechas, que levava de socorro para a Bahia, cõ essa gente, & com a da terra, fez o Capitão tres estancias, que poôs nas bocas das ruas que sahião para a praya. Entretando entrou o inimigo, com todas as vêllas, polo Rio acima, onde podera, facilmente, ser destruido, se quatro peças q avia na Villa as poserão nos lugares q ficão sobre o Rio, & estão fortificados para este effeito, porem, como isto faltou, surgirão os Olandeses no Porto, cõ grande estrõdo d'Artelharia, & lançarão fora trezentos homens mosqueteiros, que tomãdo terra, sem cõtradição, se vierão para a Villa aberta por tod'aparte, sem mais Muros, nem Trincheiras que os peitos dos que a defendião. Cometerão primeiro os nossos valerosamente, & entre todos se travou a peleja, que durou mais de hum quarto d'hora, atê que vendo o Padre Guardião de Sam Francisco, Frey Manoel do Espiritu Santo, q andava na estancia de nossa Senhora da Vitoria, animando os nossos, como os inimigos cometidos por hum lado mostrarão fraqueza, gritou vitoria, vitoria, a cuja voz rendidos elles deixarão logo as Armas, & começarão a fugir: vendo isto, os das outras instancias apertarão os cõtrarios, de maneira, que em breve espaço, huns, & outros, virarão todos as costas, fugindo para as Lanchas: seguirão os nossos o alcance, porem, sendo tam pouca a gente, fez o Capitão sinal a recolher, por não acontecer algum desastre, contentandose cõ ver o campo coberto de inimigos nossos, & dos despojos de suas armas, sem faltar, da nossa parte mais de hum soldado. Tornarão os Olandeses, ao outro dia, a tentar de novo a fortuna, mas não lhes sahiu melhor sorte, por q tomando terra em maior numero, vendo morto hum cõpanheiro, de hua seta q lhe tirarão da Villa, se tornarão a embarcar, sem quererem, segunda vez, experimentar o valor dos nossos. A a fama desses bõs succesos acudia muita gente do mato á Villa, querendose, até os cobardes, gloriarse da vitoria; o q sentindo os inimigos determinarão hir polo Rio acima a asaltar o mato, q não tinha mais que molheres, para isto partirão c quatro embarcações guiadas por hum estrangeiro, q fôra morador na dita Villa. Esta inesperada resolução causou tam grande sobresalto nos nossos (por q todos tinhão suas familias, & fazendas fora, a q se acodissem desempararão hua, & outra parte) polo q ordenou o Capitão môr a João d'Azevedo, q cõ alguma gente fosse a vista do inimigo, com tudo, elles, que hião diante, tomarão varias Canoas, & hum Caravelão de Salvador de Sá, que estava quasi despejado, & passando a noite, cõtentes cõ esta preza, os nossos se ajuntarão intertanto com Salvador de Sá, & sahindo ao outro dia de huma emboscada, cõ tres Canoas, derão nos inimigos cõ tanta furia, q lhe abalroarão a Lancha principal, sem deixar nella mais de dous com vida; as outras se recolherão com tanto dano, que em huma sós quatro escaparam da morte, & assi ficarão os nossos senhores do campo, custanto a vida dous homens, & alguns feridos. Desesperados os Olandeses de melhor successo, derão á vêlla a dezoito de Março, deixando mortos mais de cem homens, em q entrou o seu Almirante, & o trahidor Rodrigo Pedro, q hera casado no lugar, & ainda q os dias que estiverão no Porto meterão mais de oitocentos, & cincoeta Pelouros na Villa, não fizerão dano de cõsideração.


TERCEIRA FONTE:

História do Brasil, 1500 - 1627, Capítulo Trigésimo Sétimo, De como Salvador Correia do Rio de Janeiro e Jerônimo Cavalcanti de Pernambuco vieram em socorro à Bahia e o que lhes aconteceu com os Holandeses no caminho, de Frei Vicente do Salvador

Em o Capítulo Vigésimo Oitavo deste livro dissemos como, depois da Bahia tomada pelos holandeses, foi o seu almeirante Pedro Peres com cinco naus de força e dois patachos pera Angola. O fim e intento que os levou foi pera a tomarem e dela poderem trazer negros pera os engenhos, pera o qual diziam que se haviam contratado com el-rei de Congo, e na barra de Loanda andavam já outras naus suas e tinham queimados alguns navios portugueses e feitas outras presas em tempo que o bispo governava pela fugida do governador João Correia de Sousa. Porém, como lhe sucedeu no governo Fernão de Sousa e teve disso notícia, se aprestou e fortificou de modo que quando os holandeses chegaram não puderam conseguir o seu intento, nem fazer mais dano que tomar uma nau de Sevilha que ia entrando e dois navios pequenos.
E assim se tornaram à costa do Brasil e entraram no rio do Espírito Santo a 10 de março de 1625, onde havia poucos dias era chegado Salvador Correia de Sá e Benevides com duzentos e cinquenta homens brancos e índios em quatro canoas e uma caravela que seu pai Martim de Sá, governador do Rio de Janeiro, mandava em socorro da Bahia, o qual ajudou a Francisco de Aguiar Coutinho, governador e senhor daquela terra do Espírito Santo, a trincheirar a vila, pondo nas trincheiras quatro roqueiras que na terra havia, e desembarcando os holandeses lhes tiraram com uma delas e lhes mataram um homem. E depois de entrados na vila lhe saíram os nossos por todas as partes, com grande urro do gentio, e lhes mataram trinta e cinco e cativaram dois, sendo o primeiro que remeteu à espada com um capitão, que ia diante, Francisco de Aguiar Coutinho, dizendo-lhe: "Se vós sois capitão, conhecei-me, que também o sou", e com isto lhe deu uma grande cutilada, com o que derribou em terra.
Também o guardião da casa do nosso padre São Francisco, frei Manuel do Espírito Santo, que andava com os seus religiosos animando os nossos portugueses, vendo já os inimigos junto às trincheiras, se assomou por cima delas com um crucifixo dizendo: "Sabei, luteranos, que este senhor vos há de vencer". E com isto, vendo-se livre de um chuveiro de pelouros, se foi ao sino da igreja matriz que ali estava perto, e o começou a repicar publicando vitória, com que a gente se animou mais a alcançá-la, de sorte que o general dos holandeses se retirou pera as naus com perto de cem feridos de trezentos que haviam desembarcado, e alguns mortos, entre os quais foi um o seu almeirante Guilherme Ians, e outro o traidor Rodrigo Pedro, que na mesma vila havia sido morador e casado com mulher portuguesa e, sendo trazido por culpas a esta Bahia, fugiu do cárcere pera Holanda, e vinha por capitão de uma nau nesta jornada. E com esta raiva mandou o general uma nau e quatro lanchas a queimar a caravela de Salvador Correia, que havia mandado meter pelo rio acima em um esteiro, mas ele acudiu nas duas canoas e lhes matou quarenta homens, e tomou uma das lanchas.
O dia seguinte escreveu o general a Francisco de Aguiar em este modo: "Vossa Senhoria estará tão contente do sucesso passado, quanto eu estou sentido, mas são sucessos da guerra; se me quiser mandar os meus, que lá têm cativos, resgatá-los-ei; quando não, caber-nos-á mais mantimento aos que cá estamos".
Isto lhe escreveu o general cuidando que ficaram na terra menos mortos e mais cativos, mas nem esses poucos lhe quis mandar o governador, e assim fez o holandês à vela em 18 de março, e se partiu com muita pouca gente, donde em saindo topou com o navio dos padres da Companhia, em que nos haviam tomado, e os mesmos holandeses haviam dado a Antônio Maio, mestre do navio de D. Francisco Sarmiento, em troco do seu, e vinha já outra vez do Rio de Janeiro carregado de açúcar pera a Ilha Terceira, o qual trouxeram até a barra da Bahia. (...)


QUARTA FONTE:

Historia ou Annaes dos feitos da Companhia Privilegiada das Indias Occidentaes desde o seu começo até ao fim do anno de 1636, de Johannes de Laet (1644)

O almirante Pieter Pietersz. Heyn (Pieter Hein), que deixamos o anno passado no rio de Congo, partio com todos os navios aos 2 dias do mez de Janeiro deste anno, e depois de andar divagando por algum tempo por respeito das correntes e ventos, quando veio ao dia 7 do mesmo mez, amanheceu obra de quatro léguas ao norte do porto de Loango, que esta situado em altura de 4º37’. Sao fáceis as conhecenças deste lugar: há ao sul delle moutas, que de longe semelham pequenos castellos, e quatro leguas ao norte veem-se duas colinas, que chamam Mamas ou Tetas de Mulher. Ao outro dia juntaram-se com elle as chalupas, que anteriormente haviam sido mandadas sahir do rio em procura de refrescos; poucos trouxeram para tanta gente, pelo que ordenou o almirante que os navios andassem espalhados por essas costas até ao dia 18 do corrente mez, com fundamento que topariam navios portuguezes. O Meermin seguira adiante, e surgira em altura de 1º40’, na qual altura a pouco e pouco se juntariam todos os navios para de conserva irem tomar a ilha de Anno Bom, onde se procurariam refrescos. Mas, reconsiderando a sua ordem, o almirante comunicou aos navios por cartas datadas do dia 14 que não convinha avançassem para o norte além dos 2 gr., para o efeito de irem buscar com mais segurança a ilha de Anno Bom. Com quase todos os navios tomou o almirante esta ilha aos 19 dias, e o navio Hollandia a 29, , e nella encontraram muitos refrescos. Esta ilha, segundo observou Willem Jansz., demora em altura de 1º30’; tem muitos porcos, laranjas, limões, e muito boa agua. O governador tratou os nossos com amizade, ainda que com medo, depois que soube que aquelles navios haviam tomado parte na rendição da Bahia. Tendo bem refrescada a sua gente, se determinou o almoirange a fazer a travessia da costa do Brazil, assim para andar ás pressas pelas capitanias do Rio de Janeiro e Espírito Santo, donde lhe constava partirem na primavera alguns navios, com carga de assucar e outros fruetos da terra, como também e principalmente para voltar à Bahia a ver se lá tinham necessidade dos seus serviços. Partio da ilha de Anno Bom a 2 de Fevereiro. Pelas muitas calmarias e ventos variáveis, que o molestaram, andou muito tempo retido pelos 2 gr. De latitude meridional. A 17 foi servido pela primeira vez de um vento fresco do sudeste; era em algura de 0º8’, e no último do mez de 15 ½ gr. A 3 de Março, sendo chegado quase em altura de 19º, assentou de seguir para o Espirito Santo, onde faria um salto. A 9 houve vista da costa do Brazil, da qual estava apartado obra de quatro léguas; tomou sonda em dezoito braças; ao sudoeste terra mui grossa, ao noroeste baixa e assentada; ao meio-dia altura de 19º48’ de lat. Mer. Ao outro dia avistou a Serra do mestre Alvaro, mas, vendo que não podia entrar no rio com dia, fez-se algum tanto ao largo, por não ser visto dos de terra. Ao romper do dia 11 estava apartado légua e meia do rio, e, como os navios estavam algum tanto espalhados, esperou-os até ao meio-dia, quando levantou-se o vento sudoeste; foi navegando de longo da costa até que abrio-se o rio, e endireitou então para elle. Não encontrou o almirante fundo menor de dezenove pés entre as ilhotas, que é onde há mais agua, e ainda se pode aproveitar da maré de aguas vivas, que aqui as ocasiona a lua ao rumo do sudoeste. Sobre a noite foi empecido pela maré vazante, e teve de surgir em seis braças. Ao outro dia juntou o conselho, e nelle assentou-se a ordem, que teriam na facção contra a cidadezinha do Espirito Santo. O mais das forças consistia em marinheiros, pouco feitos a jornadas, e não costumados a guardar ordenança militar; tendo conta com este inconveniente, resolveu-se que os marinheiros fossem divididos em três companhias, e como desembarcassem, assim se ordenassem as fileiras, que caminhassem dous marinheiros ladeados de dous soltados. Ao meio-dia melhorou o almirante para dentro do rio com vento do mar, navegou tanto avanta como a praça, e surgiu um tiro de fronda da praia, ficando os navios dispostos um atraz do outro, de maneira que podessem jogar contra a praça toda a artilheria de uma banda. Mettida a gente nos bateis, largaram estes para a náo almirante, donde seguiram todos os nossos juntos para terra, e aqui se puzeram em ordem de batalha. Mas, como havia pouco espaço para arrumar toda a gente, o almirante avançou um pouco com oito ou dez fileiras. Os habitantes desta praça, informados da chegada dos nossos, se haviam apercebido para resistir, e assestaram um morteiro de bronze contra o caminho, que os nossos tinham de enfiar, e deram-lhe fogo, tanto que nos poderam alcançar. Vendo isso, salta o almirante para o lado, amparando-se atraz de uma casa, e apenas soa o tiro, apresenta-se de novamente, animando a sua gente a dar bravamente sobre o inimigo; mas, pois os officiaes e particularmente os capitães ainda não estavam na frente, nem as fileiras se achavam dispostas, segundo a ordem determinada, estando quase todos os marinheiros adiante, já estes não atendiam ás vozes, e entraram a cuidar de si, receiosos da artilheria. O almirante trabalhou com eles que avançassem, mas embalde, que o medo lhes ia lavrando pelos peitos. Voltaram costas em grande confusão, e recolheram-se aos navios com perda de oito homens, e outros tantos feridos. Na fugida alguns lançaram de si as armas. Não obstante o malogro do accommettimento, ao outro dia o almirante mandou os dous hyates, duas chalupas e dous bateis subirem o rio, a ver si topavam nelle navios ou barcos, e ao mesmo tempo entrou a atirar sem parar com suas peças grossas contra a cidadezinha, cujos moradores lhe responderam bravamente com tiros de moesquetes. A 15 voltaram os hyates com perda de um batel, em que havia vinte e cinco homens e quatro pedreiros. O caso foi este: tendo subido o rio obra de duas léguas e meia, acharam um barco que esbulharam e queimaram; as chalupas e os bateis continuaram a navegar para diante, mas, acalmando o tempo, não poderam aquellas prosseguir; seguiram pois somente os bateis, e ao montar de uma ponta foi um deles assaltado por três canoas, cuja gente o tomou e matou os nossos marinheiros, pelo que retrocedeu o outro batel. O almirante conjecturando que alguns dos seus estivessem presos, mandou recado ao governador que os soltasse, mas este respondeu-lhe que os indígenas haviam morto toda a nossa gente, e espedaçado o batel. A 18 os navios deseeram para um monte que, pela sua forma, chamam Pão de Assucar, e às pressas os limpram um pouco. A 21 as chalupas e pequenos bateis foram mandados procurar as maiores profundidades do rio, e balizal-as; acharam que o maior fundo, que tem o canal, é treze pés. Sahiram os navios, navegando perto da margem meridional e em distancia de obra de um tiro de fronda do parcel, que está pegado com a dita margem septentrional. Este rio corre geralmente leste oeste, encolhendo-se e bojando até ao Pão de Assicar; aqui alarga-se arrumando-se ao lesnordeste, para o lado da cidadezinha, que demora apartada da barra obra de légua e meia. Na margem septentrional, cousa de uma légua da barra, há um castelinho de pouca força.

A 31 era em altura de 20º, e a 5 de abril na de 19º. A 6 avistou uma vela estrangeira, que foi perseguida e tomada por volta de meio dia; vinha do Rio de Janeiro com carga de cento e trinta e cinco caixas de assucar. Sabendo pelos prisioneiros que no Rio de Janeiro havia mais dous navios, que estavam de verga d’alto, um com quatrocentas caixas, e o outro com quatrocentas e cincoenta, o almirante determinou estanciar por aqui mais algum tempo. A 8 houve vista de um daqueles navios, a que os nossos deram caça até sobre a noite, que foi quando elle conseguio se escapar. Juntaram-se outra vez os navios, menos o do almirante e sua chalupa, mas, quando veio ao outro dia, reapareceu a almirantada. Estando todos juntos, menos a chalupa do almirante, a 12 foram em altura de 17º38’, e em distancia da costa, segundo calcularam, cinve e seus léguas; e nada obstante deram em fundo pedregoso; mas na manhã de 14 o leito do mar aprofundou-se rapidamente; altura tomada ao meio dia 17º45’. Ao seguinte dia houve vista outra vez da costa do Brazil em altura de 15 gr. E um terço. Ao outro dia estava em frente de Camamú, e porfiou por entrar na Bahia, mas não lhe terçou bem o vento.


QUINTA FONTE:

Nova Lusitânia - História da Guerra Brasílica, de Britto Freire (1675)

176 - O Almirante Perez passa a Angola
Partio tambem Pedro Perez com oito náos, a cõmeter a Cidade de Loanda, cabela principal dos Reynos de Angola. Ou tomar posto, para introduzir o comercio dos Negros; sem os quaes não podem concervarse os engenhos de assucar. Intento que lhe frustrou a cudadosa diligencia do Governador Fernão de Dousa, conseguindo só a presa de coatro vellas desprevinidas, & limitadas, de Outubro até Dezembro, que o detiverão mayores esperanças, em aquela parajem.
177 - Tenta a Capitanìa do Espiritu-Santo
Voltando ao Brasil, o levou a fortuna, onde fez delle huma ridicula zombaria, para lhe faser brevemente os mais assignalados favores. Rodrigo Petry, Capitão de hum dos seus navios, que com temor da justiça, por delinquente facinoroso, depois de larga assistencia, se ausentou da Capitanìa do Espiritu Santo, persuadio o Perez, que assaltasse nella, a Villa da Victoria, em altura de vinte gráos, ao Sul da Bahia.
(...)
185 - Desembarcão os Olandeses
(...) constava agora de coatro-centos vizinhos a Villa chamada da Victoria, que conservou sempre da primeira, o titulo do Espiritu-Santo mais geralmente. Quando entre a repentina confusão dos Moradores, foi mal defendido aos Olandeses, o desembarcar, & subir pela barra, estreita, & igualmente dificultosa. Rebateos Francisco de Aguiar Coutinho, Donatario desta Capitanìa, em este tempo, pelo esforço, & socorro de Salvador Correa de Sá, & Benavides. Que trazido da providencia da fortuna, para remedio daquela Praça, entrou no porto casualmente, mandando-o seu pay Martim Correa de Sá, Governador do Rio de Janeiro com 200 soldados, & custoso luzimento, a se achar (como achou) no sitio da Bahia.
186 - Retirãose carregados dos Nossos - Tormão a encestir, & a se recolher - Ridiculo successo do Almirante Perez
Mortos quarenta & coatro dos Inimigos, & retirados os mais; tornando em o dia seguinte, a experimentar no segundo combate, o primeiro successo, huma molher Portuguesa, escolheu ao Perez por singularidade na differença do trajo, & lugar da pessoa, para lançarlhe do alto da casa, hum tacho de agoa fervendo sobre a cabeça. Não o pode molestar braço algum varonil, & molestou-o aquela mão feminina.
187 - Dano que fez Salvador Correa ao Inimigo
Ultimamente, por tentar, tudo o que era possivel cometer, subio com duas náos, & coatro lanchas, assima da povoação, a dar noutra de huns engenhos, que como menos principal, & mais afastada, estava sem defensa. Mas Salvador Correa, que animando os Companheiros, buscava aos Contrarios, lhes tomou huma lancha; morrerão trinta & oito, embarcárãose os mais; & seguirão em direitura a derrota de Olanda: descobrindo com espantosa vista, cercada já do nosso exercito, & da nossa Armada, a Cidade, & Porto da Bahia.




(1) Buscando revisitar e desmistificar essa questão, A Gazeta de 05/07/2015 publicou o artigo "Cafetina ou heroína? Conheça a verdadeira história de Maria Ortiz".

terça-feira, 21 de junho de 2016

Os Pontões de Conceição do Muqui

Pico dos Pontões - Fonte da foto: www.folhavitoria.com.br

No último dia 05 de junho, o atleta de wingsuit Fernando Brito faleceu após saltar da pedra da Gávea, no Rio de Janeiro. O lamentável fato causou comoção no meio esportivo e, também, foi lamentado em Mimoso do Sul, Espírito Santo. Isso porque, pouco tempo antes da tragédia, o atleta fez um salto e conseguiu passar pela fenda que separa os picos dos Pontões, ponto culminante do referido município. Sua façanha foi registrada em matéria que foi ao ar na televisão, permitindo-nos admirar os Pontões de ângulos nunca antes vistos. A reportagem, para quem quiser ver, pode ser acessada clicando-se no link que segue:
Fernando Brito e o pico dos Pontões

Os Pontões estão localizados no distrito de Conceição do Muqui, pertencente ao município de Mimoso do Sul. Chamada de "terra fria" pelas suas altas altitudes, Conceição é grande produtor de café. Sua sede, uma pequena vila de mesmo nome, é um dos mais antigos núcleos da região. Os Pontões receberam esse nome por causa de seus enormes picos pontiagudos, que projetam-se verticalmente formando grandes pontas. Sua altitude é, segundo as mais recentes medições, cerca de 1.400 metros acima do nível do mar.

Sua imponência foi notada já na década de 1840, ainda quando a região estava sendo explorada e povoada; um mapa de 1847, confeccionado entre os anos de 1843 e 1844, já sinalizava a presença dos Pontões, e já com esse nome. Em 1885, um presidente da então Província do Espírito Santo esteve em visita à localidade, chamando os picos de "Línguas de Pedra"; mas sua designação ilustrada não eclipsou o já tradicional e antigo nome, que perdura até os dias atuais: Pontões do Muqui ou, simplesmente, Pontões. A importância dada pelo município de Mimoso do Sul ao seu ponto culminante é retratada em seu brasão e em sua bandeira, que adotaram os Pontões como figura central.

As primeiras tentativas documentadas de se conquistar os picos dos Pontões, escalando-os, foram realizada em 1957, após explorações técnicas realizadas em 1955. O primeiro dos pontões foi conquistado em 14 de julho de 1957. Mas as conquistas do segundo e terceiro dos pontões não foram levadas adiante. Uma tentativa de se conquistar os pontões restantes foi realizada em julho de 1958; sem sucesso, após nove dias interruptos de chuva. Foi somente em 18 de julho de 2005, quase cinquenta anos depois, que uma equipe conseguiu, pela primeira vez, escalar e conquistar os três pontões.


A conquista dos Pontões, em 2005, com sua rota.
Fonte da foto: "A Conquista - Uma estória de aventura", disponível em www.facebook.com

Por: Gerson Moraes França