Palacete do Barão de Itapemirim. Detalhe da foto de Victor Frond, 1860. Acervo Brasiliana Fotográfica - Biblioteca Nacional / Recorte feito por Gerson França |
Por esses dias atrás a Biblioteca Nacional, no acervo de fotos chamado de "Brasiliana Fotográfica", disponibilizou toda a sua coleção para visualização em alta definição. É claro que, assim que eu tomei conhecimento dessa notícia, corri ao site da BN para "fuçar" as fotos antigas das localidades do Espírito Santo que lá estão. É, sem dúvida, uma maravilha! Detalhes que, antes, não podiam ser vistos nas fotos, apareceram com uma beleza difícil de descrever.
Uma dessas fotos é a que retrata o palacete que pertenceu ao Barão de Itapemirim. Ao fazer a aproximação em alta definição, fiquei estasiado! Era, simplesmente, linda! Fiz, então, um print, recortei a parte que eu queria no paint, e a publiquei no grupo de facebook "Fotos Antigas do Espírito Santo". Logo vários estudiosos e pesquisadores teceram seus comentários, o que enriqueceu substancialmente a "conversa cibernética".
A "história" dessa foto é interessante. Era uma foto já conhecida, mas que ninguém sabia de onde era. Coube ao pesquisador Cilmar Franceschetto, do Arquivo Público do Estado do Espírito Santo, identificar a fotografia, redescobrindo uma foto que a memória deixava para trás, esvaída com o passar dos tempos. Tal edificação, há muitos anos, já havia ruído. Ficava próxima à antiga foz do Rio Muqui, no Itapemirim, erguida sobre uma pequena colina que domina a região.
O pesquisador, jornalista e advogado Higner Mansur, também estudioso da história do palacete, fez então uma reportagem para a Revista SE7EDIAS, com a foto e a descrição que sete pessoas, através dos tempos, fizeram sobre aquela majestosa edificação. Quem quiser ler, pode fazê-lo clicando nesse LINK. Ato contínuo, encontrei um trabalho audiovisual, contando um pouco sobre a história do Palacete. Ali conheci o pesquisador e historiador Luciano Retore Moreno, profundo conhecedor da história da edificação e do Barão de Itapemirim. Moreno, inclusive, junto com Gustavo Mezher, fez várias escavações no local, e recuperou uma quantidade espantosa de objetos antigos que estavam enterrados sob as ruínas do que sobrou da antiga construção. Quem quiser assistir o documentário, é só clicar nesse LINK.
Quando vi a publicação de Mansur na revista SE7EDIAS, lembrei-me que havia encontrado, há alguns meses atrás, algumas descrições antigas que tratavam da fazenda e/ou do palacete do Barão de Itapemirim. Algumas delas estão na reportagem publicada por Mansur. Outras duas, que não estão na reportagem, aqui colocarei, buscando contribuir um pouco com as pesquisas históricas da edificação, e com o resgate de sua memória. Interessantemente, essas duas descrições foram feitas em períodos "extremos" da história do palacete. A primeira é datada de 1833, quando o palacete era de recente construção, embora não possamos afirmar se já existiam os torreões. A segunda é uma descrição detalhada, datada de 1887, quando o palacete ainda existia, mas envelhecia-se e quedava sem cuidados, começando a arruinar-se.
Abaixo seguem as duas descrições.
PRIMEIRA DESCRIÇÃO - 1833
Manoel José Pires da Silva Pontes
Manoel José Pires da Silva Pontes foi Presidente da Província do Espírito Santo entre 1833 e 1835. Quando nomeado, resolveu ir até Vitória em viagem por terra. Saiu de Ouro Preto/MG, passando pelo Rio Pomba, por Campos dos Goytacazes e depois, seguindo pelo litoral, sempre por terra, foi até Benevente (atual Anchieta/ES), de onde embarcou por mar para a capital da Província. Os apontamentos que fez durante sua viagem é um documento ainda pouco conhecido no Estado do Espírito Santo. Segue o trecho sobre o Barão de Itapemirim que, na época, ainda não era Barão. A propósito, o nome do futuro Nobre era Joaquim Marcellino da Silva Lima.
"(...) 1/2 leg. adiante tive a satisfação de encontrar-me com o Sr Joaquim Marcelino, que anda mal convalescido de um ataque rheumatico adquirido na estrada do Castello, (...) veio contudo esperar-me e conduzir-me para sua Fazenda do Moqui. Chegamos pouco depois a Villa, apeiando-nos em casa do Sr Vigário onde nos refrescamos; O Sr Joaquim Marcelino insistiu, que posto que, tivesse eu marchado mais de 6 leg, todavia podia avançar mais um pouco e pernoitar com elle em sua fazenda e habilitando-me para esse ofício com excelente cavalgadura, pude chegar com dia a dita fazenda da Boavista na Barra do Moqui. A bellesa do Sítio; a nobresa da casa; a extensão do terreno e das plantações: a perfeição da Fabrica; o numero de escravos e gados que se empregão nesta Fazenda assentão bem a magnamidade deste honrado Paulista. Esta casa é o centro da união de muitos Senhores de família, que estão também estabelecidos nas margens deste bello Rio (...)."
Dessa descrição, não podemos afirmar que o palacete já tinha sido totalmente construído. Mas, havendo ou não os torreões, o Presidente nomeado do Espírito Sando ficou maravilhado com a edificação. Importante lembrar que a Capela de Santo Antônio, colada ao palacete, foi edificada dois anos antes, em 1831. A citação do nome "Boavista" deve-se a fazenda que ficava em frente, do outro lado do rio, mais antiga que a Fazenda do Muqui, de propriedade de um dos senhores que receberam Silva Pontes na Vila de Itapemirim.
SEGUNDA DESCRIÇÃO - 1886 e 1887
Dom Pedro Maria de Lacerda
Dom Pedro Maria de Lacerda era Bispo do Rio de Janeiro. Fez algumas visitas ao Espírito Santo. Nos anos de 1886 e 1887 esteve no sul da Província do Espírito Santo, onde fez seus apontamentos. Esses documentos foram publicados em livro no ano de 2012, com o título de "Diário das Visitas Pastorais de 1880 e 1886 à Província do Espírito Santo", com organização de Maria Clara Medeiros Santos Neves. No caso, são duas descrições: uma de 1886, e outra do ano seguinte. Seguem abaixo.
1886 - "(...) Mais para
cima desta está a Fazenda do Muqui com sua Capelinha ao lado; foi pertencente
ao Barão de Itapemirim, e hoje está muito decadente na mesma parte
material. Fica em um alto e se avista de muitos pontos ao longe. O ponto de
vista tomado acima das Fazendas da Lancha e Cutia me pareceu esplêndido,
encantador e belíssimo. Sobre um pequeno monte vê-se a casa que é grande
e comprida e de muitas janelas, com dois lances que figuram dois torreões
nas duas extremidades, e fazem lembrar o Palácio de S. Cristóvão. Quando o
Imperador aqui veio não foi a esta Fazenda, unicamente por não se mostrar
mais inclinado ao Barão do que a outro figurão da Política, apesar do Barão
ser da Casa Imperial e ter certa intimidade com Sua Majestade Imperial, assim
ouvi. A beleza porém da paisagem de que trato provém da situação e das
combinações óticas. O palacete parece ainda perfeito, aparece no alto
de um outeiro, que domina um vasto horizonte, e no fim deste se avista,
como em semicírculo, de um lado os montes ou serras que correm para o
lado do Rio Novo, e de outro as serras em que aparecem o pico de Itabira, os
morros ou cumes chamados Frade e Freira. Para mim a paisagem pareceu-me encantadora. Ao passar perto vê-se que o edifício já começa a arruinar-se
e está quase abandonado, e ali no sopé do monte ou outeiro deságua o rio
Muqui que é pequeno (...)."
1887 - "(...) Tive ocasião de ver o Palacete,
que tem 20 janelas de sacada de ferro, e dois torreões nas extremida[de]s
com 4 janelas cada um, o que perfaz 28 janelas na frente: por causa destes
torreões a casa dá vista de longe alguns ares com o Palácio Imperial de S.
Cristóvão. A casa é comprida, mas de pouca largura. Sobe-se por uma alta
escadaria para um terraço assoalhado de louça. Tudo está estragado e tudo
virá abaixo se não acudirem; mas quem acudirá? Há bastantes herdeiros, e o
caso é complicado. O dono é filho de Joaquim Marcelino que não há muito
morreu de repente na Vitória, onde era Deputado Provincial; e é neto do tão
falado Barão de Itapemirim: Sic transit gloria mundi. Vi a Capelinha ao lado do
Palacete e dele separado: tem sua torre com sino, coro, tribunas, púlpito,
Capela-mor. Não é feia, e tem seus frisos dourados em várias obras, mas tudo
coberto de pó e completo abandono, e já começa a arruinar-se. No altar-mor
estão 3 nichos, no do meio S. Antônio, no do lado do Evangelho São Francisco
Xavier, e no oposto S. Benedito preto. Na Sacristia vi Missal, turíbulo e
naveta, e cálice tudo de prata, e duas caixas de folha de Flandres enferrujadas,
onde estão caveira e ossadas; mas de quem? Não me lembrei de perguntar,
mas parece-me que são do Barão que aí foi sepultado, e talvez da Baronesa.
Sic transit gloria mundi. (...) O dono da casa ou quem dela toma conta convidou-me
a subir e a tomar café, o que aceitei. Dentro tudo indica decadência.
(...) Do alto do terraço a vista se alonga por vasto horizonte, até
as serras que se estendem ao longe. O dia estava claro, porém o céu um pouco
anuviado... certo é que pela estrada não encontrei tanta beleza como quando
subi o Itapemirim vindo para o Cachoeiro (...)."
Dessas descrições fica patente que o palacete estava em seu período decadente. Segundo o Bispo, tanto o palacete, quando a Capela, haviam começado a arruinar-se. Abaixo, segue uma foto de década de 1920, do acervo de Luciano Moreno, onde observa-se o palacete já arruinado, bem como o que ainda restava da Capela de Santo Antônio, então com somente uma torre de pé.
[EDIT: Pelo texto, fica parecendo que a Capela tinha mais de uma torre. Lendo novamente, fiquei com a mesma impressão que teve o leitor Rogério Piva. Fica aqui a afirmativa: a Capela tinha somente uma torre]
[EDIT: Pelo texto, fica parecendo que a Capela tinha mais de uma torre. Lendo novamente, fiquei com a mesma impressão que teve o leitor Rogério Piva. Fica aqui a afirmativa: a Capela tinha somente uma torre]
Ruínas do Palacete do Barão de Itapemirim e da Capela de Santo Antônio Década de 1920 - Acervo de Luciano Retore Moreno |
Hoje restam apenas poucas ruínas das edificações. Com esse artigo espero ter contribuído, um pouco, com o resgate da história e da memória dessa que foi a sede de uma importante fazenda de cana-de-açúcar da primeira metade do século XIX no Espírito Santo. A Fazenda Santo Antônio do Muqui, de Joaquim Marcellino da Silva Lima, Barão de Itapemirim, um dos homens mais opulentos, se não o mais rico de seu tempo, na então Província.
Gerson Moraes França