Adquiri, recentemente, o livro Cachoeira do Inferno, de Phócion Serpa. Consegui a obra original, autografada pelo autor, junto a uma Livraria Antiquário, sediada em Juiz de Fora, Minas Gerais. Chegou-me pelo correio, e eu já li suas páginas por três vezes.
A obra é um romance histórico, ambientada na antiga povoação de Limeira de Itabapoana. Foi publicada em 1928, e seu autor é natural daquele povoado. Serpa nasceu em 1892 e passou a infância em Limeira, antes de seguir para o Rio de Janeiro, onde foi estudar medicina em 1912. Tornou-se competente médico e conhecido escritor, e radicou-se na então capital do país. Dedicou-se à cultura com a mesma paixão, talvez até com paixão ainda maior, com que dedicava-se à medicina.
O título do livro faz referência à cachoeira do Inferno, hoje também conhecida como cachoeira das Garças, no rio Itabapoana. A cachoeira fica bem perto do antigo povoado, rio acima. Aliás, ficava. Com a construção da hidrelétrica Pedra do Garrafão, em 2008/2009, onde antes corriam as tormentosas águas, hoje está exposto o leito granítico.
O romance conta, de modo triste e fatalista, a história da vida de alguns moradores do local. O pano de fundo é a Limeira de Itabapoana em decadência, que reforça as histórias das pessoas que viveram esses últimos dias de existência do povoado. Todos os "personagens" da obra são pessoas reais. A história começa quando o povoado ainda era próspero e movimentado, e desenrola-se pelos anos seguintes, retratando o ocaso do núcleo. Fala de pessoas que foram embora, e daqueles que insistiam em ficar, presos pelo apego ao torrão em que construíram suas casas. De si próprio, não fala o autor; deixa apenas estampado em palavras o que presenciou, nos primeiros anos de sua vida, quando testemunhou o abandono gradativo do núcleo aonde nasceu, já decadente quando de seu nascimento, segundo o próprio Serpa informa.
Deu bastante trabalho, mas eu consegui identificar os personagens do livro. Identifiquei o médico e sua filha, o tabelião, o professor, o boticário. O comerciante, ao que parece, Serpa usou um nome parecido, talvez para não expor a pessoa. O vigário, ao que tudo indica, também teve o nome modificado, e Serpa certamente usou de analogia para com a obra de Moreira Fraga (A Filha do Padre, romance, 1881).
A leitura da obra me tocou e emocionou. Isso porque estive ali, naquelas ruínas, hoje vazias e mortas. As histórias daquelas pessoas que lá nasceram, viveram e morreram, com seus sentimentos, esperanças, saudades e medos, me tocaram profundamente. Onde hoje não resta mais nada, à não ser ruínas, outrora moraram aquelas pessoas. Pisei no que um dia foram ruas, estive no que um dia foi um próspero porto, entrei no que um dia foi uma Capela que servia de ponto de encontro entre os locais e pessoas das vizinhanças. Capela esta, inclusive, retratada nas páginas do livro, que contam sobre sua construção e sobre sua reforma muitos anos depois.
O texto é escrito com linguagem rebuscada, com trechos um tanto poéticos, como era bem próprio para a época. Nada lacônico. Talvez isso saliente ainda mais a tristeza e o fatalismo da narrativa. Retratos das vidas de pessoas presas, pelo sentimento e/ou pela necessidade, à um povoado que se ia extinguindo.
Gerson Moraes França
A obra é um romance histórico, ambientada na antiga povoação de Limeira de Itabapoana. Foi publicada em 1928, e seu autor é natural daquele povoado. Serpa nasceu em 1892 e passou a infância em Limeira, antes de seguir para o Rio de Janeiro, onde foi estudar medicina em 1912. Tornou-se competente médico e conhecido escritor, e radicou-se na então capital do país. Dedicou-se à cultura com a mesma paixão, talvez até com paixão ainda maior, com que dedicava-se à medicina.
O título do livro faz referência à cachoeira do Inferno, hoje também conhecida como cachoeira das Garças, no rio Itabapoana. A cachoeira fica bem perto do antigo povoado, rio acima. Aliás, ficava. Com a construção da hidrelétrica Pedra do Garrafão, em 2008/2009, onde antes corriam as tormentosas águas, hoje está exposto o leito granítico.
O romance conta, de modo triste e fatalista, a história da vida de alguns moradores do local. O pano de fundo é a Limeira de Itabapoana em decadência, que reforça as histórias das pessoas que viveram esses últimos dias de existência do povoado. Todos os "personagens" da obra são pessoas reais. A história começa quando o povoado ainda era próspero e movimentado, e desenrola-se pelos anos seguintes, retratando o ocaso do núcleo. Fala de pessoas que foram embora, e daqueles que insistiam em ficar, presos pelo apego ao torrão em que construíram suas casas. De si próprio, não fala o autor; deixa apenas estampado em palavras o que presenciou, nos primeiros anos de sua vida, quando testemunhou o abandono gradativo do núcleo aonde nasceu, já decadente quando de seu nascimento, segundo o próprio Serpa informa.
Deu bastante trabalho, mas eu consegui identificar os personagens do livro. Identifiquei o médico e sua filha, o tabelião, o professor, o boticário. O comerciante, ao que parece, Serpa usou um nome parecido, talvez para não expor a pessoa. O vigário, ao que tudo indica, também teve o nome modificado, e Serpa certamente usou de analogia para com a obra de Moreira Fraga (A Filha do Padre, romance, 1881).
A leitura da obra me tocou e emocionou. Isso porque estive ali, naquelas ruínas, hoje vazias e mortas. As histórias daquelas pessoas que lá nasceram, viveram e morreram, com seus sentimentos, esperanças, saudades e medos, me tocaram profundamente. Onde hoje não resta mais nada, à não ser ruínas, outrora moraram aquelas pessoas. Pisei no que um dia foram ruas, estive no que um dia foi um próspero porto, entrei no que um dia foi uma Capela que servia de ponto de encontro entre os locais e pessoas das vizinhanças. Capela esta, inclusive, retratada nas páginas do livro, que contam sobre sua construção e sobre sua reforma muitos anos depois.
O texto é escrito com linguagem rebuscada, com trechos um tanto poéticos, como era bem próprio para a época. Nada lacônico. Talvez isso saliente ainda mais a tristeza e o fatalismo da narrativa. Retratos das vidas de pessoas presas, pelo sentimento e/ou pela necessidade, à um povoado que se ia extinguindo.
Gerson Moraes França