quarta-feira, 25 de novembro de 2009

O Quilombo do Rio Moquim

No dia 20 de novembro passado foi celebrado, em todo o país, o Dia da Consciência Negra.

De acordo com os dados do censo populacional realizado pelo IBGE no ano 2000, cerca de 40% da população de Mimoso do Sul se declarou como sendo negra ou parda.

Certa vez, anos atrás, conversando com Márcia "Anu" Gomes, orgulhosa com a sua negritude, discutíamos que Mimoso do Sul não possuía nenhum "símbolo" negro. Falávamos até da concentração de negros que existia na região de Dona América, pequeno distrito do Município.

Hoje não sei, mas na época não tínhamos movimentos negros articulados em Mimoso. Tomara que, atualmente, já o tenhamos.

Enfim; após o intróito supra, vamos ao tema. É assunto de total desconhecimento em Mimoso do Sul. Sinceramente, nunca vi nenhum autor ou estudioso mimosense citar textualmente, ou mesmo verbalmente, acerca da matéria. Ao contrário de Muqui, onde se referencia o fato.

Por volta de 1844, provavelmente alguns anos antes dessa data, uma comunidade quilombola começou à se formar nas cabeceiras da serra que separa as vertentes dos rio Muqui e Muqui do Sul. A origem dos negros e pardos que afluíram ao Quilombo é diversa; segundo relatos contemporâneos, haviam negros fugitivos do norte da Província do Rio de Janeiro, e até um padre pardo originário de Minas Gerais, que estava lá homiziado. Certamente deveriam haver também negros escravos fugidios de algumas das recém abertas fazendas cafeeiras das proximidades.

No final de 1848, um fazendeiro estabelecido no norte do Município de Campos/RJ organizou "uma diligência com capitães-do-mato e agregados de sua propriedade, com vistas a destruir um pequeno quilombo no sertão de Pedra Lisa" (1), lá capturando três escravos fugitivos que estiveram antes no tal Quilombo do Rio Moquim.

Segundo o relato colhido dos mesmos, em inquérito, verificou-se que o Quilombo do Moquim chegou à ter cerca de 300 cativos fugitivos, dos quais 4 mulatos, muitos deles nascidos já na região. Não é muito provável que existisse tanta monta de gente, mas certamente havia lá um número considerável de negros. Tinham eles roças e pequenas lavouras que os proviam de sustento; comercializavam com alguns fazendeiros estabelecidos nas proximidades, de quem conseguiam chumbo e pólvora para a caça. Inclusive, prestavam alguns serviços para esses mesmos fazendeiros.

Não existem mais muitas informações sobre o Quilombo do Rio Moquim. Não há menção à nenhuma expedição posterior à do fazendeiro de Campos/RJ. Sabe-se que o fazendeiro Justino de Sá Vianna, estabelecido com propriedade no rio Muqui do Sul, mantinha contato e, inclusive, acoitava os escravos fugitivos que habitavam o Quilombo. Sá Vianna era, inclusive, ele mesmo fugitivo da Justiça fluminense; acusavam-no de acoitar os cativos fugidios para deles se servir de trabalho em suas roças e plantações.

Fato é que os documentos silenciam-se. Continuamos pesquisando, procurando elementos que possam subsidiar que fim levou o referido Quilombo.

Questão interessante é uma "pequena" coincidência que pudemos verificar. Um dos homens que ajudou à combater e extinguir a revolta escrava conhecida como de Manoel Congo, em Vassouras/RJ, chamado José Pinheiro de Souza Wernek (conhecido como o primeiro desbravador do Município de Muqui), já estava estabelecido com propriedade em Muqui desde 1849, pelo menos. Segundo pesquisa da historiadora muquiense Ney Rambalducci, foi por volta deste ano que Wernek desbravou e formou suas roças na região. A data mais remota para a presença de Wernek no Muqui, apresentada em pesquisa recente por Sandra Cirillo, seria o ano de 1845/46 (vide edit com correção). De João Corumbá, caboclo posseiro estabelecido por ali com pequena roça, Wernek adquiriu terras no Sumidouro/Muqui. (2)

Vejam só as coincidências:

1 - José Pinheiro de Souza Wernek, experiente em combate contra escravos fugitivos, chega na região do rio Muqui em 1845/46.

2 - Em 1848 um dos "cabeças" do Quilombo do Moquim é preso no sertão de Pedra Lisa, em Campos/RJ, após viver anos no referido Quilombo.

3 - Desde 1844 já se falava da existência de um Quilombo nas cabeceiras do Rio Moquim, que deságua ao norte do Itabapoana.

4 - Depois de 1849 não se fala mais no Quilombo do Rio Moquim, como se por mágica ele tivesse simplesmente desaparecido da face da terra.

Os fatos, digamos, se encaixam perfeitamente, não acham?


Desenvolvemos a teoria que o Quilombo do Moquim foi desbaratado por uma expedição de Wernek, em alguma data entre os anos de 1846 e 1848, mais provavelmente nesse último ano. Todavia, ainda estamos procurando documentos e subsídios que possam fundamentar, definitivamente, essa teoria.

Gerson Moraes França


EDIT (04/12/2010)

Sou daqueles que preza muito pela citação de fontes, quando encontramos trabalhos, pesquisas ou documentos "garimpados" por um pesquisador. Não posso, portanto, incorrer em erro que eu reprovo.

Mas, ressalte-se: meu erro não foi de má-fé; mas sim, por desconhecimento. Não creditei a pesquisa mais recente à pesquisadora que a executou. E aqui, retrato-me.

As informações colhidas sobre José Pinheiro de Souza Wernek, no tocante às datas mais remotas de sua chegada em Muqui, são fruto de recentes pesquisas realizadas pela Vice-diretora do Museu Dr Dirceu Cardoso, Muqui e sua História, a pesquisadora e memorialista Sandra Cirillo. É importante que eu cite esse fato, pois Sandra Cirillo, juntamente com a historiadora Ney Rambalducci, são responsáveis pelo "garimpo" e preservação de rico acervo documental sobre a história do município de Muqui.

O Museu Dr Dirceu Cardoso, Muqui e sua História foi fundado, inclusive, por Ketty Cirillo, mãe de Sandra Cirillo, no ano de 1983. Atualmente, possui também acervo virtual, com fotos, documentos e textos, que pode ser visto clicando-se no link que segue abaixo:
http://www.camaramuqui.es.gov.br/museu_virtual.asp

Retratação feita! =)


Fontes -
(1) Histórias de quilombolas: mocambos e comunidades de senzalas no Rio de Janeiro
Por Flávio dos Santos Gomes - 2006

(2) Acervo virtual do Museu Dr Dirceu Cardoso, Muqui e sua Hitória
Disponível em:
http://www.camaramuqui.es.gov.br/museu_virtual_HistoriaMuqui_municipio_historia.asp


EDIT (25/12/2023)

Este edit já devia ter sido aqui postado há muito tempo. Pois já há alguns bons anos que, revendo criticamente esse post, percebi que fui imprudente nas minhas suposições.

Naquela época eu pesquisava e escrevia sobre história, mas não era um historiador. Exercia eu o mister de pesquisador e memorialista. Sem querer, já empregava técnicas e metodologias da história, mas também praticava equívocos crassos de um memorialista jovem e sedento de novidades.

É tentador ao memorialista tecer ilações, mesmo que sem base que não seja mais do que seu "achômetro". O feeling de um pesquisador não deve ser desprezado, mas não pode se sobrepor à metodologia; se não, seu trabalho se transforma em ficção.

No caso presente, associei um dos primeiros moradores do território que hoje integra o município de Muqui/ES à um suposto quilombo que existiu no "rio Moquim", do Itabapoana. O fiz sem nenhuma base documental, à não ser minha mera ilação. Como disse mais acima, caí na tentação.

Os dois fatos históricos (o primeiro fazendeiro no alto Muqui e o quilombo do rio Moquim, mais ou menos contemporâneos) são documentados, embora o segundo precise ser bem contextualizado. Hoje posso informar com toda a seriedade de um historiador que usa das técnicas da metodologia da História: Werneck, o primeiro grande fazendeiro do Sumidouro em Muqui, não combateu quilombos em seus primeiros anos no interland do sul do Espírito Santo.

Grande abraço,
Gerson França

segunda-feira, 23 de novembro de 2009

O 15º Districto de Campos

O próximo post é bem "curtinho".

São dados referentes ao povoado de Limeira, então classificado como o 15º Distrito do Município de Campos/RJ.

Os dados foram coletados no final do século XIX, embora nos referenciemos na Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro‎, publicada em 1906.



EDIT:
Importante deixar bem claro que o número de habitantes, bem como a quantidade de edificações, acima descritos, são referentes à toda a área do Distrito, urbana e rural, e não somente ao núcleo urbano da sede.


Gerson Moraes França


Fonte:
Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Volume 67
Por Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
Instituto Historico, Geografico e Ethnographico do Brasil - 1906

O Porto de Limeira e o Pescador

Em uma de minhas andanças pelo Itabapoana, no ano de 2001, conversei com uma família de pescadores que habitam a margem espírito-santense do rio. O mais velho deles, patriarca da família (infelizmente, não me recordo mais seu nome, e não sei se ainda estaria vivo hoje), era já um homem idoso, que presenciou o "fim" de Limeira do Itabapoana.

Ele não viveu os tempos áureos do Povoado, mas chegou à conhecê-lo quando ainda habitado. Segundo ele, na década de vinte, quando era uma criança, lá existia ainda uma farmácia e pequeno comércio, além de uma escola; mas muitas residências já estavam desabitadas, e pequena parte já estava "caindo". Algumas edificações foram "desmontadas" por pessoas interessadas nas madeiras das mesmas.

Interessantemente, da varanda de sua pequena casa, é possível ver do outro lado do rio, encrustrada na colina, as ruínas da Capela que ainda insiste em permanecer de pé.

Segundo esse mesmo pescador, até a década de cinquenta ainda existia um pequeno estabelecimento comercial, e ele atravessava o rio em seu barco para se abastecer de mercadorias como sal e querosene. Testemunha viva que foi do "fim" de Limeira do Itabapoana, ele não sabia precisar exatamente quando o Povoado quedou totalmente desabitado. Segundo ele, as pessoas foram se mudando da localidade vagarosamente, até que não restou mais ninguém.

[Abrindo observação: na conversa que tive com a família, sentado na mureta da varanda e tomando um cafezinho, um dos filhos dele, também pescador, me mostrou um frasco de perfume francês datado do século XIX. Segundo ele, frascos, cerâmica e até moedas eram encontrados principalmente no inverno, quando o rio fica raso e surgem bancos de areia nas imediações. Eles escavavam esses areais atrás desses ítens, o que eles chamavam de "cavar o rio". Segundo os mesmos, os objetos encontrados eram vendidos à pessoas que vinham de Campos especialmente para adquirí-los dos pescadores. Tirando o frasco de perfume - "esse eu não vendo", dizia o mais velho - todos os objetos encontrados eram comercializados com os campistas.]

ABANDONO GRADATIVO

"É difícil encontrar testemunhas da história local, quando o povoado acabou os moradores tomaram rumos diferentes. A política de valorização do café implantada pelo governo Getúlio Vargas ajudou a celar o destino da localidade, que foi agonizando por décadas até não resistir." (1)

Embora um dos principais motivos da estagnação e posterior esvaziamento progressivo da Povoação de Limeira tenha sido a inauguração da Estação de Santo Eduardo, que passou à centralizar o escoamento do comércio de café do vale do Itabapoana, e considerando o testemunho do pescador com quem conversei, acredito que o informe acima citado esteja equivocado. É de se supor que, sim, a política de erradicação do café iniciada na década de sessenta (e não a política de valorização do café, iniciada no início do século XX e continuada quando da assunção de Vargas ao poder em 1930), tenha sido o golpe de morte na região.

Como é de conhecimento geral dos que pesquisam essa matéria, com a implementação da política de erradicação dos cafezais velhos, houve um esvaziamento da população rural em inúmeras localidades cuja principal atividade econômica era o café. Em Mimoso do Sul, por exemplo, todos os Distritos que não a sede perderam população, que migrou em grande parte para o Rio de Janeiro. Um Povoado antigo relativamente próspero chamado "Dona América", sede de Distrito e com uma pequena estação ferroviária, por exemplo, quase sucumbiu na época da erradicação dos cafezais, e por pouco não foi completamente abandonada, como o foi Limeira.

Concluindo. Embora não seja possível, pelo menos por enquanto, arbitrar uma data específica para o "fim" de Limeira do Itabapoana, o certo é que ao iniciar a segunda metade do século XX o Povoado já praticamente não mais existia como núcleo urbano. Abandoada paulatinamente pelos seus moradores, até que deles não restou mais ninguém, suas últimas edificações ruíram ou foram desmontadas, e o que restou de suas fundações foram sendo engolidas pelo mato e por sedimentos. Um pescador testemunhou isso, com seus próprios olhos.


Gerson Moraes França


Citação -
(1) Título: "A Extinta Vila de Limeira", in:
http://santoeduardo.no.comunidades.net/index.php?pagina=1382236851
Em 23 de novembro de 2009

sábado, 21 de novembro de 2009

Serpa, estão tranformando Limeira do Itabapoana em Vila da Rainha!

Você sabe quem foi Phocion Serpa?

Talvez, principalmente se você for da área da medicina, o conheça. Ele, além de médico formado pela Faculdade de Medicina do Rio de Janeiro, escreveu uma famosa biografia de Oswaldo Cruz; e ele foi também Secretário Geral do Departamento Nacional de Saúde Pública (DNSP) na década de trinta. Se você for natural de Campos/RJ, talvez também o conheça. Ele é natural deste Município, onde nasceu em 1892.

Serpa, onde quer que esteja hoje (ele faleceu em 1967), não deve estar satisfeito com a recém "descoberta" das "inéditas" ruínas que os pesquisadores do Museu Nacional "acharam". Afinal, Serpa nasceu ali, na antiga e hoje desaparecida Limeira do Itabapoana, da qual só sobraram as ruínas. Estão dizendo que o seu torrão natal, que por muitos anos quedou enterrado sob sedimentos e mato, seria a antiga e quinhentista Vila da Rainha, edificada por Pero de Góis provavelmente em 1536.

O que deve deixar Serpa mais triste é o fato de que ele foi Secretário do Conselho Nacional de Cultura, no final da década de trinta. Como pesquisador e escritor que foi, ligado à área da cultura, deve estar pensando: "como podem os pesquisadores do Museu Nacional confundirem as ruínas da antiga Limeira do Itabapoana como se fossem da extinta Vila da Rainha?"


Documentos sobre a existência do povoado e porto de Limeira de Itabapoana são fartos. Todos os trabalhos sobre a geografia e história do Espírito Santo elaborados no século XIX, contemporâneos à existência do núcleo, citam Limeira como povoado e porto, informando que ficava este até onde o Itabapoana era navegável desde a foz.

Quando os mineiros e fluminenses penetraram na região do vale do Itabapoana, no final da primeira metade do século XIX, e iniciaram a colonização local abrindo fazendas de café, o porto de Limeira acabou se tornando escoadouro natural para toda a produção cafeeira do médio e alto Itabapoana. Toda a produção regional era transportada por tropas até os arraiais de Bom Jesus e de Limeira, descendo desta última em pequenas embarcações até a Barra do Itabapoana, de onde seguia para a cidade do Rio de Janeiro, então capital do Império.


História e Estatistica da Prov. do Esp. Santo - José Marcellino P. Vasconcellos - 1858


O arraial se transformou em povoado, e cresceu. Com o passar do tempo, foi erigida uma Capela (da qual ainda hoje existem as ruínas), foi estabelecido posto fiscal e de arrecadação, foi construída uma escola, e até uma linha de navegação à vapor ali operou. Obviamente que os povoados interioranos do século XIX não podem ser comparados às nossas cidades interioranas de hoje; mas, para a época e para a região, Limeira era um povoado relativamente próspero.

Narrativa do Dep. Affonso Celso na Sessão da Câmara dos Deputados - 04/06/1864


E agora, por desconhecimento de nossa história local, estão sepultando de vez o povoado e porto de Limeira do Itabapoana, imputando aos seus restos, única coisa que sobrou de um rico passado, a alcunha de Vila da Rainha.

Por favor, não façam essa desfeita para com Phocion Serpa!
E, pensando bem, Pero de Góis também não deve estar muito satisfeito...

Gerson Moraes França


Fontes -

Biografia de Phocion Serpa:
http://www.coc.fiocruz.br/areas/dad/guia_acervo/arq_pessoal/phocion_serpa.htm

Ensaio sobre a História e Estatistica da Provincia do Espírito Santo
Por José Marcellino Pereira de Vasconcellos - 1858

Anais da Câmara dos Deputados, Volume 2, 1864

Arquivo pessoal

quinta-feira, 19 de novembro de 2009

Vila da Rainha e Limeira do Itabapoana - Mais um erro sendo construído

"E com a casa da Câmara e casebres de taipa, funda-se Vila-da-Rainha." Escrito por Alberto Ribeiro Lamego, em 1945



Como disse eu em outro tópico, muitas vezes o passado se "apaga" completamente da memória. Surgem, então, versões distorcidas da realidade, subvertidas e, muitas vezes, transformadas em realidade.

Estamos vendo isso acontecer hoje mesmo, nesse exato momento. Pois os pesquisadores do Museu Histórico Nacional não estão agora dizendo que as ruínas de Limeira do Itabapoana são, na verdade, as ruínas da antiga Vila da Rainha, fundada no século XVI pelo Donatário Pero de Góis?

Para quem se dedica a ler a historiografia antiga e os trabalhos atuais dos verdadeiros especialistas, é de notório e público conhecimento que a Vila da Rainha, que mais tarde seria completamente abandonada pelos colonos e pelo Donatário da Capitania de São Tomé, foi fundada na embocadura do Rio Itabapoana, na época chamado Managé.

Pero de Góis, sim, fundou na região do sítio onde posteriormente seria edificada Limeira do Itabapoana, um Engenho movido à água. Ao redor do Engenho, também surgiu um Arraial, povoado por colonos portugueses. Mas esse Arraial, assim como a Vila da Rainha, foi completamente destroçado pelos ataques dos silvícolas. Os colonos remanescentes foram socorridos pelo Donatário do Espírito Santo, que enviou embarcações que os resgataram até a Vila do Espírito Santo (hoje Vila Velha).

Depois disso, São Tomé permaneceu desocupada de colonos e sem exploração econômica por quase um século. O vale do Itabapoana só seria "reocupado" no século XIX, com a exceção de seu baixo curso, onde os inacianos fundariam uma fazenda e um pequeno aldeamento de indígenas. Já no final do século XVI, os Jesuítas estabelecidos em Nossa Senhora das Neves, região onde posteriormente seria criada a famosa Fazenda Muribeca, singraram novamente o Itabapoana até suas primeiras cachoeiras, e lá estabeleceram um pequeno e incipiente aldeamento de silvícolas que subsistiu precariamente por séculos.

Creditar as ruínas das edificações "recém descobertas" como sendo os restos da Vila da Rainha é extrema falta de responsabilidade para com a historiografia. Obviamente que levantar a hipótese não é reprovável, considerando que abre-se debate. Mas divulgar tais informações na imprensa sem ter conhecimento de causa, é ou má-fé, ou desconhecimento: qualquer seja o fato, não é muito abonador.

Certamente as ruínas não são os restos da Vila da Rainha, que foi edificada na embocadura do Managé. Dificilmente as ruínas de Limeira são os restos do Engenho construído por Pero de Góis, considerando a grande extensão dos restos de fundação em pedra lá existentes. No século XVI, quando iniciava-se nossa colonização, a imensa maioria das edificações eram feitas de taipa. Somente muitos anos mais tarde é que as edificações foram sendo construídas com fundação de pedras. A Capitania de São Tomé subsistiu por menos de dez anos, sendo que os conflitos entre europeus e indígenas duraram, segundo a historiografia antiga, cinco anos. Infelizmente, considerando todas as dificuldades e contratempos enfrentados pelos colonos, e considerando o pouco tempo que estiveram estabelecidos por aquelas bandas, é quase 100% correto afirmar que aquelas edificações não foram por eles construídas.

Outro fator que contribui para enterrar a versão de que as ruínas são da antiga Vila da Rainha é o próprio estabelecimento posterior do Povoado de Limeira do Itabapoana, que foi edificado no mesmo sítio. Limeira nunca foi um grande Povoado, tanto que nunca foi elevada à categoria de Vila; mas foi um importante entreposto comercial, que concentrou todo o escoamento de café do médio e alto Itabapoana por muitos anos. Somente quando os trilhos da estrada de ferro chegaram à Santo Eduardo/RJ, em 1879, é que a importância de Limeira na centralização do escoamento de café começou à decair. Todos que conhecem o estilo de construção na região do Itabapoana no século XIX podem facilmente concluir que aquelas edificações foram construídas nessa época.

De todo modo, esperemos que alguém resolva datar cientificamente aquelas ruínas. O debate está levantado, e - quem sabe? - não sejam aquelas obras os resquícios do Engenho construído por Pero de Góis no século XVI? De todo modo, uma coisa elas não são: definitivamente, não são os restos da Vila da Rainha.



Gerson Moraes França

Fonte das fotos: - print do vídeo:
http://www.youtube.com/watch?v=RQJERXskiRE&feature=player_embedded
em 19/11/2009

Limeira do Itabapoana

A "expedição" que fiz ao antigo porto de Limeira do Itabapoana foi realizada no inverno do ano de 2002. Voltei à região por outras vezes, mas nessas outras viagens fiquei adstrito à margem espirito-santense do rio.

Segundo o pesquisador Lenilson Werneck, natural de Santo Eduardo, Estado do Rio, em 2005 foi realizada no sítio fluminense uma escavação, executada por uma equipe do Museu Histórico Nacional. Essa escavação foi levada a efeito na época que estavam sendo procedidos os estudos "na região da Cachoeira do Inferno, para a construção da Hidrelétrica Pedra do Garrafão" (1), ainda segundo os informes de Werneck.

Abaixo seguem algumas das fotos de autoria do referido pesquisador que, louvadamente, resolveu registrar e trazer ao público os trabalhos que foram feitos pela equipe do MHN.


Ruínas das edificações do Povoado, com suas fundações claramente visíveis.






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Uma rua calçada, que ficou por quase cem anos enterrada sob sedimentos e mato.


Ruínas das fundações de um provável moinho movido à água.











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1 - Fonte:
http://lwerneck.blogspot.com/2008/05/patrimnio-histrico-brasileiro-em-santo.html em 18/11/2009

quarta-feira, 18 de novembro de 2009

Andanças

Pois bem.

Minha pesquisa sobre a história de Mimoso do Sul havia se aprofundado sobremaneira, e consegui "garimpar" e ter acesso à várias informações e documentos importantes, em Vitória e em Mimoso.

Um dos meus principais focos, como já disse, é a "tomada" da Comarca, em novembro de 1930. Pesquisei então, em pormenores, tudo sobre a Revolução de 1930, que foi a fagulha que acabou desdobrando-se, localmente, na mudança da sede. Garimpei toda a correspondência oficial, os jornais, tanto locais como alguns de fora, colhi testemunhos, e até em livros de memórias consegui muitas informações importantes para minha pesquisa. Pesquisei em Canhoeiro, em Muqui e em Bom Jesus. Estive em Baixo Guandu, para conhecer "in loco" o teatro onde se desenrolou uma das mais sangrentas batalhas da Revolução. Estive em Campos e em Itaperuna, no Estado do Rio, pois foram localidades que influenciaram ou foram influenciadas pelos acontecimentos ocorridos no Espírito Santo durante a Revolução.

[Abro aqui um adendo: se todos escrevessem um livro de memórias, grande parte do cotidiano de nossa história seria preservado, mesmo que sob uma visão particular. Já reza o ditado: não se pode morrer sem antes ter tido um filho, ter plantado uma árvore, e ter escrito um livro]

Interessei-me, também, pelos primórdios da história de Mimoso do Sul, quando o Itabapoana era singrado por barcaças carregadas de café, e quando o porto de Limeira era um relativamente importante entreposto comercial para a época. As fotos que seguem abaixo foram um registro da viagem que fiz pelo Itabapoana, subindo o rio em um pequeno barco até o porto de Limeira e até as primeiras cachoeiras do rio. Foi uma verdadeira "expedição" histórica e, até, arqueológica. Navegamos pouco mais de oito quilômetros, dos cerca de sessenta quilômetros navegáveis do rio desde sua foz até o porto de Limeira.


Subindo o rio Itabapoana, desde a ponte da divisa até as primeiras cachoeiras.


Ruínas de edificações do Povoado de Limeira do Itabapoana, do lado fluminense.


Ruínas da Capela do mesmo Povoado, erguida na segunda metade do século XIX.


Posando de arqueólogo, junto a um bloco de pedra que servia de fundação à uma edificação.

Corrigindo a História

É muito comum, em localidades que não preservam sua memória, que alguns assuntos de natureza histórica sejam subvertidos, esquecidos ou construídos artificialmente. Forma-se uma tradição sedimentada, uma espécie de mitologia que se transforma em realidade incontestável. O passar dos anos muitas vezes deturpam ou fazem embaçar os acontecimentos do passado. Os fatos passam à ser repetidos sempre na mesma vertente, sem a necessidade de se apurarem novas fontes. Essas repetições orais da tradição são, depois, colocadas em livros e trabalhos históricos, e criam uma característica de realidade. Novos escritores não mais procuram pela essência, e apenas repetem o que alguém escreveu antes.

Em Mimoso do Sul essa premissa também se repetiu. Foram criadas versões, modificadas pelo tempo e pelos interlocutores, que se transformaram em realidades incontestáveis. Uma vez colocadas em formato de texto, sedimentaram-se.

Comecei a reparar que havia alguns equívocos na historiografia mimosense assim que iniciei minhas pesquisas em fontes primárias. Muitos erros e/ou omissões são apenas pontuais, não interferindo muito no desenvolvimento da nossa verdadeira história. Alguns outros são mais relevantes, transformando um equívoco ou uma construção fictícia em realidade que muda a essência dos fatos históricos.

Cito um exemplo do primeiro caso, um erro apenas pontual, mas que é, do ponto de vista do pesquisador, erro grosseiro. Nas primeiras eleições realizadas em Mimoso do Sul pós-1930, a historiografia local dizia que o candidato vencedor - Pedro José Vieira - era do PL (Partido da Lavoura). Verifiquei que Pedro Vieira era de outro Partido, e que o candidato do PL havia sido derrotado. Guardadas as devidas proporções, seria como se um historiador, quarenta anos no futuro, escrevesse que o vencedor das eleições presidenciais de 1994 havia sido Fernando Henrique Cardoso, do PT (Partido dos Trabalhadores)...

Desse modo, sempre pautado em documentos primários, comecei à desmistificar certas realidades históricas que eram tratadas como fatos incontestes.

O calçamento em pedra "pé-de-moleque" de São Pedro do Itabapoana foi construído no século XIX por escravos, como afirmam os folhetins?

Mimoso era getulista, e São Pedro era prestista; por isso a Comarca foi transladada em 1930. Isso realmente corresponde à verdade, conforme rezam todos os trabalhos que se debruçaram sobre a matéria?

O Coronel Paiva Gonçalves foi realmente o responsável pela mudança da sede da Comarca, como afirmam todos os entendidos?

Essas são apenas umas poucas das perguntas que eu respondi em minhas pesquisas, e que aqui elenquei por serem relevantes. Outros assuntos foram corrigidos e desmistificados; e omissões foram trazidas de volta à história.

Consegui apurar também algumas curiosidades interessantes. Algumas poucas delas seguem abaixo.

É conhecida de todo mimosense a famosa história do dia 02 de novembro de 1930, quando treze caminhões, escoltados por soldados, entraram em São Pedro do Itabapoana e "roubaram" a Comarca. Você sabia que esses treze caminhões eram TODOS os caminhões então existentes em Mimoso, Torres e D. América?

Você sabia que a porta de entrada da Igreja de São Pedro é a mesma à mais de cem anos? E que o famoso chafariz, esculpido em pedra em formato de jacaré, que ficava em São Pedro, foi surrupiado e levado para Guarapari?

Você sabia que uma viagem à cavalo de Cachoeiro à Mimoso demorava oito horas em 1895, quando os trilhos da Leopoldina chegaram até nossa cidade? E que de São Pedro à Mimoso, na mesma época, uma viagem à cavalo demorava quatro horas?

Enfim. Alguns assuntos são pouco relevantes, sendo mais simples curiosidades. Outros são muito relevantes, pois modificam a versão tradicional da história que vem sendo divulgada, anos à fio, sobre nossa Mimoso do Sul.

terça-feira, 17 de novembro de 2009

Fuçando a Historia Mimosense 2

Dando seguimento:

Ainda em 1997, quando comecei à pesquisar a fundo a história de Mimoso do Sul, comecei à notar que haviam algumas incongruências e, mesmo, erros nas informações históricas tradicionalmente sedimentadas.

Nesse mesmo ano de 1997, quando começou minha paixão pela história mimosense, começou também minha paixão por uma cidadã mimosense. Foi quando comecei à namorar com Larissa Cysne, com quem futuramente iria me casar e que, hoje, é minha esposa.

Eu não tinha muitas pessoas que se interessavam em partilhar esses assuntos "chatos". Quando eu "descobria" algo novo, inédito, ou algum erro, era com meu pai e com minha namorada que eu "desabafava". Início de namoro, namorada paciente. Filho, o pai escuta qualquer coisa. Quantas vezes enchi o saco de ambos em meus monólogos!

Logo percebi que era necessário que alguém deixasse algum trabalho histórico sobre Mimoso para a posteridade. O que tínhamos de publicado, além de conter algumas omissões e pontuais erros, era muito pouco! Um grande pesquisador da história mimosense, e que teve acesso à vários documentos primários antes da sumária destruição pela ação do tempo e pela ação dos homens, foi Olympio de Abreu - toda a parte histórica da famosa Revista de 1951 foi por ele feita, bem como os sumários históricos de edições importantes como a Enciclopédia dos Municípios, datada da mesma época. Mas - pena - Olympio de Abreu não deixou para a posteridade nenhuma obra sobre nossa história.

Somente pesquisar de nada adianta. Pesquisar, sem escrever e deixar obra, não possui muito sentido. É necessário que se deixem registradas as informações e dados conseguidos, pois sem obra, morre o conhecimento com o pesquisador. É por isso que resolvi começar a escrever.

Fuçando a Historia Mimosense

Continuando.

Se eu tivesse que arbitrar uma data específica para quando iniciei minhas pesquisas sobre a história de Mimoso do Sul, seria algum dia do início de 1997. Já antes disso me interessava pela história local, mas tudo o que eu tinha eram os relatos dos mais velhos, e o pouco que já se havia escrito sobre o tema.

Logo tomei conhecimento do já clássico livro de Grinalson Medida, que trata da história de São Pedro do Itabapoana. "Achei-o" na seção de coleções especiais da Biblioteca da UFES. Era obra antiga, da década de trinta, mas não deixava de ser fonte secundária. Nesta mesma seção da biblioteca foi que tive contato com os primeiros jornais antigos, que eram os exemplares de um jornal de Cachoeiro datados de 1920 a 1928. Foram nesses jornais que comecei à coletar informações publicadas sobre Mimoso do Sul, anotando tudo num caderno, num verdadeiro trabalho de garimpo. Em Mimoso, a Secretária do recém criado Departamento de Cultura me presenteou com uma cópia da conhecida Revista de 1951, que eu já havia lido, mas que eu não possuía. Passei à frequentar o Departamento de Cultura, que havia "encampado" a Biblioteca Municipal que eu já frequentava assiduamente desde o ano de 1991.

Mas, apesar das muitas fotos e dos poucos livros que tratavam da história de Mimoso do Sul, eu queria mais. Achava eu que havia muitas lacunas, e que o nossa história não havia sido ainda pesquisada à fundo. Fui na Prefeitura atrás de arquivos, mas nada havia de relevante (à não ser os livros contábeis); fui informado, mais tarde, que todos os arquivos antigos, que não mais "prestavam" e que "entulhavam" o Almoxarifado, haviam sido incinerados. Pouquíssima coisa sobrou, salvos pelas mãos de Pedro Antônio de Sousa e de Rosângela Marques Guarçoni. Graças à esses dois pesquisadores, conseguimos preservar alguns documentos de certa relevância. Posteriormente, já depois de ter bem adiantados meus estudos em fontes primárias, pesquisei nos Cartórios do Município, onde encontrei alguns documentos que enriqueceram ou confirmaram dados pesquisados de outras fontes.

Estava eu estudando em Vitória. Em Mimoso, minhas pesquisas ficavam limitadas aos tempos de férias. Na biblioteca da UFES nada havia mais que eu pudesse ler ou pesquisar sobre Mimoso do Sul. Foi então que, certa vez, fui "tentar a sorte" no Almoxarifado da Prefeitura de Vitória, onde também funcionava o Arquivo Público Municipal. Lá fui sem muitas expectativas, mas - quem sabe? - eu não pudesse encontrar algo lá, como jornais antigos? Chego lá como se fosse "entendido", e peço à moça que me pegue o jornal "Diário da Manhã" do ano de 1930. Eis que, após alguns minutos, chega-me a mesma com os exemplares do dito jornal, encadernados em grossa capa. Fiquei extasiado! Devorei todas as edições do referido jornal, "garimpando" tudo o que eu encontrava sobre Mimoso do Sul. Foram dias e dias nesse trabalho, pois encontrar em meio à tantas reportagens e matérias coisas específicas de Mimoso do Sul era verdadeiro trabalho de "garimpo". Sem falar que não podíamos tirar cópias xerox dos jornais - tudo tinha que ser anotado à mão. Pena que ainda não haviam as câmeras digitais!

Daí para frente minhas pesquisas somente aumentaram. Conheci novos lugares aonde poderia encontrar fontes primárias. Na Biblioteca Estadual e no Arquivo Público Estadual haviam coleções inteiras de jornais antigos; na primeira, podíamos folhear, e no segundo, estavam microfilmados. No Arquivo Público também haviam importantes documentos, como telegramas, ofícios, etc. Fui ao Instituto Jones dos Santos Neves, onde consegui as fitas gravadas com os depoimentos de antigas personalidades do nosso Estado (escutei todas, anotando qualquer coisa que falasse de Mimoso). No IPHAN, que funcionava na Capela de Santa Luzia, no centro de Vitória, consegui cópias das mais antigas fotos panorâmicas de Mimoso que se têm notícia até hoje. Pesquisei, pesquisei, pesquisei. Adotei como foco o ano de 1930, quando ocorreu a mudança da Comarca de São Pedro para Mimoso. Mas - como sempre - um assunto leva à outro, que leva à mais outro, e por aí vai. Li todos os jornais que pude ler. Algumas coleções, li tudo - tudo mesmo! E sempre anotando em meus cadernos, pois o primeiro já havia sido totalmente preenchido nos primeiros meses de pesquisa.

Em 2004 e 2005 cheguei à escrever num jornal local, o "Acontece", em colaboração à Carlos Miranda de Castro. Já então havia anos que eu pesquisava, e já tinha muito material. De Carlos Miranda, inclusive, também fui presenteado com cópias de documentos que eu ainda não possuía.

Fato é que continuo pesquisando. Acho que a pesquisa nunca se finda. Sempre há algo novo para se procurar. Segui, então, o conselho de Rosângela Guarçoni: pegue um foco, pesquise à fundo, e quando acreditar que tem material suficiente, encerre a pesquisa; pois, quanto mais se procura, mais de acha. E assim o fiz - em parte. Sempre que posso, continuo pesquisando.

Como meu interesse pela história de Mimoso começou

Reiterando: o Blog é pessoal, é MEU!
Então, continuarei registrando os fatos que me levaram a essa paixão pela História.

Naquele início, quando a "História entrou na minha vida" (coisa meio religiosa, pois não?), eu me interessava principalmente pela história européia, fosse ela antiga ou moderna. Uns quatro anos depois foi que comecei a pesquisar a fundo a história do Brasil, que passou a ser meu novo objeto principal de estudos.

Na história do Brasil, em seu começo pós-cabralino, estava inserida já a história de meu Estado, o Espírito Santo. Capitania antiga, das primeiras que foram concedidas; acabei por me interessar também, posteriormente, por pesquisar a fundo a sua história. Mas parei por aí; não me interessava ainda pela história de Mimoso do Sul.

Meu interesse pessoal pela história da cidade por mim "adotada" começou, interessantemente, por causa de política... (e os mesmos fatos me despertaram o interesse, também, pela própria política, que não deixa de ser parte de nossa história atual).

O pai de minha madrasta, Domingos Serenari Guarçoni, havia sido Prefeito de Mimoso do Sul na década de setenta. Como todo político, mesmo estando já afastado de candidaturas, ele não conseguia se afastar da matéria.

A primeira coisa que me lembro sobre a "mistura" "Política - Seu Domingos" foi uma tal "sacanagem" que fizeram com ele nas eleições municipais de 1988. Esse assunto eu escutei no final de 1989, mas não dei a mínima importância; eu não entendia, e nem me interessava, por política. Sei que havia um acordo que seria ratificado na Convenção Municipal do PMDB, onde "Seu" Domingos seria candidato à vice-prefeito pelo Partido. Mas, na hora "H", "passaram a perna" nele, e outro foi o candidato escolhido. Mesmo assim, Seu Domingos (vou tirar a partir de agora os aspas do "Seu", pois para mim o nome do meu "avô-emprestado" era "Seu Domingos"), no dia da eleição, sem ser candidato à nada, pegou sua caminhonete amarela e foi pra "roça" angariar uns votos para o PMDB.

Nas eleições municipais seguintes, em 1992, eu já estava mais envolvido. Eu já tinha mais de dezesseis anos, e "mandaram" eu "tirar" meu título de eleitor em Mimoso, para votar no "nosso" candidato. Seu Domingos havia rompido com aqueles que o "sacanearam", e agora estava com a "oposição". No dia das eleições, fomos eu e um dos filhos da Liege, Daniel Guarçoni Martins, com camisetas de campanha e santinhos, fazer "boca de urna" numa seção que ficava na esquina da nossa rua. Mas, à despeito dos nossos esforços, "nós" perdemos as eleições, por pouquíssimos votos.

Nesse mesmo dia, não sei porquê, o candidato derrotado que era por nós apoiado foi para a varanda da casa do Seu Domingos, juntamente com uma série de correligionários, simpatizantes e apoiadores. A casa dele era perto da nossa. Aquela varanda estava lotada de gente; uns se lamentando, outros chorando - o candidato derrotado estava quieto, não falava quase nada. Na comemoração da vitória, foi organizada uma "carreata" pelos eleitores do ex-adverso, e essa carreata passou pela nossa rua. Pararam em frente à casa do Seu Domingos, e começaram à gritar euforicamente, vendo que ali se reuniam os derrotados. Um rojão estourou perto da varanda, e se não fossem as mulheres saírem "machas" de lá clamando para a turba ir embora, pois haviam crianças no recinto, era possível que tivesse rolado uma briguinha, uma vez que os ânimos estavam exaltados de ambos os lados.

A partir desses fatos comecei à me interessar, e me inteirar, sobre política. Lembro-me que ficava às vezes cerca de hora conversando com Seu Domingos sobre essa matéria. Em 1996, "nosso" candidato ganhou as eleições; nessa época, fizemos novamente campanha e "boca de urna". Eu havia votado, em 1992 e em 1996, num candidato da família para Vereador, a para ele também fazíamos campanha (esse Vereador, eleito e reeleito várias vezes, é hoje o Prefeito de Mimoso do Sul). Envolvi-me nisso.

Mas como a política me fez tomar interesse pela história de Mimoso do Sul? Simples: Seu Domingos era parte dessa história. Quando eu conversava com ele sobre política mimosense, estava escutando a história viva, o testemunho de quem a presenciou e também de quem a fez. Comecei à colher e anotar os relatos, primeiro de Seu Domingos, depois de outras pessoas mais velhas da cidade. Igualmente, comecei à procurar livros e documentos que tratavam da história de Mimoso do Sul; e, também, comecei à "juntar" tudo que se "produzia" em Mimoso no presente, como os jornais e folhetins, boletins informativos e até prospectos das festas da cidade. Era uma forma de eu ajudar a documentar, para a posteridade, a história da cidade que adotei como minha.

Como minha paixão pela história começou

Bem, o blog é pessoal; é MEU! rsrs! =)

Então, creio, nada melhor do que eu começar registrando coisas pessoais; e, como o meu principal objetivo nesse (ou em outro que, posteriormente, poderei criar) blog é externar meus textos sobre a história do Brasil, Espírito Santo e Mimoso do Sul, penso que devo começar falando de como a História (agora com "H" maiúsculo) entrou, apaixonadamente, em minha vida.

Tinha eu quatorze anos de idade quando deixei de morar com a minha mãe, Selma Gonçalves Moraes, e fui viver com o meu pai, Maerson David França. Ambos estavam separados à cerca de dois anos. Meu pai havia se casado novamente, com a minha agora considerada segunda mãe, Liege Lacerda Guarçoni. Fui, pois, morar com eles.

O filho mais velho de Liege, André Guarçoni Martins (Liege, assim como meu pai, já tinha filhos do casamento anterior), tinha uma das revistas em quadrinhos da coleção de Astérix. "Achei" essa revista na estante, e, como assíduo adorador de quadrinhos que era, "devorei" a revista em menos de uma hora. Quem conhece a história de Astérix, sabe que este é um gaulês que vive em uma pequena vila, ainda independente do Império Romano, numa Gália conquistada a poucos anos por Caius Julius Caesar.

Li e reli a revista solitária incontáveis vezes (a propósito, a revista era "Asterix e os Godos"). Naquela mesma estante havia duas enciclopédias, "Delta Larouse" e "Conhecer". Sim, jovem leitor, "antigamente" toda residência com crianças em idade escolar era praticamente obrigada a ter essas enciclopédias: ainda não existia Internet para se pesquisar. Todos que viveram naqueles "pretéritos" tempos conhecem bem a hoje quase extinta profissão dos vendedores de enciclopédias, que iam nas escolas e nas nossas casas vender essas coleções. Épocas "difíceis" onde não existia o "copiar-colar".

Obviamente que eu já havia estudado algo sobre o Império Romano na escola; mas, para mim, na época, História era apenas mais uma matéria em que tinha que tirar nota dez, em minha "eterna competição" de notas com os coleguinhas do Colégio Nacional, aonde eu estudava. Mas, certa vez, folheando a enciclopédia "Conhecer", li algo sobre os Godos. Ora - pensei eu - mas então os godos da revistinha do Asterix realmente existiram? Procurei sobre os gauleses, e lá também estavam eles contemplados! Gauleses e Godos realmente haviam existido no passado! Procurei também sobre uma possível existência real do Astérix, na "esperança" de que ele também fosse um personagem histórico, tal como era Júlio Cesar; frustrei-me ao ver que ele era apenas ficção... mas alegrei-me ao ver, já na enciclopédia "Delta Larouse", que o chefe Vercingetorix e que a batalha de Alesia realmente haviam existido/acontecido!

[Observação: se você não conhece Asterix, certamente está um tanto embolado com as informações acima. Tentei ser inteligível. Mas, se ainda assim emboslaste-te, isso é problema teu - "pesquise" do Google!.]

Daí em diante, mergulhei nas "pesquisas". Primeiro, procurei saber tudo sobre o Império Romano, sobre a Gália, sobre Julio Cesar, depois sobre os Godos, os "Bárbaros", fui "descendo" no tempo através da Grécia, depois Egito e Mesopotâmia; posteriormente, fui "subindo", pesquisando sobre a Idade Média européia, a formação dos Reinos centralizados na Europa, passei depois para China, Índia, América pré e pós-colombiana, etc, etc, etc. Ah! Concomitantemente, fui adquirindo paulatinamente, com o dinheirinho que economizava dos lanches, as outras revistas da coleção do Asterix; em alguns meses, eu já possuía a coleção completinha.

[Mais uma observação: quando nos mudamos, em 1991, de Vitória para Mimoso do Sul, onde morei por um ano e meio, e onde meu pai e minha segunda mãe vivem até hoje, minha preciosa coleção foi levada para a "roça", que é como chamamos coloquialmente a fazenda que era de propriedade do "Seu" Domigos Guarçoni, pai de Liege. A coleção ficou "confinada", juntamente com uma série de outras revistas, jogos e bugigangas sortidas, numa casa de colono que estava vazia. Com o passar dos anos, as revistas foram se deteriorando por causa da humidade e das traças. Consegui, porém, salvar algumas delas, que hoje guardo com muito carinho.]

Enfim, assim iniciou-se essa paixão incontrolável que tenho pela História. Na época, ainda uma criança, meus recursos eram aquelas enciclopédias. Cheguei à ser proibido de pegá-las, pois eu as estava destruindo de tanto que as folheava. Depois, "descobri" as bibliotecas, aonde passava eu horas e horas lendo, anotando, pesquisando. E, quanto mais eu lia e pesquisava, mais eu queria aprender e procurar novos assuntos. Uma coisa "puxava" a outra, um assunto me levava a outro assunto, e assim fui indo, anos e anos, cada vez me aprofundando mais, e cada vez me apaixonando ainda mais.

Pronto!

Pronto!
Finalmente criei o meu blog pessoal; agora é começar à escrever...